Reforma Tributária: “exceções” podem trazer mais problemas do que soluções, alerta especialista

Reforma Tributária: “exceções” podem trazer mais problemas do que soluções, alerta especialista

Para Sidnei Nascimento, professor de Economia da UEL, exceções à cobrança da alíquota cheia no novo modelo de tributação é chave na discussão.

O receio de que as exceções previstas no texto da Reforma Tributária (PEC 45/2019) deem origem a uma série de problemas jurídicos, deixando de gerar os efeitos esperados, é um sentimento compartilhado por alguns especialistas em finanças públicas, dentre eles, o docente do Departamento de Ciências Econômicas da UEL Sidnei Pereira do Nascimento. Para ele, as exceções à cobrança da alíquota cheia no novo modelo de tributação podem trazer mais problemas do que soluções, de modo que uma reforma “limpa” seria uma estratégia mais interessante para o momento.

“Se permitir exceções, que sejam mínimas”, defendeu Nascimento na manhã desta terça-feira (8), dia em que o Ministério da Fazenda entregou ao relator da reforma no senado, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), um estudo sobre o impacto das exceções já previstas no texto-base aprovado pela Câmara dos Deputados no início de julho. O texto já passou pela Câmara e segue para aprovação do Senado Federal.

“Não sou especialista na área tributária, mas temo que possa gerar problemas judiciais no futuro porque, como que você trata iguais de formas diferentes? Você vai poder isentar o cirurgião plástico ou não? Mas, o ginecologista pode. Mas, tem necessidades do cirurgião plástico que são tão grandes ou maiores do que do ginecologista”, exemplifica o professor. 

Em linhas gerais, a reforma prevê simplificar a arrecadação de tributos por meio da substituição de cinco impostos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) por um único, o chamado Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), cuja alíquota é o grande objeto de discussão no momento. Integrantes da equipe econômica do Governo Federal defendem que a alíquota-padrão do IVA seja de 25%, o que manteria o peso da tributação sobre o consumo girando em torno de 12% a 13% do Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, esta é a grande discussão acerca do tema, movimentando as equipes do governo, o setor privado e o mercado financeiro. A definição é responsabilidade do Senado.

Um dos principais objetivos da reforma tributária é evitar a bitributação, ou seja, que um mesmo produto seja tributado mais de uma vez ao longo da sua cadeia produtiva, reduzindo os custos e gerando, por outro lado, eficiência para as empresas. No entanto, ainda há uma “guerra de forças”, destaca o professor, de modo que os setores da economia mais bem representados no Poder Legislativo acabam tendo suas demandas atendidas.

É em meio a estes embates que estão as exceções presentes no texto aprovado, responsáveis, ainda, por pressionar a alíquota-padrão do IVA para a casa dos 27%, aponta uma projeção conservadora presente em nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), enviada ao Senado. “Em economia temos aquela máxima de que ‘não tem almoço grátis’. Se alguém deixar de recolher aqui será necessário compensar ali”, lembra.

“Se deixarmos de recolher em um lugar, vamos ter que recolher em outro. Em economia, não há ‘almoço grátis'”, diz o professor Sidnei Nascimento (André Ridão/Agência UEL).

Exceções 

Sidnei explica que as exceções foram divididas em três grupos. O primeiro envolve serviços que pagarão 40% sobre a alíquota cheia, como os de educação e saúde; dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência, medicamentos e produtos para cuidados à saúde menstrual; serviços de transporte coletivo; produtos agropecuários, produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais; e bens e serviços relacionados à segurança e soberania nacional e segurança cibernética.

O segundo grupo é o de setores que contarão com regimes diferenciados, cujas regras ainda precisarão ser definidas por leis complementares. São eles: combustíveis e lubrificantes; serviços financeiros e planos de saúde; operações contratadas pela administração pública; hotéis, parques temáticos, bares e aviação regional. Também estão incluídos os produtos prejudiciais à saúde, como cigarros, e ao meio ambiente. “Nós precisamos reduzir a carga tributária de hotéis e resorts”, lamenta o docente.

Há, ainda, um terceiro grupo formado pelos alimentos que compõem a cesta básica, exportações e investimentos, que é o denominado grupo da alíquota zero.

Para Sidnei Pereira, essa medida é um prato cheio para artimanhas e dribles contra o sistema tributário, como a estratégia de uma famosa empresa de chocolates e doces de alterar a composição do seu tradicional produto para pagar menos impostos. “Eu sou mais favorável a uma forma de você transferir algum recurso a quem não tem condições de comprar alimentos do que isentar o tributo de pessoas que têm e compram caviar. Temos produtos que são mascarados para pagar menos impostos. O bombom é altamente tributado, mas o wafer (bolacha recheada), não. Isso é um desequilíbrio do sistema e o sistema já é todo desequilibrado”, destaca.

Outro aspecto lamentável, na opinião do professor, foi uma brecha inserida no “apagar das luzes” para a possibilidade de criação por parte dos estados de um imposto sobre investimentos, o que para ele vai contra a proposta de simplificação e unificação tributária. “Eu espero profundamente que o Senado não permita isso. Criaram uma condição para que os estados pudessem criar um imposto para investimentos. Já é uma situação diferente. Se você quer simplificar o sistema, mas deixar uma perna para trás para que um ou outro estado comece a tributar outras situações para poder arrecadar mais, você começa a abrir a porteira e ver a boiada passar”, compara.

Cashback

Uma das propostas defendidas pelo Governo Federal é, ainda, a de adoção de um modelo de cashback, ou seja, de devolução de parte dos encargos cobrados em energia elétrica e gás de cozinha à população mais pobre, buscando diminuir a desigualdade de renda. No entanto, a promoção da justiça tributária é outra promessa que fica prejudicada com o atual estado das coisas. “Acho que vai melhorar, mas gerar justiça fiscal, ainda não, porque os grupos de pressão são grandes”, lamentou o docente.

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