Estudo pretende mapear substâncias de frutos da Mata Atlântica

Estudo pretende mapear substâncias de frutos da Mata Atlântica

Projeto pode contribuir para a criação de produtos que auxiliem no combate ao diabetes e ao envelhecimento cutâneo precoce

O Brasil enfrenta o desafio de agregar valor a seus produtos e subprodutos, reduzindo o desperdício e aumentando a competitividade no mercado global. Essa realidade também se insere na produção de frutas, setor no qual o país é um dos líderes mundiais. Agregar valor passa necessariamente por desenvolvimento científico e tecnológico, desafio para o qual o projeto “Potencial Bioativo de Frutos Nativos: uma Abordagem Metabolômica Aplicada ao Desenvolvimento de Cosméticos e Fármacos” visa contribuir.

Considerando que apenas 10% das espécies vegetais conhecidas têm estudos fitoquímicos e farmacológicos registrados e que no Brasil a produção científica na área é escassa, um projeto que pretende mapear o perfil metabólico de frutos nativos brasileiros de forma detalhada e eficiente pode gerar, não só valor agregado, mas outras soluções econômicas e sustentáveis. 

Conduzido pela professora do Departamento de Química da UEL Maria Luiza Zeraik, o estudo intenciona também reduzir o desperdício e o impacto produzido pelos resíduos industriais (como os da indústria de sucos, polpas congeladas etc.) gerados no setor frutífero, na medida que prevê utilizar cascas e sementes – partes da fruta geralmente descartadas e que podem corresponder de 50 a 70% do peso do fruto – como fontes para a o desenvolvimento de fármacos e cosméticos.

Todos os frutos selecionados para este estudo pertencem ao bioma Mata Atlântica. Entre eles, destacam-se o cambuci, a uvaia e o araçá, os quais apresentam compostos bioativos com potencial para servir de base ao desenvolvimento de futuros produtos com atividades antioxidantes, antienvelhecimento e antiglicantes. Estes compostos combatem a glicação, processo que ocorre quando há uma elevada concentração de açúcar no sangue, o qual se liga a moléculas de proteínas, de lipídeos e de DNA. Esse processo pode levar meses e chegar a um estágio avançado, caracterizado por reações e modificações oxidativas que resultam nos AGEs (Advanced Glycated End-Products – Produtos Avançados de Glicação). Além de potencializarem os efeitos patológicos do diabetes, os AGEs também estão relacionados ao envelhecimento cutâneo precoce.

Uvaia, cambuci e araçá

Para avaliar o potencial farmacológico e cosmético de cada um dos frutos a serem estudados, o projeto utilizará a metabolômica, que consiste no mapeamento completo de todos os compostos químicos de baixa massa molecular (metabólitos secundários, como flavonoides, carotenoides, alcaloides etc.) presentes nos frutos. “Nós fazemos um fingerprint, como se fosse uma impressão digital, um panorama geral de todos os metabólitos presentes no fruto”, explica Maria Zeraik.

A metabolômica tem a vantagem de ser mais rápida, pois não é preciso isolar as substâncias para depois identificá-las, o que pode ser um processo lento. Segundo Maria Zeraik, nesta técnica, o extrato da substância é analisado de forma direta, em uma única etapa, sem a necessidade de passar por processos de isolamentos, que normalmente envolvem diversos procedimentos. “Então, o que demoraria horas e até dias, nós conseguimos fazer em minutos”, complementa a professora.

Um aspecto inovador do projeto será a combinação de triagens químicas e biológicas por meio da cromatografia líquida de ultra eficiência acoplada à espectrometria de massas (UHPLC-MS/MS), aliada a bioensaios antiglicantes e antioxidantes, para identificar compostos bioativos dos extratos. A UHPLC realiza a separação rápida dos metabólitos com base em suas propriedades físico-químicas, enquanto a espectrometria de massas analisa os íons gerados pela relação massa/carga (m/z), comparando-os a bibliotecas de referência para auxiliar na identificação das substâncias.

Por meio dessas bibliotecas, realiza-se o processo de desreplicação, que consiste em reconhecer rapidamente compostos já conhecidos diretamente no extrato, comparando seus dados espectrais com padrões disponíveis em bases de referência. “Desreplicar é identificar os compostos sem a necessidade de isolá-los, sem replicar, evitando a redescoberta de moléculas já descritas. A comparação dos perfis obtidos com as bibliotecas que existem online permite verificar de imediato se o composto já foi reportado, poupando tempo e recursos”, afirma Maria Zeraik. Dessa forma, a desreplicação acelera o mapeamento químico dos extratos de frutos, reduz significativamente os custos e aumenta a eficiência das análises.

Professora Maria Zeraik: “Nós fazemos um fingerprint, como se fosse uma impressão digital, um panorama geral de tudo o que tem no fruto” (Foto: Agência UEL)

Atrativo para investimentos

A aceleração dos procedimentos e a consequente redução dos custos proporcionados pela combinação das técnicas químicas e biológicas faz do projeto um modelo atrativo para o investimento de empresas relacionadas ao setor dos cosméticos e fármacos. Tanto é que este projeto é continuação de um outro que já contava com a parceria de uma empresa multinacional alemã, a Symrise, e que agora renova seu interesse no estudo dos frutos nativos tendo por objetivo a criação de produtos derivados da biodiversidade brasileira com alto valor agregado, visando a fabricação e a comercialização em larga escala.

Como o estudo vai focar na análise metabolômica das cascas e sementes dos frutos, partes normalmente descartadas nos processos de produção, ele contribuirá para a economia circular, na medida que agrega valor a esses resíduos tornando-os fontes de princípios ativos utilizáveis pelas indústrias farmacêutica e de cosméticos. O projeto, que conta com bolsistas de Iniciação Científica, de Mestrado e de Doutorado, foi contemplado pela segunda vez consecutiva no Programa Bolsas de Produtividade em Pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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