Práticas de bateria e de jogos virtuais de tiro embasam pesquisas em Comportamento Motor

Práticas de bateria e de jogos virtuais de tiro embasam pesquisas em Comportamento Motor

Além do objetivo comum, as pesquisas querem desvendar variáveis importantes para a compreensão dos sistemas individuais e se estes sistemas são adaptáveis ou não, avançando sobre subáreas de pesquisa da grande área de Comportamento motor.

Os estudantes do último ano do curso de Educação Física (Bacharelado) da UEL Bárbara Miola Galvão de Oliveira e Thales Kouki Ishikawa adotaram uma estratégia muito eficaz para tornar o desenvolvimento do temido Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) um processo mais interessante e prazeroso. Ela toca bateria há cinco anos. Ele gosta de jogar jogos virtuais de tiros em primeira pessoa. A partir do gosto pessoal, a dupla decidiu dar continuidade aos seus projetos de Iniciação Científica (IC) e avaliar parâmetros do comportamento motor de indivíduos que realizam estas atividades a fim de compreender se as práticas podem trazer benefícios à coordenação entre o cérebro, os nervos e os músculos, melhorando características relacionadas ao processamento de informações sensoriais, percepção e a capacidade de reação a imprevistos, dentre outras.

As duas pesquisas são orientadas pela professora Juliana Bayeux Dascal (Departamento de Educação Física) e surgiram no Gesiecom (Grupo de Estudos e Pesquisas Sobre Infância, Envelhecimento e Comportamento Motor), grupo cadastrado ao CNPq, certificado pela UEL e na área da Sociedade Brasileira de Comportamento Motor.  

Além do objetivo comum de investigar os possíveis benefícios ao tempo de reação, as pesquisas querem desvendar variáveis importantes para a compreensão dos sistemas individuais e se estes sistemas são adaptáveis ou não, avançando sobre subáreas de pesquisa da grande área de Comportamento motor, que são Aprendizagem, Controle e Desenvolvimento Motor.

Parte do Grupo de Estudos e Pesquisas Sobre Infância, Envelhecimento e Comportamento Motor: Bárbara Miola Galvão, Gabriel Rodrigues, Bruno Barbosa Amstalden, Thales Kouki Ishikawa e a professora Juliana Bayeux Dascal. (Foto: Agência UEL).

Os estudos ainda têm como ponto de partida uma perspectiva consolidada sobre a prática de exercícios físicos como vetor de aperfeiçoamento da coordenação motora, tempo de reação, timing, velocidade e precisão dos movimentos. Justamente por esse motivo, as pesquisas tentaram chegar o mais próximo possível de compreender qual é o papel das duas atividades de lazer na obtenção de benefícios à saúde, o que também é alvo do interesse dos pesquisadores e profissionais da Educação Física.

Pesquisas

Para tal, Bárbara e Thales aplicaram testes e um questionário em quase 40 participantes que possuíam entre 18 e 40 anos. Este grupo foi formado por bateristas com no mínimo cinco anos de prática, jogadores de jogos de tiros em primeira pessoa (First Person Shooter, da sigla FPS) e adultos que não praticavam as duas atividades (grupo controle). “São projetos a serem continuados porque os dados são muitos legais para pensarmos, construirmos, trocarmos ideias com pesquisadores que já fizeram esse tipo de pesquisa. Os dois estudos trazem algo de inovador. Não é tão fácil achar literatura com essa temática”, informa a professora Juliana Dascal, coordenadora do grupo e pesquisadora em comportamento motor e controle postural.  

Como resultados, a estudante Bárbara Miola Galvão de Oliveira destaca que não foi possível concluir que a prática da bateria isoladamente pode estar aliada à redução do tempo de reação. Ela considera que essa análise demandaria estudos com um grupo maior e mais diverso de participantes, visto que localizou um número muito pequeno de mulheres bateristas. “O nosso resultado do tempo de reação não deu diferença estatística (entre os grupos). Achamos que seja porque o grupo controle eram indivíduos em sua maioria ativos, com repertório motor muito grande, uma parte inclusive professores aqui do CEFE”, estima.    

No entanto, um ponto importante do estudo foi entender também aspectos da relação da sincronização dos movimentos e do controle do tempo. Esta é uma função básica exigida para a prática do instrumento percussivo, que se desenvolve desde as primeiras aulas por meio do uso do metrônomo, equipamento que, aliado à escuta musical, visa ajudar no desenvolvimento da consciência rítmica. Neste sentido, o estudo cumpriu a sua missão de produzir dados interessantes que irão colaborar com novas pesquisas em Comportamento Motor. 

“Conseguimos separar entre antecipar ao estímulo ou atrasar, e isso por meio de um processamento do sinal obtido. Isso fizemos com a mão dominante, com as duas e sem o estímulo, ou seja, o próprio participante do estudo estabelece um ritmo desejado para verificar a variabilidade do desempenho. Então, todas essas variáveis são muito importantes para a área de Comportamento Motor para entendermos como é o sistema do indivíduo e se o sistema é adaptável de acordo com a prática que ele faz”, explica a professora.

Ao participarem dos testes com um teclado e um fone de ouvido over-ear AKG K72, com maior isolamento acústico, a fim de minimizar possíveis interferências externas, simulando o tapping de uma bateria e softwares com funções específicas para avaliação do timing, os bateristas apresentaram uma estratégia própria para a condução rítmica em comparação com o grupo controle, destaca a pesquisadora Bárbara de Oliveira. “Com os bateristas do nosso estudo o que aconteceu foi que nos andamentos mais lentos, a 60 e 100 BPM, eles tendiam a esperar o estímulo e batiam depois, e esse comportamento só mudava no andamento que era mais rápido, que era 140 BPM. Enquanto isso, o outro grupo mantinha a mesma coisa”, conta a estudante, que pretende continuar os estudos na pós-graduação. 

Baterista pioneira no mundo do jazz e das big bands, Viola Smith (1912-2020) viveu até os 107 anos. (Foto: Reprodução).

Jogos de tiros

No caso do estudante Thales Kouki Ishikawa, as baquetas dão lugar aos consoles dos jogos virtuais e o que se mantém constante é a complexidade do desafio de compreender se a prática é capaz de trazer benefícios à saúde. A entrada do estudante nas salas de jogos, tais como os famosos Valorant e Counter Strike (CS), ocorreu “tarde”, diz ele, aos 20 anos. Já no campo da pesquisa, o início de tudo ocorreu em setembro do ano passado, enquanto estudante de Iniciação Científica (IC), quando ficou interessado em investigar aspectos positivos dos jogos virtuais de tiros. 

Agora, na reta final da graduação, Thales decidiu testar a hipótese realizando um mapeamento da cinemática dos movimentos dos participantes enquanto realizavam uma tarefa motora com princípios se assemelham a “troca de tiros” nos jogos virtuais e também uma tarefa de Tempo de Reação. Para isso, usou marcadores e gravou os movimentos a partir de vários ângulos.

Criada em 1999, Counter-Strike (CS) é uma série de jogos eletrônicos multijogador de tiro em primeira pessoa, no qual times batalham entre si. (Foto: reprodução Youtube).

Em seguida, realizou análises tendo como base conceitual a Tarefa de Fitts (Lei de Fitts), descoberta do psicólogo estadunidense Paul Fitts que deu origem a um modelo preditivo. Este modelo relaciona distância, tamanho dos alvos e o tempo necessário para acertá-los. Seu trabalho, publicado em 1954, estabeleceu um índice de dificuldade (ID) calculado a partir da largura e da distância entre os alvos, apontando uma relação inversa entre velocidade e precisão.  

“A ideia era fazer os dois grupos realizarem a tarefa para compararmos o desempenho e, para isso, usamos também uma análise cinemática para ver o movimento em si. Então usamos marcadores com as câmeras e vemos se a pessoa está fazendo rápido, mas está errando muito. Ou se está fazendo muito devagar e está acertando, mas então está ‘entregando’ a velocidade pela previsão”, explica o estudante.

Esses dados da cinemática dos movimentos ainda estão sendo analisados, enquanto os relacionados ao tempo de reação demonstraram que não houve diferença de desempenho entre os grupos, mas sim entre as condições, reforçando os pressupostos de outra lei do controle motor, a Lei de Hick. Descoberta em 1952, a Lei de Hick estabelece que quanto maior o número de pares de estímulo-resposta, maior tempo será necessário para responder ao estímulo.

Tais achados são importantes como conhecimento científico na área e podem auxiliar o profissional de Educação Física durante sua atuação, tanto no que se refere a organização e planejamento de suas aulas, apropriando-se desse conceito para propiciar ao aprendiz atividades com diferentes estímulos visuais e/ou sonoros, mas também aumentando a dificuldade da tarefa, estimulando o aprendiz a lidar com as demandas dinâmicas do ambiente.

“Para a pesquisa em si, entender que a prática de jogos virtuais, tão criticada se jogada em excesso (realidade realmente perigosa), se praticada em quantidades adequadas (essa medida também foi realizada na pesquisa), e associada a prática de atividades físicas, poderá beneficiar aspectos motores do jogador”, conclui a professora.   

(*Assessor Especial na Coordenadoria de Comunicação Social).

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