Percursos e percalços na habilidade de leitura
Percursos e percalços na habilidade de leitura
Pesquisa interinstitucional envolve quatro estados e o DF na busca de evidências de validade de múltiplas variáveis associadas ao desempenho escolar na leitura.Está em fase de encerramento um projeto de pesquisa intitulado “Desempenho escolar no ensino fundamental: variáveis relacionadas”, coordenado pela professora Katya Luciane de Oliveira (Departamento de Psicologia e Psicanálise). O estudo, que teve início em 2016, buscou mapear e explorar as muitas variáveis envolvidas no desempenho da habilidade de leitura de estudantes do 2º ano do Ensino Fundamental em diante até o Ensino Médio.
Uma série de testes, já consolidados pelos protocolos de pesquisa, foi aplicada ao longo do período, assim como foram analisadas estatísticas de outras pesquisas e observados aspectos como a consciência metatextual, fonológica e morfológica, que aponta para o entendimento do leitor para aquilo que está lendo, além da significação básica. Implica, na verdade, em falar do repertório cultural e linguístico do aluno leitor.
A professora Katya explica que é um projeto “guarda-chuva”, ou seja, sob ele vários subprojetos podem e foram desenvolvidos. O objetivo principal era diagnosticar e estudar a habilidade de leitura, bem como as estruturas de aprendizagem, os transtornos e dificuldades que eventualmente surgem, e a ação docente no processo de ensino e aprendizagem, que às vezes requer uma intervenção.
Embora o projeto tenha previsto inicialmente uma pesquisa com 600 alunos, o número extrapolou muito. Vale lembrar que o estudo envolveu, além da UEL, pesquisadores das federais da Bahia (UFBA), de Minas Gerais (UFMG), de Brasília (UnB) e Universidade São Francisco (SP), onde Katya fez seu pós-doutorado (2014). Só na Bahia foram cerca de 800 alunos. No Paraná, mais de 2 mil.
O que as pesquisas revelaram foram realidades diferentes, mas com aspectos recorrentes em todas. “Vimos problemas estruturais escolares, e até de políticas”, aponta a professora. Um destes aspectos, segundo ela, é a própria necessidade de realizar diagnósticos mais cuidadosos nas crianças. Isso quando são feitos, porque às vezes nem acontece. O ideal, diz ela, é uma ação em rede que olhe para a criança como protagonista de seu processo de aprendizagem.
Outro problema é o diagnóstico a partir de um “pacote” definido a priori, ou seja, ao menor (e impreciso) sintoma, a criança já é rotulada de disléxica, portadora de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), TEA (Transtorno do Espectro Autista) ou outro. Novamente, um infeliz resultado de um diagnóstico apressado ou superficial.
Variáveis
Mas, afinal, quais são essas variáveis que podem comprometer o desempenho da habilidade de leitura? Entre outras, são elas: problemas de atenção, de memória, falta de habilidade de resolução de problemas, dificuldade na compreensão do texto lido ou estratégias de aprendizagem mal focadas ou ineficientes. Tais estratégias são aquelas variadas formas usadas pelos professores e pelos alunos para desenvolver a leitura, como ler em voz alta, ler grifando o texto, fazer resumos, cópias, fichamentos, exercícios de interpretação, entre muitas outras. Para compreender tudo isso, os pesquisadores aplicaram vários testes, individuais e em grupo, em sala de aula ou fora dela.
Segundo a coordenadora do projeto, os resultados mostraram que, quanto maiores as dificuldades de leitura, maiores também as dificuldades em Matemática, e piores as estratégias de aprendizado verificadas. Os problemas de leitura e matemáticos também estão diretamente associados à baixa metacognição, isto é, estudante não percebe suas dificuldades, porque não ajustou seu comportamento para monitorar ou regular seu próprio processo de aprendizagem.
Outra preocupação do projeto foi observar as convergências e discrepâncias psicoeducacionais no desenvolvimento das habilidades. Isso porque, de acordo com a professora Katya, nem sempre existe uma relação direta entre as variáveis e a aprendizagem. Quando há, dá-se a convergência; quando não, é uma discrepância. Um exemplo é a motivação, variável que pode ou não influir, e em contextos específicos.
Retorno às escolas
A professora relata que o projeto encerra com uma profícua produção científica. Foram muitos artigos dos docentes participantes, de todas as instituições. Na UEL, alunos de Iniciação Científica (graduação) e de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), todos bolsistas da Capes, produziram trabalhos. Aliás, Katya comemora a recém aprovação do doutorado em Psicologia.
Além dessa disseminação, ela se preocupa em retornar todo o conhecimento gerado para as escolas. Afinal, para ela, não são apenas espaço de coleta de dados, mas de discussão e aplicação dos resultados. “A pesquisa é para transformar e fortalecer. Investir na formação de professores e em estratégias eficientes de aprendizagem”, diz. Este retorno tem sido feito, por exemplo, durante as Semanas Pedagógicas das escolas.
Outro projeto
Contemplada com bolsa produtividade – concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) a pesquisadores de alta produção científica, tecnológica ou de inovação -, Katya já está envolvida em outro projeto de pesquisa, sobre o cyberbulling nas escolas. O estudo é desenvolvido em seis escolas do município de Pitangueiras, a 64km a Oeste de Londrina e com pouco mais de 3 mil habitantes.
Lá, a pesquisa se debruça sobre as condições socioafetivas das famílias, a convivência na escola e os medos inerentes às crianças, tudo para aquilatar o impacto do cyberbulling nas escolas públicas. Um mapeamento está sendo feito e materiais como cartilhas serão produzidos. Além das mesmas instituições parceiras do projeto das variáveis, este conta ainda com um pesquisador (professor Leandro da Silva Almeida) da Universidade do Minho (Portugal), que orienta uma doutoranda. Também há alunos de IC, mestrado e doutorado neste projeto.