“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. O excerto é parte da “Terceira carta pedagógica”, escrita por Paulo Freire, e coloca em perspectiva a importância atribuída pelo filósofo à educação na manutenção da sociedade, muito além das salas de aula.

As contribuições de Freire no ensino são extensas. Não à toa, foi nomeado o Patrono da Educação Brasileira e, até hoje, 27 anos após sua morte, integra parte fundamental da matriz curricular dos cursos de pedagogia Brasil afora. Foi pensando em dar continuidade à discussão sobre o processo didático a partir da ótica Freiriana que o professor Gilmar Aparecido Altran (Departamento de Educação) deu início, em 2021, ao Projeto de Pesquisa em Ensino “Filosofia e educação: debate educacional contemporâneo no Brasil e as contribuições do pensamento de Paulo Freire”.

Como docente da disciplina de Filosofia e Educação no Brasil, Altran via a necessidade de constituir um espaço para discussão que, por questões relacionadas a tempo e espaço, a disciplina não supria. Com isso, teve a ideia de propor uma série de projetos de pesquisa e extensão que tratassem de autores brasileiros e sua intersecção com a Filosofia. Neste sentido, entre os anos de 2014 e 2018, fundou três projetos, os quais, junto ao grupo de estudos de 2021, buscavam incorporar o vasto referencial teórico deixado por Freire e outros autores à Educação no Brasil.

Apesar do mencionado projeto ter iniciado em um período turbulento, isto é, no retorno das atividades presenciais no pós-pandemia, colheu bons frutos em seus três anos de execução. Contando com seis estudantes, inclusive uma bolsista, o grupo de estudos foi responsável pela apresentação de dois trabalhos em eventos e inspirou a pesquisa em outros dois trabalhos de conclusão de curso (TCC).
Em face do recente encerramento do projeto – que ocorreu em abril de 2024 – o Notícia ouviu o professor Gilmar Altran sobre as contribuições de Paulo Freire para o processo educativo e o desenvolvimento e trajetória do grupo de estudos.

Notícia – Paulo Freire é considerado um dos pensadores mais notáveis da Pedagogia. Ainda assim, sua obra já não é mais tão recente. Por que o pensamento do autor continua relevante a ponto de ser objeto de estudo?

Em 2021, o mundo celebrou o centenário do nascimento de Paulo Freire. Ele nos deixou em 1997. Pesquisar e ensinar sobre o pensamento freiriano consiste em destacar e analisar a vigência e a vitalidade do seu pensamento. Ao visitar as experiências formativas pautadas em seu ideário educacional, mesmo sendo uma produção intelectual do século XX, percebe-se que seu legado vem sendo recriado por povos de múltiplas geografias, em diferentes momentos e contextos históricos.
É possível e desejável construir uma práxis educativa na qual as escolas tenham voz e autonomia como respostas aos desafios atuais, experienciados pelas nossas gerações.

Notícia – Em 2020, a matriz curricular do curso de Pedagogia recebeu alterações que diminuíram a carga horária das disciplinas de Filosofia. O grupo de estudo ainda existiria caso essas alterações não tivessem sido feitas?

A proposição dos projetos foi pensada não como substituição da disciplina em si, mas como vigência do pensamento de Freire e, com isso, garantir que as discussões tenham continuidade. A disciplina curricular tem uma proposta, um objetivo e o projeto, articulado com a formação inicial, buscou complementar e ampliar os temas suscitados.

Ressalto que as alterações realizadas na matriz curricular buscaram redimensionar os conteúdos em função das exigências legais. Dessa forma, independente de alterações, a proposição de projetos nessa temática certamente ocorreria.

Notícia – Em que etapa o debate educacional se encontra atualmente?

Um dos grandes desafios que se põe está na necessidade de aprofundar, com rigorosidade metódica, os estudos e as pesquisas sobre o pensamento de Freire, buscando argumentos e evidências que permitam a correção de equívocos, por vezes presentes em políticas e práticas que se dizem freirianas e a retomada da práxis educativa de modo que, sem medo de ousar, seja possível buscar a adesão das pessoas, em um processo de formação permanente e, no coletivo, mudar a realidade concreta. Esperançar é o verbo a ser conjugado. É dessa forma, também, que a Academia pode cumprir a sua responsabilidade com a sociedade como uma efetiva ação dialógica em relação ao debate educacional atual.

Notícia- Expandir a discussão sobre educação através de Paulo Freire parece ser um passo essencial para os discentes de Pedagogia da UEL, no entanto é algo que também pode ser proveitoso para o restante da comunidade. Além desses estudantes, o projeto também contava com outros docentes, pós-graduandos e colaboradores externos?

Por se tratar de um Projeto de Pesquisa em Ensino, foi proposto o Grupo de estudos com estudantes do Curso de Pedagogia. Um grupo menor, com o objetivo de não criar correspondência com uma sala de aula, na sua concepção tradicional. Uma aproximação com os Círculos de Cultura, idealizados por Freire, na década de 60. Oportuno destacar que tal condição foi proposta para estudantes do Curso de Pedagogia por ser professor do curso. Notadamente, em outros momentos, poderá ser ampliado, com a proposição de outros projetos. Exemplos ocorreram no projeto de extensão “Grupo estudos com professores atuantes na Educação de Jovens e Adultos (EJA) das escolas públicas de Londrina” (2015 a 2018). Contou com a participação de estudantes da graduação e pós, além de realizar eventos com docentes da Educação Básica de Londrina e região.

Notícia – A UEL é sem dúvidas um espaço educacional. É possível aplicar as discussões do projeto no processo de ensino dentro da própria Universidade?

O pensamento de Paulo Freire segue sendo uma matriz importante para a reflexão dos problemas educacionais e a proposição de políticas que possam ser assumidas diante do compromisso com a educação democrática, defendida por todos e todas que proclamam o direito e o dever de mudar na direção de um projeto social fundado na ética do ser humano e, em princípios de justiça social, solidariedade e por consequência, na inclusão das pessoas.

Entendo que tais pressupostos possam constar das pautas universitárias em seus projetos e diretrizes. Por outro lado, ao suscitar e trabalhar os temas freirianos, na formação inicial, pode ainda, colaborar que essas bases sejam disseminadas nos espaços de atuação das pessoas egressas dos nossos, bem como na formação continuada que a Universidade realiza.

*Estagiário de Jornalismo na COM/UEL.