Os benefícios e riscos do “rei dos dentes”
Os benefícios e riscos do “rei dos dentes”
Pesquisa identifica, avalia e prospecta usos de micro-organismos encontrados no alho roxo pós-colheita.Faz quase uma década que a professora Daniele Sartori (Departamento de Bioquímica e Biotecnologia) pesquisa micro-organismos presentes no alho roxo (Allium sativum), um condimento comum e popular na culinária brasileira. Formada em Biologia na UEL, na pós-graduação ela começou a se debruçar sobre a identificação da chamada biota do alho. Docente desde 2015, seu primeiro projeto coletou, com a colaboração de outras instituições, amostras de alho de todo o país, do Amazonas ao Rio Grande do Sul.
Conhecido por suas propriedades nutricionais e medicinais, o alho realmente é um alimento saudável em quantidades moderadas. Possui vitaminas, minerais, e é antimicrobiano, além de atuar contra o câncer. Recém colhido, apresenta compostos com base em enxofre que atuam contra o colesterol e doenças cardiovasculares.
De acordo com a professora Daniele, o consumo deste vegetal no Brasil é de 1,5kg por pessoa anualmente. O país é o 15º maior produtor, embora o cultivo esteja aumentando nos últimos anos. Os maiores produtores mundiais são a China, Espanha e Argentina, um dos países de onde o Brasil importa, além do Chile.
Internamente, os maiores produtores são Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás, e o plantio costuma ser na primavera. São duas colheitas por ano.
Em Portugal, o alho é conhecido como “rei dos dentes”, e lá existe um ditado popular que prega: “Quem quer alho cabeçudo sache-o no Entrudo”. “Entrudo” é o Carnaval, portanto para colher um alho grande é preciso “sachá-lo” (plantá-lo) nesta época, por volta de março, no início da primavera boreal.
Secagem, cura e armazenamento
Apesar de suas boas propriedades alimentares e terapêuticas, o alho pode chegar à mesa das famílias com fungos que produzem toxinas nocivas à saúde humana. Infelizmente, raramente podem ser vistas a olho nu, enquanto se compra na feira ou no mercado. Só testes laboratoriais, complexos, longos e precisos podem encontrá-las.
É o que faz o projeto atual, coordenado pela professora Daniele, em execução desde junho de 2020. Intitulado “Avaliação da microbiota do alho pós-colheita”, o projeto recebe amostras de alho de produtores locais. Antes de chegar na UEL, eles são colhidos e passam por um processo de secagem (3 a 5 dias ao sol), cura (20 a 50 dias) e armazenamento. Dali costumam ir para o mercado. O ideal, segundo a professora, seria um armazenamento refrigerado, o que nem sempre acontece. E favorece o aparecimento dos fungos indesejáveis.
A pesquisadora diz que são conhecidos mais de 500 fungos, que atacam não só o alho, mas café, milho, amendoim e outros alimentos. Alguns não produzem toxinas, e alguns são até benéficos – daí a atuação dos pesquisadores porque, no caso destes últimos, podem ser desenvolvidos e patenteados medicamentos. Um fungo do milho, por exemplo, já virou remédio.
Aqueles que produzem toxinas nocivas à saúde humana, porém, recebem a atenção dos pesquisadores. Elas têm efeito cumulativo no organismo, ou seja, não são eliminadas. Curiosamente, muitas vezes o fungo produz a toxina e desaparece, deixando o diagnóstico ainda mais difícil. Daniele exemplifica dizendo que alguém vai ao médico com uma inflamação no fígado ou no rim. Os médicos costumam tratá-las como tal mas dificilmente pensariam na causa como tais tipos de toxinas. Com isso, não são gerados dados mais acurados para estudos posteriores.
Uma dissertação de Mestrado orientada por Daniele, com a colaboração de produtores de Londrina, Arapongas e Apucarana, com alho vendido em feira e mercado, estudou uma produção que não passou pela cura e armazenamento, e não apresentou fungos logo após a colheita. Ao contrário, mostrou a presença de bactérias “do bem”, com potencial biotecnológico para a fermentação de determinados alimentos. Tudo está sendo estudado. Além disso, o armazenamento interfere positivamente no cheiro e sabor do alho. Tendo mais água, ele fica mais mole.
De outro lado, alguns fungos, explica a professora, produzem ácido cítrico, usado por exemplo em balas. Não, o gosto de laranja da bala provavelmente não vem de uma laranja. Outros produzem enzimas que podem ser usadas na limpeza (saneantes).
Pesquisas e patentes
Os estudos continuam e alguns devem se transformar em patentes. Uma delas está bem próxima, via Aintec/UEL, anuncia a professora Daniele. É fruto de uma pesquisa de Doutorado em Biotecnologia. Além disso, já foram defendidas três dissertações na área e há uma em andamento. Também um Doutorado em andamento, dois trabalhos de Iniciação Científica concluídos e um em execução, e números iguais de Iniciação Científica Júnior.
Tem ainda a participação numa rede de pesquisadores preocupados não apenas com a ampliação do conhecimento, mas com a formação profissional e de pesquisa, ligada a um NAPI (Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação). Todos os estudantes participantes (11, graduandos e pós-graduandos) são bolsistas da Capes, CNPq ou Fundação Araucária. Tudo isso já gerou publicações, participações em eventos científicos (inclusive com trabalhos em destaque) e palestras. A pesquisadora lembra que a UEL dispõe de um acervo à disposição de pesquisadores, internos ou externos. O projeto, aliás, procura colaboradores externos.
Por fim, a coordenadora destaca a recente aprovação em um edital da SETI (Secretaria Estadual da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior) dentro do Programa AGEUNI (Agências para o Desenvolvimento Regional Sustentável e Inovação do Paraná). Serão desenvolvidos estudos a partir do extrato de alho para análise de micro-organismos e nematoides, de interesse agronômico. Participarão os professores André Martinez (Bioquímica) e Leandro Simões (Agronomia).