Infectologista alerta para dinamismo do vírus da COVID-19 e que Brasil vive segunda onda

Infectologista alerta para dinamismo do vírus da COVID-19 e que Brasil vive segunda onda

Infectologista Jaqueline Dario Capobiango, do Departamento de Pediatria e Cirurgia Pediátrica, avalia pandemia e progressão do número de casos.

Pedro Livoratti

Agência UEL


Passados nove meses da confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil, no final de fevereiro, a população demonstra um comportamento que mistura desdém e desinformação sobre a gravidade da pandemia que já custou mais de 160 mil vidas. Depois de experiências traumáticas de fechamento de serviços, shoppings, comércio e cancelamentos de todos tipos de eventos, o país assiste surpreso nova expansão da doença.  Em Londrina, somente na penúltima semana de novembro, foram registradas 184 novas confirmações da doença em um único dia. Desde o início da pandemia já foram 342 vítimas da Covid-19.

Todas estes fatos acontecem quando autoridades de saúde imaginavam ter vencido o primeiro round contra a doença. No Paraná cerca de 290 leitos exclusivos foram desativados em várias regiões. A medida, no entanto, precisou ser revista frente ao surpreendente crescimento da doença, a começar por Curitiba, onde foi registrado aumento na procura por atendimento e internação.

Para a médica infectologista Jaqueline Dario Capobiango, professora do Departamento de Pediatria e Cirurgia Pediátrica da UEL, que integra a Comissão de Infecção Hospitalar (CCIH) do Hospital Universitário (HU/UEL), a pandemia de Covid-19 demonstrou ser dinâmica e vários são os fatores que interferem na progressão do número de casos. Ela atesta que o país vive o que se pode definir como segunda onda da doença, provocada pelo afrouxamento das medidas de contenção do vírus pela população, principalmente associado aos feriados recentes, quando as pessoas fizeram viagens e reuniões em grupos.

“As medidas de prevenção são eficazes se associadas e realizadas por todos, portanto, tem que ser visto como um problema da comunidade. Uma pessoa no seu ambiente que não realize todas medidas pode comprometer a segurança de todas as outras”, afirma ela. Por outro lado, a experiência de tratamento desde a constatação do primeiro caso confirmado melhorou muito com estudos documentados, consultas precoces, uso de corticoide no momento adequado e a pronação do paciente (posição de bruços) para melhorar a oxigenação dos pulmões

Médica infectologista Jaqueline Dario Capobiango, professora do Departamento de Pediatria e Cirurgia Pediátrica (FOTO/Divulgação)

Nesta entrevista à Agência UEL a médica narra a sua experiência frente ao combate à doença no HU/UEL, unidade de referência para tratamento da Covid-19, comenta a expectativa da vacina e fala ainda sobre as decisões do Grupo de Trabalho do Coronavírus da UEL, responsável pelo Plano de Contingência para o retorno presencial dos servidores e a preocupação e medidas necessárias para o retorno das aulas presenciais.

Agência UEL – Até onde é correto imaginar que vivemos um novo momento da pandemia do novo Coronavírus? Nas últimas semanas, a Secretaria de Saúde desativou 284 leitos exclusivos da doença em todo o PR, sendo a maioria aqui no norte do estado. O que significa esta redução da infecção?

Jaqueline Capobiango – A pandemia de Covid-19 é dinâmica, vários são os fatores que interferem na progressão do número de casos e nas medidas que são tomadas. Desde setembro os casos estavam reduzindo, assim como o número de óbitos e a taxa de ocupação das UTI, esta era a notícia que as pessoas estavam esperando, o que fez com que em novembro fosse tomada a decisão de desativar leitos na cidade.

Agência UEL – Mas nos últimos dias tenho lido que os hospitais voltaram a registrar um aumento do volume de pacientes? A senhora confirma? O que isso significa? Seria uma segunda onda?

Jaqueline Capobiango – Sim, tudo indica que e a segunda onda chegou, pois o número de casos voltou a aumentar, assim como os óbitos, e isto se sustentou nas últimas semanas. No Brasil, após a redução da primeira onda, o número de casos se manteve em um patamar mais elevado, e com o afrouxamento das medidas de contenção do vírus pela população, principalmente associado aos feriados recentes, quando as pessoas fizeram mais viagens e comemorações em grupos, houve um aumento do número de casos.

Agência UEL – O uso de máscara, a higiene das mãos nos assegura a ter uma vida praticamente normal? O chamado novo normal?

Jaqueline Capobiango – As medidas de prevenção são mais eficazes se associadas e realizadas por todos, portanto, tem que ser visto como um problema da comunidade. Uma pessoa no seu ambiente que não realize todas medidas pode comprometer a segurança das outras. A segurança do retorno ao trabalho depende desta conscientização e com a fiscalização continuada, que pode ser feita pelas próprias pessoas.

Agência UEL – Médicos atestam que estes oito meses de pandemia foram de muito aprendizado. Os tratamentos se tornaram mais efetivos. Pode detalhar essa expertise adquirida nos tratamentos?

Jaqueline Capobiango – No decorrer da pandemia a ciência conseguiu descobrir melhor a fisiopatologia da doença, muitos estudos foram realizados documentando o que funciona e o que não altera a evolução da doença. A mudança de recomendação do Ministério da Saúde para que as pessoas façam a consulta médica mais precocemente, em caso de surgimento dos sintomas, também evitou que as pessoas chegassem aos hospitais em fases adiantadas da doença e com maior gravidade. O uso do corticoide no momento adequado, com a redução da inflamação, e a pronação do paciente (paciente de bruços) que melhora a oxigenação dos pulmões, fizeram muita diferença. Além disso, a prescrição da anti-coagulação foi aprimorada, pois aprendeu-se a importância dos efeitos por trombóticos da Covid-19. A equipe ficou mais integrada, com uma melhor comunicação.

Somado a isto, os profissionais adquiriram mais segurança com o uso dos EPIs e isto foi importante para melhorar a qualidade de atendimento, e estar mais tempo a beira do leito para poder realizar um medicina individualizada, com aquilo que já se sabe de manejo de hidratação, sedação, ventilação, uso correto de medicamentos vasoativos e antimicrobianos para as complicações infecciosas. Todas estas medidas fizeram a diferença para os pacientes, com menor mortalidade e sequelas.

Agência UEL – A Covid-19 pode, efetivamente, acometer a mesma pessoa duas vezes?

Jaqueline Capobiango – Sim, há casos de reinfecção bem documentados em vários países. Acredita-se que as pessoas podem se reinfectar após três meses da doença, com variação deste tempo conforme a resposta imune individual.

Agência UEL – Podemos falar em imunidade de rebanho ou é um sonho de um leigo?

Jaqueline Capobiango – Para a Covid-19 a ideia de adquirir a imunidade de rebanho com a doença é  temerária, pois em tese mais de 70% da população teriam que ter se infectado, o que custaria muitas vidas e implodiria o sistema de saúde. Ainda precisamos aprender mais sobre a duração da imunidade. As infecções continuam acontecendo, pois ainda existem muitas pessoas suscetíveis, somado ao fato que a imunidade pode ser transitória após a doença e ainda há a possibilidade de mutação viral, com o risco de infecção por uma nova cepa viral no decorrer do tempo.

Agência UEL – E a vacina? Qual a expectativa dos médicos? Com a vacina, teremos as pessoas imunizadas em quanto tempo? 

Jaqueline Capobiango – Não sabemos ainda quando a vacina estará disponível para uso comercial. Os estudos já estão bem adiantados, com demonstração de segurança e uma variação de eficácia entre 50 a 95%. A grande questão é se haverá a produção de vacinas em grande quantidade para o mercado e se o poder público irá comprar o quantitativo para ter o impacto necessário. Outra questão é a logística da administração, que envolve  a conservação adequada da vacina. Conforme o produto há necessidade de manter refrigeração entre menos 20 a menos 70 graus; temos dúvida quanto ao número de doses da vacina para garantir boa adesão para as doses subsequentes. E o quantitativo da equipe de saúde que tem que ser suficiente para administração e com acesso a áreas mais remotas. A expectativa é que a vacina possa ser distribuída para a população por etapas de prioridade. Tudo indica que teremos mais de uma vacina disponível sendo administrada e que será iniciada pelos idosos, pessoas com comorbidades e profissionais de saúde.

Agência UEL – A senhora integra o Grupo de Trabalho do Coronavírus da UEL, responsável pelo Plano de Contingência para o retorno dos servidores. Sobre o retorno das aulas, e considerando o grande volume de estudantes, a senhora opinaria que o ideal seria a adoção de um modelo misto, ou seja, que considere atividades acadêmicas presenciais e virtuais para reduzir riscos?

Jaqueline Capobiango – O grupo tem discutido o retorno gradual das atividades, conforme a fase da pandemia e respeitando as normas sanitárias. A UEL já tem se adaptado ao modelo remoto de trabalho e ensino, uma necessidade que trouxe muito aprendizado para todos.  A quantidade de atividades presenciais no decorrer do tempo dependerá principalmente da adesão às medidas de proteção individual, garantia de higienização do ambiente e principalmente da conscientização da comunidade universitária.

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