“A crise é uma forma de governo”

“A crise é uma forma de governo”

Na UEL, Vladimir Safatle contextualizou quais são as "crises conexas" que atravessam o País presentes no seu mais livro, "Alfabeto das Colisões".

Convidado do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UEL (PPGCom) para uma aula inaugural nesta terça (9) à noite, o filósofo chileno e docente da USP Vladimir Safatle teve um encontro com professores da instituição no Centro de Vivência dos Docentes, na manhã desta quarta-feira. Lá, ele falou da crítica à sociedade contemporânea, de política, da esquerda, entre outros pontos. Depois de proferir uma conferência, conversou informalmente com professores, autografou alguns livros e concedeu uma entrevista, na qual desenvolveu algumas ideias e conceitos apresentados.

Por exemplo: a aula inaugural teve como título “Reconstruir a crítica para um mundo de crises terminais”. Mas… que crises são estas? Como se caracterizam e como se chegou a este ponto? O professor Vladimir explica que estas crises hoje são conexas, ou seja, são ao mesmo tempo políticas, sociais, ambientais, psíquicas, econômicas, enfim, de todos os tipos e simultâneas. Existem de tal forma estabilizadas na sociedade, inclusive por conta do esgotamento do pensamento liberal, que se tornaram “normalizadas”.

Em outras palavras, a crise já se tornou parte da vida, da sociedade e dos governos, que administram com ela, o que acaba legitimando medidas que não a combatem, muito menos a solucionam. “A sociedade passou a pensar de outra forma, vendo-se numa espécie de sobrevivência contínua, em que não há mais horizonte nem futuro. Por isso só se fala em restaurar, preservar, e sustentabilidade”, expõe Safatle. E completa: “A ideia de futuro agora é da extrema direita”. Um dos efeitos disso é o aumento da violência, de um lado, e de outro a “ilusão de autonomia individual”, que despreza, por exemplo, o impacto ambiental, e só aprofunda este aspecto da crise.

“Alfabeto das Colisões”, lançado pelo professor Vladimir Safatle (Divulgação).

Linguagem

Para elaborar uma melhor crítica da sociedade atual, Vladimir Safatle defende a necessidade de observar alguns eixos fundamentais. Um deles é a linguagem, na medida em que – ele argumenta – ela tem sido usada como instrumento de poder mediante ao movimento de criar um discurso único. Por isso, diz ele, existe um esforço de estabelecer só uma forma, um padrão, uma só estrutura narrativa. “Só um modo de sentir e de perceber o mundo”, acrescenta. E enquanto defende a emancipação de outras linguagens, “multiplicar as gramáticas sociais possíveis” e gerar novos modelos de estruturas de saber, o que o filósofo vê é o embotamento do pensamento reduzindo a capacidade de pensar e enfrentar problemas.

Bem ao contrário, o professor afirma, existe uma tensão que força o silenciamento de outros saberes, classificando-os como exóticos, dignos apenas de curiosidade. Um dos instrumentos deste silenciamento atua também em outras esferas: as dicotomias. Um exemplo é a naturalização da dicotomia homem/Natureza, que é enganadora. Outro exemplo do professor refere-se à ideia de tempo: passado/presente, ou passado/futuro. O passado é desvalorizado ou negado, o presente exaltado, e o futuro… é futuro.

Professor Vladimir Safatle. Crises, hoje, são “conexas” e interligam questões ambientais, políticas e sociais diversas (Foto: Folha de S.Paulo).

Há muitos tipos de silenciamento em circulação, observa Safatle. Um outro tipo, muito forte na avaliação do professor, é aquele que pode ser sintetizado assim: “Eu ouço o que você tem a dizer, desde que você fale na minha língua”. Sob este “axioma” subjazem relações de poder e tensões bem além da Linguística.

Conceitos

Além de proferir a aula inaugural, na terça, o professor Vladimir Safatle fez o lançamento do seu mais novo livro, “Alfabeto das Colisões: filosofia prática em modo crônico” (Editora Ubu, 2024). Ele disse que a ideia de “colisões” (em vários campos) está associada ao colapso da esquerda que, assim como a crise, também já faz parte do governo. Com isso, ela se desconecta da possibilidade de resolução dos problemas sociais. Além disso, não pode haver avanço sem igualdade e soberania popular, dois conceitos enfraquecidos por todo este contexto atual. Vladimir Safatle fala mesmo em “desabamento” ao descrever o colapso. O resultado, entre outros, e o aprofundamento da crítica no tempo, o que se liga à ideia de “filosofia prática em modo crônico”.

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