Projeto visa investigar moléculas que podem indicar suscetibilidade e prognóstico do câncer de bexiga
Projeto visa investigar moléculas que podem indicar suscetibilidade e prognóstico do câncer de bexiga
A identificação de biomarcadores pode contribuir para a redução dos custos com o tratamento da doença e os efeitos nocivos aos pacientesPor ser uma doença com alto índice de recidivas, o câncer de bexiga é um dos mais custosos para o Sistema Único de Saúde. O custo pode chegar na casa de centenas de milhares de reais por paciente. Por isso, descobrir meios pelos quais se identifique fatores de risco envolvidos no aparecimento da doença ou que indiquem pacientes com maior tendência a recidivas, pode não só diminuir os gastos na área, mas também trazer maior qualidade aos enfermos. Esses são os principais objetivos do projeto “Estudos de Associação de Biomarcadores com Suscetibilidade e Prognóstico no Câncer de Bexiga”, coordenado pela professora do Departamento de Biologia Geral da UEL, Juliana Mara Serpeloni.
Todos os cânceres possuem uma causa em comum: mutações gênicas nos cromossomos que provocam uma reprodução celular descontrolada e desordenada, resultando em danos significativos às células sadias. Portanto, buscar moléculas que caracterizem o quadro patológico e indiquem aspectos de sua evolução é fundamental para compreender o diagnóstico e o prognóstico. Esses marcadores podem ainda embasar o tratamento com maior precisão, apontando, por exemplo, se o paciente possui tendência para recidivas – reaparecimento da doença após uma regressão ou uma potencial cura – ou se essas recorrências serão mais agressivas. Esses indicadores têm nome: biomarcadores.
Os biomarcadores são moléculas biológicas encontradas no sangue, urina ou outros fluidos e tecidos corporais, que podem indicar uma condição biológica específica ou uma doença. Eles podem ser proteínas (como anticorpos, receptores de membranas, entre outros), lipídeos, microRNAs etc. Qualquer uma dessas moléculas biológicas pode ser biomarcadora, desde que sua concentração ou atividade esteja alterada e relacionada com a doença. Trata-se de um parâmetro mensurável que permite predizer, por exemplo, uma maior suscetibilidade (chance de desenvolver a doença) a um câncer ou prognóstico (como esse câncer irá evoluir). Variações gênicas – tais como uma base a mais ou a menos na cadeia de DNA, uma base substituída, entre outras – podem modular a expressão do gene e resultar em uma proteína mais ou menos expressa, funcional ou não.
Algumas das características de biomarcadores ideais são: serem acessíveis por métodos não invasivos (como coleta de sangue ou urina); só aparecerem quando o indivíduo tiver a doença; serem sensíveis a mudanças, como progressão da doença e resposta a terapias. Um exemplo de biomarcador é o gene BRCA1, que, quando mutado, aumenta em até 85% o risco de uma mulher desenvolver o câncer de mama. O projeto coordenado pela professora Juliana – que está em sua fase inicial e foi recentemente contemplado com o “Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico”, promovido pela Fundação Araucária – pretende justamente mapear e identificar possíveis biomarcadores envolvidos na suscetibilidade e no prognóstico do câncer de bexiga.
Para isso, o estudo não parte do zero, pois utilizará informações, dados e descobertas de projeto anterior conduzido no Laboratório de Mutagênese e Oncogenética (LAMON) da UEL. O laboratório possui parcerias importantes, que avaliam os mesmos marcadores no câncer de mama, em parceria com a professora Carolina Panis da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Os projetos contam com a contribuição das doutorandas Isabely Mayara da Silva e Beatriz Geovana Leite Vacario. Estudo do laboratório publicado recentemente mostrou que, no câncer de bexiga, o gene CYP3A4, quando mutado, aumenta a suscetibilidade ao câncer. “No projeto, vimos que indivíduos com alelos mutados, tinham mais chances de ter câncer de bexiga e, quando esses indivíduos eram expostos a agrotóxicos, esse risco era ainda maior”, comenta a doutoranda Isabely Silva.
No câncer de mama, também foi observada uma forte interação com a exposição a agrotóxicos e o gene UGT2B7, avaliado durante o mestrado da aluna Beatriz Vacario. “A ideia é que, de agora em diante, possamos explorar esses genes de outras formas para tentar comprovar que eles estão realmente relacionados a fisiopatologias desses cânceres e à exposição a agrotóxicos”, afirma Juliana Serpeloni. O projeto, portanto, vai se debruçar em validar não só esses genes, mas também outros possíveis candidatos relacionados ao câncer de bexiga. Pretende-se utilizar técnicas mais robustas e precisas, como sequenciamento de DNA e biópsia líquida. “Vamos usar essas técnicas mais aprimoradas para melhor explorar o papel que esses genes têm no aparecimento ou prognóstico do câncer de bexiga”, complementa a professora.
Além de avaliar as mutações como candidatos a biomarcadores, o projeto também avaliará o tamanho do telômeros, presentes nas extremidades de todos os cromossomos.
Segundo a coordenadora do projeto, o telômero é uma sequência de repetições de um pedaço de DNA com seis nucleotídeos que se repetem de dezenas a centenas de vezes, e no PCR em Tempo Real, pode-se calcular quantas repetições o indivíduo tem, por meio de gráficos gerados em computador. “Nós fazemos a análise e observamos, por exemplo, que os indivíduos que têm menos repetições, que têm telômeros curtos, podem ter tumor que invade o músculo da bexiga, tumores que tendem a ser mais agressivos; ou que indivíduos que têm o telômero mais longo podem ter maior propensão para desenvolverem o câncer”, ilustra Juliana Serpeloni.
No processo de divisão celular (atividade básica e primordial do fenômeno do câncer), o tamanho dos telômeros se altera. Daí a oportunidade de, ao observar essas alterações, associá-las ao câncer. As mutações nos genes relacionados à integridade telomérica também podem influenciar seu tamanho, conforme explica a professora Juliana: “Os telômeros são regiões de DNA nas pontas dos cromossomos, e o tamanho dessas regiões interfere na instabilidade telomérica e genômica, o que pode favorecer o aparecimento do câncer ou de um tumor de pior prognóstico”.

aparelho que identifica biomarcadores através de gráficos (Foto: Agência UEL)
A medição dos telômeros, assim como a maior parte dos estudos do projeto, será realizada com um aparelho chamado “PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) em Tempo Real”, uma técnica que permite a amplificação e a detecção de uma região específica de DNA e a produção de muitas cópias desse trecho da molécula, o que possibilita análises quantitativas com um elevado grau de precisão.
O projeto conta com a parceria do Hospital do Câncer de Londrina, de onde já foram coletadas amostras de 400 pacientes diagnosticados com câncer de bexiga. Segundo a professora Juliana, essa população a ser analisada é diferenciada, já que na região norte do Paraná há um contingente considerável de pessoas expostas a agrotóxicos devido à economia da região ter sido voltada à produção agrícola em décadas anteriores. Esse grupo de amostras será classificado em relação ao prognóstico, em pacientes que recidivaram ou não, em pacientes que têm tumor invasivo ou não, em pacientes com tumores de alto ou de baixo grau. Tumores de baixo grau têm menos chances de serem agressivos, mas têm maior chance de recidivas. Por outro lado, tumores de alto grau estão associados a um pior prognóstico.
Uma vez identificados e validados, os biomarcadores poderão contribuir para a redução dos custos do tratamento da doença. Isso porque, na avaliação de cada paciente, a ausência do biomarcador pode recomendar um tratamento mais leve, mais esparsado no tempo, evitando gastos desnecessários. “Um tratamento para câncer de bexiga, por paciente, pode chegar a até 300 mil reais no Sistema Único de Saúde. Então, se nós conseguirmos identificar num indivíduo um marcador que diga ‘não, esse indivíduo não tem chance ou tem uma probabilidade pequena de recidivar’, podemos sugerir que, ao invés de acompanhá-lo a cada seis meses, podemos acompanhá-lo a cada ano. E isso diminuiria os custos para o SUS”, exemplifica a professora.
Ainda segundo Juliana Serpeloni, a identificação de um perfil de marcadores que apontassem uma maior ou menor probabilidade do paciente desenvolver resistência a um certo quimioterápico, evitaria não só gastos de recursos com um tratamento ineficiente, como também sofrimentos dispensáveis ao paciente por conta dos efeitos adversos desta terapia. Além disso, resultados que mostrem uma associação entre as altas taxas de câncer de bexiga ou tumores de pior prognóstico a fatores como a exposição a agrotóxicos, podem direcionar ações de conscientização para evitar essa exposição. “Quando a gente consegue identificar que naquela população em que os indivíduos estão mais expostos está ocorrendo mais câncer, nós podemos nos voltar para essa população e orientá-la melhor”, comenta a professora.

Juliana Mara Serpeloni é doutora em Ciências com ênfase em Toxicologia pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP) e pós-doutora em Genética pela Universidade Estadual Paulista de Araraquara e pela UEL. Possui experiência na área de genética com ênfase em mutagênese e oncogenética, principalmente na investigação de mecanismos de ação envolvidos nos processos de citotoxicidade, genotoxicidade, mutagenicidade e efeitos protetores em ensaios in vitro. Participa do NAPI Genômica (Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação em Genômica), é membro da Associação Brasileira de Mutagênese e Genômica Ambiental (MutaGen-Brasil) e é coordenadora do LAMON.