Projeto avalia dificuldades de futuros professores com atividades investigativas

Projeto avalia dificuldades de futuros professores com atividades investigativas

A partir da avaliação, estudo pretende identificar insuficiências e propor melhorias para cursos de licenciatura na área da Saúde

Edson Vitoretti

Agência UEL


Em tempos de negacionismo, nada mais necessário que valorizar e disseminar ciência, principalmente nas escolas. No entanto, ensinar conceitos e fundamentos do conhecimento científico não é fácil. Elaborar uma aula que contenha atividades com práticas de investigação para alunos da Educação Básica é tarefa das mais desafiadoras, principalmente para futuros professores. Avaliar esses desafios é o que pretende o projeto “Atividades de Investigação Relativas a Temas da Saúde: um Estudo entre Licenciandos em Ciências Biológicas do Brasil e Portugal”, coordenado pela professora do Departamento de Biologia Geral da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Andréia de Freitas Zompero.

Diversos documentos normativos, como o da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), apontam para a importância de os estudantes da Educação Básica terem contato com práticas investigativas para lhes despertar o senso crítico, a formação da cidadania e o desenvolvimento de habilidades cognitivas investigativas. O Ensino por Investigação é uma abordagem que tem sido bastante utilizada para se atingir esses objetivos, pois oportuniza aos alunos a exploração ativa e a resolução de problemas.  “Nós temos que ter outras possibilidades para o ensino na área de Ciências da Natureza, que não fique restrito aos conhecimentos declarativos e de maneira somente expositiva.”, defende Andréia Zompero.

Mas como elaborar atividades investigativas? A pergunta que se coloca como condutora da investigação é desafiadora, coerente com a contextualização apresentada e com os conceitos que embasam o fenômeno a ser investigado? Obedecem a elementos investigativos que todo experimento científico precisa ter? Os experimentos são viáveis de serem praticados em sala de aula? O projeto buscará essas e outras respostas e, a partir delas, tentará apontar possíveis aprimoramentos para os cursos de licenciatura responsáveis por formar futuros professores.

A pesquisa representa a continuidade de um outra ocorrida em 2023, promovida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e realizada em cooperação científica entre a UEL, a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e a Universidade Trás-os Montes e Alto Douro (UTAD), da cidade de Vila Real (Portugal), envolvendo licenciandos de Ciências Biológicas dessas universidades. Na ocasião, o foco foi analisar os estudantes em ação quando desenvolviam práticas investigativas, ou seja, quando realizavam essas atividades nas escolas.

No projeto atual, o objetivo abrange uma etapa anterior a essa, ou seja, a elaboração, a idealização, o planejamento das atividades investigativas a serem ministradas em sala de aula. O estudo busca identificar e analisar as dificuldades e as possibilidades apresentadas pelos licenciandos ao produzirem atividades de investigação. Em síntese, o projeto irá investigar as atividades investigativas produzidas pelos futuros professores.

“Nesse projeto irão participar licenciandos da UEL e da UTAD. O foco não está mais no momento em que os alunos estão praticando as atividades investigativas nas salas de aula na Educação Básica, mas sim quando eles as elaboram. Estamos focando agora na produção desse material pelos licenciados”.

O projeto se desenvolverá a partir de um curso de formação sobre Ensino por Investigação e aplicações em sala de aula, que terá a participação de graduandos em Ciências Biológicas da UEL e da UTAD. A formação será subdividida em blocos cujas temáticas se relacionam a aspectos teóricos que sustentam a abordagem do Ensino por Investigação; apresentações de atividades de investigação aplicadas a estudantes da Educação Básica e preparação de atividades investigativas sobre temas de Saúde.

O curso ocorrerá na modalidade híbrida (presencial e online) e será ministrado por Andréia Zompero e sua orientanda de doutorado Nathaly Desirrê Andreoli Chiari para os alunos da UEL e pelos professores Paulo Jorge de Campos Favas e Isilda Teixeira Rodrigues, ambos da UTAD, para os licenciandos desta universidade. “Nós vamos fazer uma modalidade híbrida. Os dois professores de Portugal ficam com os alunos de lá presencialmente, eu e minha orientada ficamos com a híbrida aqui, online com eles”, explica a professora. Todas as atividades serão realizadas em   equipes com no máximo três licenciandos.

Andréia Zompero: “Nós temos que ter outras possibilidades para o ensino na área de Ciências da Natureza, que não fique restrito aos conhecimentos declarativos e de maneira somente expositiva.” (Foto: Agência UEL)

Ao contrário do projeto anterior, neste estudo as atividades com práticas investigativas se restringirão a temas da área da saúde. Segundo a professora, a percepção é de que as práticas investigativas podem levar o aluno a desenvolver uma melhor reflexão sobre as temáticas que envolvem a saúde. “Eu tive orientandos de mestrado que trabalharam com educação e saúde nas escolas, e percebi que as atividades realizadas para alunos da Educação Básica eram restritas a uma dimensão mais prescritiva, normativa, sem levar muito em conta a reflexão e os determinantes sociais da saúde. Percebemos que as práticas investigativas podem levar o aluno a desenvolver uma melhor reflexão sobre temáticas que envolvem a saúde”, comenta ela.

Etapas e Metodologia

A avaliação dos licenciandos será feita em duas etapas, uma qualitativa e outra quantitativa com base na estatística descritiva. Na parte qualitativa, os estudantes responderão a um questionário que identificará, entre outros aspectos, o entendimento que apresentam sobre a construção do conhecimento científico e fundamentos teóricos necessários para elaborar as atividades com práticas investigativas, as atividades e os materiais que irão produzir.  Serão utilizados instrumentos analíticos para verificar a presença ou ausência de elementos investigativos primordiais que devem estar presentes na elaboração das atividades investigativas.

Alguns deles são: apoio à investigação; problematização; hipóteses; planejamento da investigação; coleta e análise de dados de dados; conclusão e incentivo a investigações futuras. A compreensão e a adoção desses elementos investigativos durante o planejamento das atividades são muito importantes, conforme explica a professora Andréia Zompero: “No projeto anterior, percebemos que os licenciandos tinham compreensões equivocadas sobre o conhecimento científico. Agora vamos usar ferramentas que vão fazer a análise da compreensão deles sobre o que é investigação e quais são os elementos de uma investigação. Uma dessas ferramentas foi validada na pesquisa de mestrado do meu orientando Jonas Sodré”, acrescenta a professora.

Em seguida, a metodologia prevê utilizar a estatística para aferir a presença ou ausência dos elementos investigativos no planejamento das atividades e auxiliar na análise das categorias que foram elencadas a partir da técnica de análise de conteúdo. Entretanto, a etapa quantitativa dependerá dos dados qualitativos para se decidir pelo melhor tipo de análise a fim de promover a comparação dos dados entre as duas universidades.

A comparação do desempenho dos estudantes das duas universidades é relevante porque no projeto anterior foram identificadas diferenças de compreensão sobre o que são práticas investigativas, na compreensão sobre o que são práticas investigativas, bem como na condução das atividades. “No estudo anterior, percebemos uma diferença sobre o entendimento do que é uma questão investigativa, o que é um dado, o que é uma evidência científica. Nós percebemos diferença em como eles entendem esses conceitos, e isso pode interferir na maneira como eles planejam as atividades”, afirma Andréia Zompero.

A coordenadora do projeto salienta que essas comparações não são o foco do estudo, cujo objetivo principal é, a partir da compreensão de quais desafios os licenciandos apresentam para organizar a estrutura das atividades e a inserção dos elementos investigativos. Outro objetivo é prospectar informações para aprimorar os cursos de licenciatura, ou seja, melhorar o ensino direcionado no que tange à apropriação  do conhecimento científico, tanto em aspectos conceituais como procedimentais, por meio das práticas investigativas.

“O diferencial é que vamos, a partir desses resultados, pensar a formação dos licenciandos para práticas investigativas a serem inseridas nas escolas. Os documentos norteadores de ensino, como o Referencial Curricular do Paraná, orientam que o aluno na escola precisa ter o contato com essas práticas, mas nós temos que proporcionar essa formação aos futuros professores. Qual é o entendimento que o professor tem dessas práticas?  Observar e analisar a maneira como o licenciando constrói o material nos diz muito sobre o entendimento dele”, ilustra a professora.

Segundo a professora, hoje os professores, assim como os licenciandos, têm a facilidade de encontrar materiais na internet ou produzi-los por meio da inteligência artificial, mas é preciso ter conhecimento para entender e saber avaliar os produtos que essas tecnologias entregam.

O projeto, que terá dois bolsistas de iniciação científica e dois de doutorado, foi contemplado com o “Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico”, da Fundação Araucária. Está consoante com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), nos itens 3 e 4, “Saúde e Bem-Estar” e “Educação de Qualidade”.

Andréia de Freitas Zompero possui Doutorado em Ensino de Ciências e Educação Matemática pela UEL.

Publicado em

É autorizada a livre circulação dos conteúdos desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte.