Campanha Setembro Verde incentiva doação de órgãos

Campanha Setembro Verde incentiva doação de órgãos

A Cihdott do HU encerra campanha comemorando o Dia Nacional da Doação de Órgãos nesta terça (27), pela campanha Setembro Verde.

Quatro horas é o tempo necessário para assistir a dois filmes. Em seis horas, se for um leitor assíduo, é possível até mesmo finalizar um livro. Para uma equipe médica do Sistema Único de Saúde (SUS), então, seis horas é o tempo máximo para carregar um órgão vital de um lugar ao outro para que ele seja transplantado em outra pessoa. 

Segundo as determinações do Ministério da Saúde (MS), para que um coração ou pulmão seja aproveitado com sucesso em um transplante, a cirurgia precisa ser realizada em até 6 horas após a declaração de óbito do doador. Em vida, é possível realizar apenas a doação de rim, medula óssea e parte do fígado. No caso de órgãos vitais, é necessário que o doador se enquadre no caso de morte encefálica, ou seja, quando o cérebro já não demonstra sinais.

No dia 5 de dezembro de 2019, Adriele Bueno Souza, de 36 anos, recebeu a ligação que salvaria sua vida. Desde que foi listada para transplante, em 2017, mudou-se de Londrina para São Paulo. Assim, ficaria mais próxima do hospital onde receberia um novo pulmão. Foram três anos longe de casa, no total, desde que o tratamento para hipertensão arterial pulmonar se iniciou. Quando recebeu a notícia de que receberia o transplante de pulmão, Adriele não tinha nem mesmo a capacidade de andar, todos os remédios estavam na dosagem máxima e a doença apenas progredia. Eram 24 horas contínuas no oxigênio e nenhuma expectativa de melhora. A única esperança era o transplante.

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A hipertensão arterial pulmonar é uma síndrome que resulta no aumento da pressão na circulação do sangue na região pulmonar, o que pode levar à queda da oxigenação nas outras regiões do corpo. Essa condição não tem cura, piora progressivamente e é considerada rara. Dentre os quase 150 mil pacientes afetados pela doença no Brasil, Adriele foi a terceira em sua família. Em 2009, a irmã faleceu com a doença aos 25 anos, 8 meses após diagnóstico. Em 2012, a prima também faleceu. Apesar de não ter sido a primeira em sua família a adoecer com esta condição rara, Adriele foi a primeira a se recuperar:

Doadora desde criancinha

A nova carteira de identidade, que passa a vigorar em 2022, terá a possibilidade de identificar no verso se a pessoa deseja doar órgãos após a morte. Porém, mesmo com a identificação, a decisão final ainda é da família do doador. Se não autorizado, a doação não pode ser concluída. Por isso é importante introduzir o assunto aos poucos no ambiente familiar. Mariana Perez Nogueira, quando tinha nove anos de idade e após saber que seu avô passaria por uma cirurgia de transplante de rim, declarou: “Mamãe, se algo acontecer comigo, eu quero que você doe todos os meus órgãos”.

Anos depois, quando a garota tinha 15 anos de idade, Maria Luiza Perez, 62 anos, passou por uma situação que jamais imaginou passar. Mariana teve um Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCI), causado pela falta de sangue em uma área do cérebro por conta de obstrução de uma artéria. Repentinamente, sem doença prévia alguma, sem que qualquer tratamento fosse realizado, Mariana faleceu.

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Maria Luiza precisou lidar com o fato de não rever sua filha viva após o ensaio de ballet e conceder à menina o seu último desejo. “Ela me disse naquele dia para eu não me esquecer que essa era sua vontade: ser doadora”, Maria conta, lembrando sobre como sua filha parecia pressentir o que aconteceria. Apesar de tudo, diante do luto, teve dúvidas. Não sabia se teria a imagem da filha preservada quando fosse velar. Ela conta sobre como a equipe médica foi respeitosa com a família inteira e sobre como a imagem da filha estava perfeita, mesmo após a retirada dos órgãos:

Outra mãe que fala sobre como é importante falar sobre a doação de órgãos em vida é a funcionária pública Elda de Oliveira Barros, 43 anos. Em 2013, o filho mais velho, Derick de Souza, foi vítima de um assalto em Arapongas numa segunda-feira. Foi constatada morte cerebral em cinco dias, com avaliação de não apenas uma, mas por duas equipes médicas. No momento de tensão, Elda e o marido não se recordavam, mas o irmão de Derick, sim: ele havia se declarado doador de órgãos aos 16 anos. “Facilitou a tomada de decisão, não deixou o peso da decisão em nossas mãos”, conta Elda.

Derick de Souza, vítima de um assalto em Arapongas em 2013. Rapaz declarou-se doador de órgãos e salvou vidas (Arquivo)

Elda e Maria Luiza são duas mães que perderam seus filhos muito jovens. Ambas ressaltam que não imaginavam que isso aconteceria com elas, que a “ordem natural” seria os filhos partirem depois dos pais. Diante de uma situação delicada como esta, as equipes do hospital demonstram respeito e dão o espaço necessário para a família. Elda e Maria ressaltam que não foram pressionadas para decidirem pela doação em momento algum. Maria Luiza, em específico, conta que o movimento dela foi inverso: “Nós que procuramos a equipe de doação de órgãos”, explica.

“Eu vi pessoas na máquina de hemodiálise, conheci pessoas com qualidade de vida depois de receber transplante e isso me deu um alento. Vi que vale a pena”, conta Elda (Arquivo)

Escolha que salva

Em longo prazo, com a captação de órgãos de um único doador, pode-se melhorar a qualidade de vida de cerca de 50 pessoas, pois há partes do corpo que duram mais tempo no banco de órgãos. A lista de doações é fiscalizada pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT) do Ministério da Saúde e Centrais Estaduais de Transplantes. A seleção de um paciente ocorre com base na gravidade de sua doença, tempo de espera em lista, tipo sanguíneo e compatibilidade anatômica com o órgão doado. 

Para Waldir Soares Rodrigues, de 65 anos, foram três anos de espera até que recebesse o rim de seu sobrinho, Luis Carlos, 52 anos, doador em vida. Waldir tinha rins policísticos, condição hereditária que, entre dez irmãos, ele foi o único a desenvolver. Esse tipo de distúrbio pode promover um crescimento anormal nos rins e causar insuficiência. Por causa disso, Waldir fez o tratamento de filtragem do sangue que substitui a função dos rins (hemodiálise) durante todo o tempo de espera pelo transplante.

Elda, a mãe de Derick, conta que foi conhecer a realidade das pessoas na fila através do serviço de Capelania dos hospitais. “Eu vi pessoas na máquina de hemodiálise, conheci pessoas com qualidade de vida depois de receber transplante e isso me deu um alento. Vi que valeu a pena”, conta. A doação dos órgãos de Derick salvou oito pessoas, mas ao assumir a campanha de conscientização sobre a doação de órgãos como missão da vida, Elda continua salvando mais vidas:

Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), 48 mil pessoas estão na fila de espera para receber um transplante. Antes, a cada um milhão de brasileiros, 18 eram doadores. Com a pandemia, os números caíram para 16 doadores por milhão da população. Todo fim pode ser um recomeço, basta declarar-se doador.

*Estagiária na COM/Hospital Universitário.

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