Público feminino perde espaço na Ciência da Computação ao longo do tempo

Público feminino perde espaço na Ciência da Computação ao longo do tempo

Quando se pensa em um estudante ou profissional de Ciência da Computação, é comum que a primeira imagem que venha à mente seja a de um homem, seja por uma referência próxima ou pela ideia que a área é dominada pelo sexo masculino. Esse perfil, no entanto, foi formado e estabelecido dentro das últimas três […]

Quando se pensa em um estudante ou profissional de Ciência da Computação, é comum que a primeira imagem que venha à mente seja a de um homem, seja por uma referência próxima ou pela ideia que a área é dominada pelo sexo masculino. Esse perfil, no entanto, foi formado e estabelecido dentro das últimas três décadas. Antes dos anos 90, um grande número de mulheres trabalhavam nas áreas de Tecnologia da Informação (TI), inclusive na Nasa, que contava com uma equipe feminina de “computadores humanos”, responsável por fazer cálculos manuais para que as viagens espaciais acontecessem.

Se havia muitas mulheres no mercado, significava que as graduações também tinham grande presença feminina. Para a professora Jandira Guenka Palma, do Departamento de Computação (CCE), isso ocorria porque, no início, a área de programação não era classificada como TI, mas como cálculo, sendo associada ao universo feminino. Com a mudança na classificação, entre os anos 80 e 90, os cursos se tornaram mais concorridos e os homens se aproximaram mais da área. 

“A computação começou a ser associada a alguns hardwares, como computadores pessoais e videogames, e a publicidade era direcionada principalmente aos meninos”, explica a professora, que destaca que, nesse momento, o perfil do estudante e profissional de computação mudou e os homens passaram a dominar esses espaços tecnológicos. “Infelizmente, esse estereótipo acabou desestimulando muitas mulheres a se interessarem pela área, e mesmo quando se interessavam”, complementa.

Implementado em 1991, o curso de Ciência da Computação da UEL teve início após a mudança no perfil dos estudantes que se interessavam pela área, portanto, sempre contou com mais homens do que mulheres. A cada nova turma de ingressantes que chega à Universidade todos os anos, o número de meninas que entram não atinge nem um quarto das 40 vagas ofertadas. Segundo Palma, que já presenciou salas totalmente masculinas, turmas com até seis ou sete mulheres são consideradas com grande presença feminina. Atualmente, entre os 159 estudantes matriculados, apenas 23 são mulheres. 

Convivência na graduação

Em alguns casos, iniciar a graduação em um ambiente predominantemente masculino pode causar alguns receios nas mulheres, como o medo de não se encaixar. Palma explica que o primeiro ano do curso tende a ser um pouco mais complicado para as meninas, tanto pela baixa presença feminina nas salas de aula quanto pela falta de um contato prévio com elementos da área da computação. Com o passar do tempo, no entanto, elas ganham destaque no curso e essa diferenciação entre os sexos se torna inexistente. Um fator que confirma isso é que a quantidade de desistências é igual tanto para homens quanto para mulheres. 

Estudante do 2° ano de Ciência da Computação, Beatriz Caporusso confirma a avaliação da professora. Mesmo tendo iniciado um curso de lógica e programação logo após ser aprovada no vestibular, a jovem sentiu que iniciou a graduação “um pouco no escuro”, já que, antes, não tinha nenhuma noção da área. “Sinto que entrei um pouco atrás. A maioria dos meninos que entram já tem uma boa noção, às vezes, já programam mais”, conta.  Mas com a convivência diária, foi se adaptando ao curso e aos colegas e percebeu que era tão inteligente e capaz quanto os homens que estudam com ela. 

Integrando uma turma com cinco meninas, a estudante percebe que, em geral, as mulheres da classe se dedicam muito na realização dos trabalhos, o que pode ser um reflexo do fato de que, na sociedade como um todo, as mulheres sempre foram mais cobradas em relação às responsabilidades. Nos anos finais do curso, as turmas são divididas em equipes para a realização dos trabalhos. Escolhidos pelos próprios estudantes, esses grupos, normalmente, são mistos e têm mulheres atuando na liderança devido aos níveis organizacional e gerencial que demonstram no decorrer da graduação. 

Carreira

Entre as mulheres que já se formaram e foram para o mercado de trabalho, a professora Jandira Palma avalia que não há grandes dificuldades em conseguir emprego na área, sendo o principal impacto provocado pela baixa presença feminina nos cursos de graduação. “As empresas não recuam da contratação de mulheres para a área tecnológica, inclusive, elas contratam quando há. O problema é que essas mulheres quase nunca chegam no mercado porque não se formam”, explica. 

A estudante Beatriz Caporusso e os professores Vitor Campos (Coordenador do Colegiado) e Jandira Palma, do curso de Ciência da Computação

Segundo a professora, dentro das empresas, as mulheres têm um espaço semelhante ao dos homens para assumir cargos convencionais e de líderes de projeto. Já nos cargos mais elevados, a presença feminina ainda é baixa, o que pode ser associado ao baixo número de mulheres na área e, também, pela discriminação de gênero, que impede que as mulheres sejam vistas em uma posição de poder, como diretoras, alto executivas ou donas de empresas. 

Para além do mercado, as mulheres da área têm uma tendência maior em continuar os estudos após a graduação, o que faz com que o número de mulheres com carreira acadêmica seja mais proporcional à quantidade de homens no setor educacional do que no mercado. Hoje, o curso de Ciência da Computação conta com sete professoras mulheres, entre aproximadamente 20 homens. 

Futuro

Nos últimos anos, algumas empresas e entidades têm implementado iniciativas para atrair novamente as mulheres para a área de TI. De acordo com o professor Vitor Valério de Souza Campos, Coordenador do Colegiado do curso de Ciência da Computação, a própria Sociedade Brasileira de Computação já vem promovendo workshops específicos para mulheres, demonstrando uma preocupação com um tratamento mais igualitário entre os gêneros. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) também tem lançado editais e promovido ações para estimular meninas e mulheres a seguirem carreira nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação. 

Campos sugere, ainda, que outro fator que provavelmente fará com que o perfil do estudante e profissional de computação mude novamente, com mais mulheres na área, é o acesso à tecnologia que as meninas têm atualmente, que faz com que elas já cresçam com um celular, vendo jogos e, consequentemente, formem uma mentalidade tecnológica, despertando o interesse pela computação. “Esse perfil da mulher tem mudado. Não agora, mas possivelmente no futuro a gente tenha uma mudança mais consistente da mulher na computação e em outras áreas tecnológicas”, afirma.

*Estagiária de Jornalismo na COM.

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