Estudante… sentido!
Estudante… sentido!
Projeto de pesquisa relaciona projeto político-ideológico da ditadura militar e o ensino de Educação Física nas universidades.É farta na literatura de várias áreas do conhecimento, principalmente nas Ciências Humanas e Sociais, a relação entre o uso político do esporte e regimes autoritários ou autocráticos. O projeto de pesquisa “Autoritarismo e hegemonia: revisitando a Educação Física idealizada pela ditadura militar”, coordenado pelo professor do Departamento de Educação Física, Thiago Pelegrini, mostra, com análise de documentos concernentes ao período de 1964-1985, o quanto de atual há no “velho” programa da ditadura, que fincou raízes e deixou heranças na formação pedagógica dos estudantes da área. O projeto é um desdobramento da sua tese doutoral, que também desaguou num Pós-doutorado, em andamento na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília/SP sobre o mesmo tema.
A vinda do projeto autoritário da ditadura, implantado por pressões internas e externas que iam do desejo dos militares e de segmentos da sociedade civil a imposições estrangeiras, notadamente dos Estados Unidos – aliás, como defende o professor – guarda intrínseca relação com o desenvolvimento do Ensino Superior no Brasil. As graduações em todo o território nacional, explica, são resultantes de um projeto hegemônico e ideológico de construção do Ensino Superior durante a ditadura – assim como os programas de pós-graduação, que iniciaram somente no mesmo período do advento do regime.
Quem não marchar direito…
O Decreto-Lei 705/1969 foi um dos principais marcos que consolidaram a influência do esporte sobre as práticas escolares. Pelegrini explica que houve, por exemplo, a instituição da Educação Física como uma prática obrigatória para cursos de graduação e também no nível básico, instituída em todos os anos. “Há, como em outros momentos históricos e lugares, uma relação bastante estreita entre o esporte e a disciplina, a manutenção da ordem e o controle de corpos”, define o pesquisador.
Até a estrutura dos primeiros cursos de Educação Física no Brasil (técnicos, de nível médio, e não graduações), ressalta, foi pensada há 50 anos, para abarcar todos os estudantes, que deveriam, em muitos casos, fazer atividades curriculares nas quadras, pistas e piscinas. Nesse sentido, havia um grande impulso em pensar a prática da Educação Física nas escolas e universidades como prática de “rendimento”, visando formar quadros esportivos e verdadeiros talentos e orientando a atuação do professor como “treinador”. Os primeiros cursos da área no Brasil, por sinal, tinham militares no corpo docente – o que nunca foi uma exclusividade nem do Brasil, nem da ditadura brasileira.
Educação Moral e Cívica
Um ponto de convergência importante entre o ensino de Educação Física e a ditadura é sua relação com a disciplina de Educação Moral e Cívica. Implantada pelo Decreto-Lei 869/1969, a disciplina foi por muitos anos a “cara” visível da ditadura nas salas de aula por todo o Brasil, mas o que muitos não sabem é que ela foi criada para agir em consonância com as aulas de Educação Física. “Essa relação não era aleatória nem fortuita. Para a ditadura, uma completava a outra”, emendou o pesquisador. Ou seja, havia no projeto educacional da ditadura uma preocupação com a formação psíquica e física dos sujeitos em sala de aula, zelando pelos “bons costumes e pela moral cívica do sujeito, que deveria ser retilíneo e correto”, complementou o professor.
Além de sua relação com outras disciplinas, a Educação Física (e a prática esportiva) também deveria, para o regime, “sair” dos bancos escolares e ocupar outras esferas da vida do estudante. A intenção era incentivar práticas esportivas em conjunto, par e passo ao desestímulo a atividades políticas coletivas. Surgiram, então, as atléticas, e passaram a ser perseguidos os centros acadêmicos e diretórios estudantis por todo o Brasil. Novamente, os costumes e a cultura dos EUA prevaleceram. As atléticas arregimentam ainda hoje muitos estudantes, que participam de competições, ensaiam cânticos, vestem uniformes coloridos e treinam coreografias que resultam num belo espetáculo para diversão dos pares nos jogos acadêmicos. A figura da “cheerleader”, por exemplo, é uma representação categórica dessa semelhança.
Como nossos pais?
Toda a atenção (e recursos) que a Educação Física recebeu durante o período da ditadura traz, ainda, bastante saudosismo para quem atua no campo há bastante tempo. Pelegrini comenta que, com o incentivo que o projeto ideológico da ditadura dava para práticas e o ensino e pesquisa em Esporte e Saúde, não é difícil encontrar quem tenha certo saudosismo daquele momento histórico. “Não à toa foi nesse período que foram construídos os complexos esportivos de Educação Física, com piscinas grandes, quadras, pistas de atletismo para competições inclusive internacionais”, ressaltou.
Se o objetivo do projeto era “somente” estudar a História da área com perspectiva histórica, o presente tem trazido muito material para o pesquisador. O professor conta que, pelas circunstâncias, tem voltado seus estudos à prática nos dias de hoje. “É muito sintomático ver hoje em dia pessoas levantando bandeiras verdes e amarelas pela ditadura. Também é interessante notar esse saudosismo pela Educação Física de um projeto autoritário, pois ele reforça a figura do professor/treinador como um impositor autoritário na prática de ensino-aprendizagem”, avalia Pelegrini.
Agora, um dos seus principais interesses é estudar e compreender as “vozes dissonantes” nesse processo. Pois, se há muitos que concordam, há os que nadam contra a corrente. Havia muitos docentes, segundo o pesquisador, que “maquiavam” suas aulas de Educação Física ao gosto da ditadura, porém ensinavam conteúdos progressistas e com viés democrático, como uma contra-mola. “É como dizia Michel de Certeau: o poder é estratégico, enquanto ao fraco usa a tática”, finaliza.