Máscara inovadora visa contribuir para proteção de trabalhadores da área da saúde

Máscara inovadora visa contribuir para proteção de trabalhadores da área da saúde

O projeto “Hospital Amigo do Trabalhador” criou uma máscara inovadora, mais eficiente, sustentável e confortável.

Durante a pandemia de COVID-19, houve uma conscientização geral da necessidade e dos benefícios do uso de máscaras para a proteção da saúde. A pandemia acabou, e as máscaras saíram de cena e das faces da população. Entretanto, há um contingente de trabalhadores que dependem cotidianamente da proteção desse equipamento: os profissionais da área da saúde, como enfermeiros, técnicos de laboratórios e médicos. Antes, na pandemia, havia o perigo do coronavírus SARS-CoV-2. Hoje, nos centros cirúrgicos de hospitais de todo o país, há os malefícios decorrentes da fumaça cirúrgica. O projeto “Hospital Amigo do Trabalhador” tem como objetivo justamente combater essa ameaça, e, para isso, criou uma máscara inovadora, mais eficiente, sustentável e confortável.

O projeto foi desenvolvido pelo Grupo de Estudos em Gestão do Cuidado, Editoração Científica e Saúde do Trabalhador (GeeST), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UEL, e é subdividido em três projetos menores. Na primeira etapa, foi desenvolvida uma inovação tecnológica: a máscara HeLP. Ela possui essa denominação por ser as iniciais dos nomes das responsáveis pela invenção, a doutoranda à época e hoje professora do Departamento de Enfermagem, Helenize Ferreira Lima Leachi, e a coordenadora do projeto e professora do mesmo departamento, Renata Perfeito Ribeiro.

A ideia de criar uma máscara diferenciada surgiu quando se percebeu que as máscaras cirúrgicas comumente utilizadas, sejam as mais simples, ou a mais reforçada, a do tipo N95/PFF2, não são eficientes na proteção contra a fumaça cirúrgica ou tinham problemas de usabilidade – caso da N95, que provoca desconforto aos usuários. Este modelo ainda exige cuidados especiais para seu armazenamento a fim de impedir a deformação do seu filtro, que não pode ser amassado.

Além disso, relatos dos trabalhadores dão conta de que a N95 incomoda muito durante procedimentos cirúrgicos de longa duração. Eles alegam que o uso prolongado dessa máscara causa ansiedade, tontura e dor de cabeça por conta da restrição do fluxo de ar. Resultado: eles acabam retirando e ficando expostos a contaminações. Já a HeLP, segundo Renata Perfeito, é ergonômica e, por isso, confortável, o que evita lesões nos rostos, mesmo com o encaixe justo para a oclusão do nariz e da boca. O produto pode ser feito com resina ou silicone, materiais que conferem maleabilidade e facilitam o uso.

Máscaras HeLP em duas versões. A versão em verde apresenta o filtro – em cor azul – por cima (Foto: Agência UEL).

Outra vantagem é a sustentabilidade pois, ao contrário das máscaras cirúrgicas simples e até da N95, a HeLP não necessita ser descartada depois de poucas utilizações, o que gera benefícios para o meio ambiente. De forma geral, as máscaras cirúrgicas comuns devem ser descartadas após cada turno de trabalho ou sempre que apresentarem algum dano na estrutura ou, ainda, na presença de umidade. As N95 geralmente devem ser descartadas em até 15 dias. Já a HeLP pode ser utilizada por muito mais tempo, pois é reutilizável. Os testes a serem feitos durante a execução do projeto trarão uma maior precisão sobre a vida útil da máscara, mas a professora Helenize Leachi acredita que sua durabilidade pode ser de até seis meses.

Há um dado ainda mais importante na comparação entre a HeLP e a N95: a eficiência da contenção de substâncias prejudiciais à saúde. Como está implícito em seu nome, a N95 é capaz de filtrar 95% das partículas presentes na fumaça cirúrgica com diâmetro médio de 0,3 micrômetros (o que equivale a 0,0003 milímetros). Entretanto, as partículas químicas produzidas durante o uso do eletrocautério – equipamento que gera a fumaça cirúrgica – contêm diâmetros ainda menores, o que as torna penetráveis nessa máscara. Essas partículas menores (como tuloeno, monóxido de carbono, benzeno, etc.) são as mais perigosas, pois são químicas, e não biológicas (como vírus, bactérias etc.). “Quando se fala de produtos químicos, existem níveis seguros para a exposição. Mas para esses compostos, não existe nível seguro, você não pode estar exposto sem a proteção adequada”, explica Renata Perfeito.

Inalando o perigo

Utilizado durante cirurgias para produzir cauterização e coagulação de tecidos, o eletrocautério usa corrente elétrica para provocar calor, fundir vasos e, assim, diminuir a perda sanguínea no período intraoperatório. Na queima em contato com pele, sangue e outros fluidos corporais, é produzida a fumaça cirúrgica.

Cerca de 5% da fumaça cirúrgica é composta de detritos originários de substâncias químicas ou biológicas. Durante a inalação da fumaça, as partículas menores que cinco micrômetros são depositadas nas vias aéreas, como laringe e brônquios, e as menores que dois micrômetros se acumulam nas partes mais internas dos pulmões.

O GeeST trabalha com a hipótese de que o risco ocupacional associado à fumaça cirúrgica pode estar atrelado a mecanismos desestabilizadores do equilíbrio dos sistemas antioxidantes celulares, o que pode resultar em lesões causadas pelo estresse oxidativo, um desequilíbrio na produção dos radicais livres que causam danos às células. Entre os sintomas causados pela inalação da fumaça cirúrgica encontram-se: irritação ocular e na garganta, tosse, tontura, dor de cabeça, náusea, ardência de faringe, entre outros.

Professora Renata Perfeito Ribeiro é líder do GeeST, que trabalha com questões ligadas ao trabalhador e publica artigos científicos das áreas da Enfermagem e da Saúde. (Foto: Agência UEL)
Filtro para proteção

A peça fundamental na máscara para a retenção dessas partículas nocivas à saúde é o filtro, cujo desenvolvimento é o foco do projeto “Hospital Amigo do Trabalhador – parte 2”. Para a confecção do material, será utilizado o SMS (Spunbond Meltblown Spunbond), com amplo uso em ambientes hospitalares e é considerado um não-tecido. Tecidos são compostos por fibras com filamentos distribuídos de forma entrelaçada, padronizada. Já os não-tecidos possuem uma estrutura cujos filamentos são distribuídos de forma aleatória. O SMS possui três camadas, sendo as duas externas compostas de orifícios maiores para a entrada de ar. Apenas na camada interna os orifícios diminuem de tamanho, visando a retenção de partículas. No projeto – que contará com a parceria da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) – será feito uma espécie de beneficiamento do SMS, procedimento chamado de fiação, que visa a diminuição do diâmetro dos orifícios das camadas do material. Pretende-se que, com essa diminuição, sejam retidas as substâncias químicas presentes na fumaça cirúrgica que não são captadas pelas máscaras comuns.

Assim como foi com a máscara HeLP, o filtro também é considerado uma inovação tecnológica e será submetido ao pedido de registro de patente na categoria adição de invenção, que é um aperfeiçoamento ou desenvolvimento introduzido num produto anteriormente inventado.

Teste em ambiente de trabalho

Após o desenvolvimento do filtro, a etapa seguinte do projeto será testá-lo na máscara HeLP com a participação dos trabalhadores em ambiente de trabalho. Serão feitos testes para avaliar a usabilidade da máscara com a presença do filtro. O tempo em que os trabalhadores utilizarão a máscara será cronometrado e posteriormente será aplicado um questionário para colher informações sobre o uso e um outro para a apuração de dados demográficos dos participantes. O público-alvo para os testes será constituído de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, residentes e médicos expostos a riscos ocupacionais químicos e biológicos.

O desenvolvimento do filtro e a aplicação dos testes necessários para a usabilidade da HeLP com o filtro têm como objetivo a implementação do projeto “Hospital Amigo do Trabalhador – Parte 3”, que visa desenvolver um Bundle (conjunto de procedimentos e recomendações) para a prevenção de doenças associadas à exposição de trabalhadores da saúde a riscos químicos e biológicos. “Nesse Bundle, nós vamos juntar tudo o que fizemos, todas as evidências científicas que encontramos, e vamos determinar recomendações que o trabalhador e o gestor de um hospital precisariam seguir para que o local de trabalho possa ser considerado amigo do trabalhador”, explica Renata Perfeito.

Outro objetivo do projeto “Hospital Amigo do Trabalhador” é dar subsídios para a alteração da Norma Regulamentadora 32, baixada pelo Ministério do Trabalho e Emprego em 2005. A NR32 tem por finalidade estabelecer as diretrizes básicas para a implementação de medidas de proteção à segurança e à saúde dos trabalhadores dos serviços de saúde, entretanto, segundo a professora Renata Perfeito, a norma não abrange a proteção contra a fumaça cirúrgica. “Então o objetivo do Hospital Amigo do Trabalhador é criar esse Bundle e que nele haja regras regulamentadas para cuidar da saúde do trabalhador”, afirma.

Segundo a coordenadora, o projeto contribuirá para a segurança dos trabalhadores da saúde, garantindo um ambiente de trabalho mais saudável. Isso resultará em uma força de trabalho mais produtiva e satisfeita, conforme explica a professora Renata: “Se esse trabalhador estiver bem cuidado, vai ser mais produtivo e cuidar melhor. Vai haver um impacto na assistência, reduzindo as ausências do trabalho. Percebemos que falta esse cuidado com a saúde do trabalhador”. A redução do absenteísmo e dos custos com tratamentos médicos decorrentes de doenças relacionadas ao trabalho poderá beneficiar diretamente as instituições de saúde e as empresas, o que pode gerar economias significativas a longo prazo.

A importância do projeto é sintetizada pela professora Helenize Leachi: “Nós temos grandes estudos internacionais sobre a fumaça cirúrgica, mas ainda ninguém havia desenvolvido nada. A professora Renata teve a bravura de pensar nessa máscara, e nós fomos com a cara e a coragem. A grande importância é olharmos para os trabalhadores de uma outra forma, porque a HeLP traz proteção, não só contra a fumaça cirúrgica, mas contra outras doenças, além de trazer comodidade para eles”.

Integrantes do GeeST (da esquerda para a direita): Maria Vitória Gomes; Helenize Ferreira Lima Leachi; Renata Perfeito Ribeiro; Eduardo Vicente; e Ana Paula da Silva. (Foto: Agência UEL).

O projeto – contemplado com o “Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico”, promovido pela Fundação Araucária – está em consonância com a proposta dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), da Agenda 2030. Em seu item 8, a Agenda estabelece a necessidade de desenvolvimento para que todos os trabalhadores tenham trabalho decente e consequente crescimento econômico.

Renata Perfeito Ribeiro é Doutora pelo Programa Interunidades da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP) – Ribeirão Preto e Pós-Doutora pela Escola de Enfermagem pela mesma universidade. É membro da Red Internacional de Enfermeria en Salud Ocupacional (REDENso) e da Rede de Prevenção de Acidentes de Trabalho com Exposição a Material Biológico (REPAT – EERP).

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