Estudo identifica perfis recorrentes envolvidos em casos de cyberbullying

Estudo identifica perfis recorrentes envolvidos em casos de cyberbullying

Lei federal assinada no início desta semana insere bullying e cyberbullying no Código Penal. Projeto identificou que 50% dos participantes de pesquisa já foram vítimas.

O enfrentamento aos crimes de bullying e cyberbullying vem se mostrando mais um grande desafio na rotina de educadores e profissionais que atuam com a promoção do bem-estar psicológico nos contextos escolar e universitário, principalmente desde que ferramentas de geração de imagens e vídeos falsos – deep fakes – se tornaram mais populares. Para tentar inibir agressores, foi sancionada, no início desta semana, a lei que inclui os delitos no Código Penal e transforma crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como sequestro e indução à automutilação, entre outros, em hediondos.

Em meio a um roteiro perverso e cujo desfecho pode ser trágico para as vítimas, a identificação dos papéis desempenhados por cada personagem da vida real nestes casos, assim como a criação de uma escala de avaliação psicométrica do fenômeno do cyberbullying, são estratégias que almejam reduzir os efeitos negativos, criando maior grau de consciência sobre o tema em toda a comunidade. É o que defende um estudo que vem sendo elaborado há dois anos por uma docente do Departamento de Psicologia e Psicanálise da UEL (CCB) e que já ouviu cerca de 2,5 mil estudantes universitários de Instituições de Ensino Superior (IES) públicas e do Ensino Médio dos estados do Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Bahia.

Os participantes são estudantes de cursos de graduação de todas as áreas do conhecimento que tinham entre 18 e 23 anos em 2021, quando da coleta dos dados. Eles foram ouvidos por meio de formulários online e também pessoalmente quanto a uma série de itens embasados na literatura científica internacional. O objetivo foi desenvolver uma escala de cyberbullying adaptada à língua portuguesa e à realidade brasileira. Por isso, o projeto contou com o trabalho de linguísticas para a validação sintática e semântica da estrutura das frases contidas.

“Construímos os itens baseados na literatura científica, que geralmente é norte-americana, inglesa e chinesa – os chineses têm produzido sobre isso também. Então criamos itens, perguntas na escala, e avaliamos com juízes e profissionais que têm expertise na área. O instrumento é capaz de aferir os perfis que encontramos neste fenômeno: a vítima, agressor e os observadores”, explica a coordenadora do trabalho, Katya Luciane de Oliveira.

Intitulado “Propriedades Psicométricas de uma Escala de Cyberbullying”, o estudo identificou que cerca de 50% dos participantes já estiveram em algum momento no papel de vítimas de ataques virtuais. Por se tratar de um fenômeno que geralmente ocorre na esfera pública, presencial ou virtualmente, resta a quem não se identificou como agressor ou vítima apenas o papel de observador, destaca a professora.

Estudo vai além das questões envolvendo vítima e agressor/es: observadores e pessoas “passivas” também entram na conta (Freepik).

Quem é quem no bullying/cyberbullying?

Neste grupo de observadores, ou espectadores dos casos de violência cibernética, três comportamentos recorrentes foram apontados. Os espectadores que relataram apenas terem visualizado conteúdos ofensivos são os chamados observadores passivos. Há, também, os que perpetuam as mensagens ou imagens, “tirando sarro e fazendo comentários ruins”, explica. Estes são os chamados observadores ativos. “E há um observador ativo que age de forma positiva, aquele que tenta romper com o ciclo de violência avisando a vítima ou denunciando à comunidade”, completa. 

Outro perfil descrito pela professora é o perfil “retaliador”, papel desempenhado por pessoas que geralmente foram vítimas de bullying fora do contexto virtual e que mais tarde viram-se motivadas a cometer o ato, que desde o início desta semana foi tipificado como um crime ainda mais grave, após sanção do presidente Lula à Lei 14.811/2024.

Estudando o fenômeno há mais de cinco anos, a professora avalia o endurecimento das penas representa avanços em direção à criminalização dos agressores. No entanto, a complexidade do fenômeno exige ações também em outras frentes. 

“A escala consegue fazer esse mapeamento. É importante podermos identificar quem é a vítima, mas, também, quem é o agressor. Não somente pelo sentido punitivo, mas pelo princípio restaurador, do que é a urbanidade e civilidade. Atacar o outro na sua existência, falando sobre seu corpo, sexualidade, habilidades, rebaixando, é inaceitável. É importante a identificação também para que as instituições de ensino possam fazer um trabalho de orientação”, ressalta.  

É buscando reforçar o papel da Universidade Estadual de Londrina como vetor do desenvolvimento social que diversas oficinas e atividades formativas já foram promovidas junto a escolas da rede estadual do Paraná, contando com a presença da professora Katya. Para ela, “é desmascarando esse cenário violento que conseguiremos capilarizar a saúde mental dos estudantes”, diz. 

Estudos 

No Departamento de Psicologia e Psicanálise da UEL, o olhar sobre o fenômeno é incentivado desde o início da pesquisa, na Iniciação Científica (IC) no curso de Psicologia. Somente em 2023, por exemplo, a professora orientou três graduandos interessados em produzirem artigos sobre cyberbullying e sua relação com o uso e o abuso de substâncias psicoativas, além da relação com o desempenho acadêmico na universidade e no ensino médio. Os três temas foram objeto de pesquisa dos graduandos Maria Julia Boletti, Suellen Ferreira de Assis e João Victor Candido, respectivamente.  

Na pós-graduação, o cyberbullying é tema recorrente também no Programa de Pós-graduação em Educação (PPEdu). Um exemplo interessante, ressalta a docente, é a dissertação de mestrado defendida no ano passado “Cyberbullying direcionado ao Público Feminino em Jogos Competitivos”, de Carolina Tiemi Ytiyama. Contando com uma bolsa de mestrado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ytiyama se dedicou a analisar ataques sofridos por jogadoras que eram destaque em “palcos” digitais com o “Valorant“, jogo competitivo de tiro tático desenvolvido pela empresa Riot Games. Nestes casos, destaca a professora, deixa-se de lado pelos agressores os aspectos relacionados ao jogo ou às habilidades das competidoras, entrando em cena falas de cunho sexista e misógino. 

“Quer dizer, está tão naturalizado que muitas pessoas acham normal, que é algo banal. E não é. Você não pode atacar o outro e achar que está tudo bem. As relações não podem ser construídas desta forma”, decreta.

Na Educação, o tema foi abordado anteriormente em 2019 pela pedagoga Andrea Carvalho Belluce, autora da tese de doutorado “Estudantes e as Tecnologias digitais: relações entre estratégias de aprendizagem, motivação e cyberbullyng“. Já em 2022, a psicóloga Gabrielly Manesco da Silva Felipe defendeu dissertação de mestrado intitulada “Relações entre o cyberbullying, suporte familiar e a depressão no ensino fundamental II”. Ambas contaram com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a orientação da professora Katya Luciane de Oliveira. 

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