Projeto usa medicina de precisão e inteligência artificial para combater artrite reumatoide

Projeto usa medicina de precisão e inteligência artificial para combater artrite reumatoide

Personalização na abordagem ao paciente pode ajudar no diagnóstico e prognóstico e reduzir os altos custos com o tratamento da doença

A artrite reumatoide atinge cerca de 2 milhões de pessoas no Brasil e os custos do tratamento podem chegar a até 15 mil reais mensais. Outro desafio da doença é que aproximadamente um terço dos pacientes não respondem aos remédios mais eficazes. Essas questões podem ter soluções através de um enfoque mais personalizado no tratamento dos pacientes com uso de técnicas de biologia molecular e ferramentas de inteligência artificial. É o que propõe o projeto “Medicina de Precisão na Determinação de Preditores de Prognóstico e Resposta Terapêutica a Inibidores de TNF em Pacientes com Artrite Reumatoide: um Olhar nos Receptores do Inflamassoma”, estudo coordenado pela professora do Departamento de Patologia, Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Andréa Name Colado Simão.

Assim como em toda doença autoimune, na artrite reumatoide ocorre um ataque equivocado e desordenado de anticorpos a células sadias, que nessa doença tem como consequência inflamação intensa e descontrolada em tecidos de articulações. O vilão da história chama-se inflamassoma, que é um aglomerado de proteínas que se unem em resposta à ação de antígenos ou até mesmo à uma inflamação já instalada, produzindo substâncias que vão potencializar o processo inflamatório já existente. Normalmente o inflamassoma tem um papel benéfico, ajudando as células a responderem a uma enfermidade, entretanto, sua ativação repetida e descontrolada desempenha um papel crítico no desenvolvimento das doenças autoimunes.

Duas proteínas são fundamentais na formação do inflamassoma: NLRP1 e NLRP3. Conhecidas como receptores do inflamassoma, são geradas por genes que levam o mesmo nome, NLRP1 e NLRP3. O estudo conduzido por Andréa Name pretende verificar se alterações nesses genes podem impactar em uma maior ou menor intensificação do processo inflamatório e associar essas variações a respostas a tratamentos e a medicações. “Vamos estudar se pessoas com alterações nesses genes teriam mais propensão a ter a artrite reumatoide, a desenvolver a doença de forma mais agressiva ou se responderiam melhor ou pior a determinado tratamento”, explica a professora.

Para fazer essas associações é preciso validar esses genes como biomarcadores, que são indicadores de causa e efeito, logo, ajudam o médico a indicar qual o melhor remédio ou tratamento indicado para cada paciente.

Atualmente não existe no SUS protocolo de atendimento que contemple biomarcadores genéticos para artrite reumatoide, o que causa desperdício de tempo e dinheiro em sucessivos testes aleatórios de medicações e tratamentos não adequados para uma doença cujos custos são extremamente elevados.

“Você submete uma pessoa a um tratamento caro, causando várias reações adversas, e ainda assim muitas pessoas não respondem ao tratamento. O objetivo do projeto é, usando a inteligência artificial, identificar um painel de biomarcadores genéticos e clínicos que pudesse favorecer o diagnóstico, o prognóstico, a evolução da doença e confirmar se aquele tratamento vai dar certo ou não para aquela determinada pessoa”, explica Andréa Name. Em síntese, se o estudo comprovar que alterações nesses genes têm a ver com uma maior ou menor intensificação no processo inflamatório, consegue-se um biomarcador para ser associado a aspectos da doença, como suscetibilidade, prognóstico e respostas a tratamentos e medicações.

A medicação mais eficaz atualmente na artrite reumatoide é o inibidor de TNF (fator de necrose tumoral). O problema é que cerca de 30% dos pacientes não respondem a esse medicamento. O estudo tentará indicar se essa falha terapêutica ocorre devido a alterações em algum dos genes NLRP1 e NLRP3 que estariam intensificando o processo inflamatório. “É esse o enfoque: eu tenho dois genes que estão relacionados à inflamação. Sabemos que esses genes podem ter algumas alterações que fazem com que a produção da proteína que vai ativar a inflamação seja maior ou menor. A inflamação produz duas citocinas, que também são inflamatórias. Qualquer coisa que interfira nesse processo todo, incluindo a parte genética, que possa fazer com que se produza mais ou menos citocinas inflamatórias, pode impactar diretamente na doença”, afirma a coordenadora do projeto.

Andréa Name sobre os desafios da artrite reumatoide: “Você submete uma pessoa a um tratamento caro, causando várias reações adversas, e ainda assim muitas pessoas não respondem ao tratamento”. (Foto: Agência UEL)
Personalização para combater a doença

A validação desses genes como biomarcadores é possível através da medicina de precisão, que é uma customização do tratamento de um paciente, identificando suas características únicas, como a combinação de sua genética, seus histórico clínico e estilo de vida. No entanto, a aplicação da medicina de precisão para o diagnóstico e tratamento de pacientes reumatológicos ainda esbarra na escassez de evidências científicas, daí a importância do projeto em buscar essas comprovações.

“Medicina de precisão é um termo utilizado na área médica de alguns anos para cá para falar de um tratamento personalizado de acordo com a genética e determinadas características clínicas e ambientais do paciente. É adequar o tratamento do paciente de acordo com as suas características genéticas e a realidade em que ele vive”, explica Andréa Name, e complementa: “Para fazer a predição de doenças, nós temos utilizado a inteligência artificial, porque ela trabalha com muitos dados. Utilizamos inúmeros dados obtidos da avaliação clínica, perfil genético e marcadores da doença, por exemplo, se é fumante, a idade, o sexo, a raça, e combinamos essas informações em algoritmos tentando prever a evolução da doença”, ilustra a professora.

Para a execução desses testes, serão selecionados 200 pacientes com artrite reumatoide de ambos os sexos, com idade entre 18 e 70 anos, atendidos no período de maio de 2024 a dezembro de 2025 pelo Ambulatório de Reumatologia do Hospital Universitário de Londrina (HU). Os grupos serão categorizados por sexo, idade e etnia e, posteriormente à inclusão dos pacientes, será realizada uma busca nos prontuários eletrônicos para a identificação daqueles em uso ou com histórico de uso de inibidores de TNF. Então os pacientes serão subdivididos de acordo com a resposta terapêutica em bons respondedores, resposta moderada e não respondedores, seguindo os critérios preconizados pela Liga Europeia Contra o Reumatismo (EULAR).

Inicialmente, será feita uma comparação desse grupo de 200 pacientes com um outro grupo que não possui a doença para verificar a frequência de genes relacionados à artrite reumatoide. “Vamos analisar aspectos como se a frequência dos genes investigados é diferente nos pacientes que têm a doença mais agressiva, ou naqueles que têm mais erosão óssea, ou ainda nos que doença evolui mais gravemente”, afirma a pesquisadora.

Segundo Andrea, além da contribuição que poderá dar para a evolução dos conhecimentos e tratamentos relativos à artrite reumatoide e a consequente redução dos seus custos, o projeto também será importante para os estudantes da UEL. “A importância desse projeto é que a UEL está na vanguarda do conhecimento e que conseguimos com projetos assim empregarmos o conceito medicina de precisão e inteligência artificial no aprendizado dos nossos acadêmicos, utilizando o que há de mais atual para pacientes atendidos pelo ambulatório de Reumatologia do HU. Assim, contribuímos para a formação de profissionais de excelência, que dominem essas tecnologias e saibam produzir e aplicar ciência na prática clínica”, comenta Andréa Name.

Com este projeto, a professora Andréa Name foi contemplada no “Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico” e também no Edital de “Programa Institucional de Pesquisa Universal (Básica e Aplicada)”, ambos promovidos pela Fundação Araucária, e contará com a parceria do Instituto de Pesquisa para o Câncer (IPEC). O estudo está inserido no Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação – NAPI Genômica do Paraná, que tem o objetivo de promover a formação de recursos humanos especializados em análise genômica e medicina de precisão, composto por mais de 14 instituições e 150 pesquisadores parceiros.

Andréa Name Colado Simão possui Doutorado em Medicina e Ciências da Saúde pela UEL e é diretora do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da universidade.

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