Especialistas consolidam excelência científica do CONBRAMENE
Especialistas consolidam excelência científica do CONBRAMENE
O evento é um dos mais importantes do país e reuniu centenas de pesquisadores da área de saúdeTerminou na sexta-feira (16) o X Congresso Brasileiro de Metabolismo, Nutrição e Exercício (CONBRAMENE). O evento, um dos mais importantes do país, reuniu centenas de pesquisadores da área de saúde, com foco em estudos sobre prática de exercícios físicos e esportes, nutrição, envelhecimento, obesidade e qualidade de vida. Foram quase 100 atividades, entre painéis, conferências, mesas-redondas e comunicações.
O Congresso é uma realização do Grupo de Estudo e Pesquisa em Metabolismo, Nutrição e Exercício (GEPEMENE) da UEL, Programa de Pós-graduação Associado em Educação Física UEM-UEL (PEF), com apoio do CNPq, Capes e Fundação Araucária.
Alto rendimento
Entre os 12 módulos temáticos da programação geral do evento, dois trouxeram especialistas diretamente ligados à prática esportiva de alto rendimento: Daniel Soares Gonçalves, Coordenador Científico de Saúde e Performance, e Mirtes Stancanelli, nutricionista, ambos da Sociedade Esportiva Palmeiras.
Daniel, ministrante do módulo intitulado “Modelagem Sistêmica Aplicada ao Futebol”, veio com uma sólida trajetória de fisiologista, preparador físico e treinador, e longa experiência com o futebol. Atuou 11 anos no Vasco da Gama e desde 2020 está no Palmeiras. A ideia de “modelagem sistêmica” passa por uma abordagem interdisciplinar, mas na busca de ser transdisciplinar, ou seja, numa condição em que uma área “invade” a outra em busca de melhores resultados, o que para ele é quase utópico. “O futebol é complexo e dinâmico, cheio de interatividade, por isso é preciso pensar de forma holística e sistêmica”, comenta.
Tal atuação, assim, requer a busca pelo aproveitamento de espaços, jogadas e estratégias, dentro de um cenário aleatório, caótico e imprevisível que são os jogos de futebol. Uma “caixinha de surpresas”, no dito popular. É aí que entra, de acordo com Daniel, o amparo conceitual e antropológico, através do qual ações colegiadas e integradas podem maximizar o rendimento dos atletas.
São muitos os aspectos envolvidos, desde a existência de lideranças adequadas associadas a um senso de hierarquia no time, até o próprio processo do jogo em si. A modelagem sistêmica contribui como modelo metodológico que soma técnica à saúde para chegar ao melhor desempenho.
A experiência interdisciplinar de Daniel inclui ainda o tempo em que foi da Marinha. Lá, conceitos como disciplina e hierarquia eram muito bem estabelecidos. Não à toa ele coleciona títulos e premiações, como campeão mundial militar de futebol feminino (2009, 2010 e 2011), pelo International Military Sports Council, na Comissão Técnica.
Tais conceitos são aplicados por ele até hoje, mas Daniel reconhece alguma dificuldade no futebol, particularmente nas gerações mais novas de jogadores, em que alguns não reconhecem uma autoridade e são muito suscetíveis às críticas, especialmente de redes sociais. “O futebol é caótico mas não é anárquico”, aponta, ao se referir à importância da hierarquia.
Outro desafio, segundo ele, está na aplicação de conhecimentos de Bioquímica e Neurociência. “Esta pode ajudar, por exemplo, no processo de tomada de decisões do jogador em campo, que tem que pensar rápido”, ilustra. E ainda, a presença da Inteligência Artificial. “Os caminhos ainda estão a serem descobertos. Mas a tendência é que o futebol se torne mais rápido, de muitas formas”, pondera.

A Nutrição está no futuro
Especialista em Nutrição no Futebol (Espanha), Mirtes Stancanelli também é premiada nacionalmente na categoria Nutrição Esportiva, e veio falar justamente disso: a aplicação da Nutrição no Esporte. Para ela, a Ciência da Nutrição avança a um bom ritmo. Porém, quando se trata desta aplicação, esbarra na falta de entendimento dos gestores. “A Nutrição está no futuro, mas os gestores ainda estão com a mentalidade no passado”, sentencia.
Em outras palavras, eles não dão a devida importância à contribuição da área na performance dos atletas, não valorizam o profissional e sua contribuição no rendimento, na recuperação, enfim na saúde dos atletas. “Existe um arcaísmo, não se vê o valor agregado. Há um hiato, um fosso entre a Ciência e eles”, lamenta.
Assim, o primeiro desafio, para ela, é levar os gestores a entenderem o retorno positivo do investimento. Depois, por exemplo, inserir nos clubes profissionais e técnicas como a avaliação molecular – testes que podem prognosticar doenças ou indicar predisposições genéticas.
No Palmeiras, o trabalho de Mirtes é tão amplo quanto qualitativo. De início, os atletas passam por uma avaliação do estado nutricional, que determina sua condição de saúde e sugere uma individualização no plano alimentar. Ou, nas palavras da nutricionista, a avaliação “minera” a condição de cada um.
Vale lembrar que um time como o Palmeiras pode abrigar, ao mesmo tempo, jogadores de todos os cantos do país e outros países, próximos ou bem distantes, ou seja, de culturas muito diversas. Mirtes trabalha com tudo isso. Às vezes é mais fácil: “todo mundo gosta de batata frita”, ela observa. Mas ela fala de um goleiro que não tinha o hábito de comer saladas, e o obstáculo foi resolvido com brócolis cozidas. “Temos um argentino e ele precisa ficar bem hidratado. Ele toma chimarrão”, exemplifica. Assim, os padrões de infância e familiares são levados em conta, respeitados e inseridos no cardápio. Outro caso foi de um colombiano que trouxe o hábito de comer farofa de banana da terra. Só que lá a banana era frita, e aí foi preciso adaptar.
Fica fácil imaginar que tamanha diversidade gera uma riqueza gastronômica ímpar. Não é à toa que Mirtes revela que em seus mais de 30 anos de experiência na área reuniu um acervo de 790 pratos diferentes. É virtualmente impossível não agradar a todos, ao mesmo tempo em que os atletas têm a privilegiada chance de experimentar pratos novos e ampliar seu gosto culinário. Em termos populares, pode-se dizer tranquilamente que os atletas “passam bem”. Como ela mesmo diz, não existe dieta; existe cardápio.

Melhor idade?
Em duas décadas do evento, estiveram presentes em todas as 10 edições somente três pesquisadores/palestrantes, homenageados na cerimônia de abertura, no dia 13. Foram eles os professores Roberto Carlos Burini (Faculdade de Medicina da UNESP/Botucatu), Paulo Sérgio Chagas Gomes (UERJ) e Sebastião Gobbi (UNESP/Rio Claro).
Com experiência em atividade física para pacientes com doenças de Alzheimer ou de Parkinson, o professor Gobbi veio falar de envelhecimento e concedeu entrevista ao Notícia.
Notícia – O Sr. tem uma trajetória na pesquisa sobre o envelhecimento. Considerando tudo o que se descobriu nos últimos anos, ou décadas, é possível afirmar que um envelhecimento “saudável” (o que seria isso?) é sobretudo uma questão de hábitos?
Gobbi – A expressão envelhecimento saudável pode ser entendida como uma idealização. Contudo, ele é identificado pela OMS como um proceder durante a vida, “como um processo contínuo de otimização da habilidade funcional e de oportunidades para manter e melhorar a saúde física e mental, promovendo independência e qualidade de vida ao longo da vida”. O envelhecimento saudável é multifatorial e parte de seus determinantes pode ser alcançada por mudança/manutenção de hábitos favoráveis, como dieta adequada, prática de exercícios, evitar tabagismo ou consumo excessivo de álcool, atividade intelectual, manutenção de relacionamento sociais.
Contudo, há fatores do envelhecimento saudável que extrapolam os hábitos, a exemplo, de acesso a serviços de saúde e cuidados a longo prazo, acesso à moradia adequada, transporte público e segurança, estabilidade financeira, acesso a oportunidades, ambiente seguro e acessível, eliminação de barreiras físicas e sociais. Assim, para um proceder em direção ao envelhecimento saudável é necessária a implementação de políticas públicas, desenvolvimento de ambientes amigáveis para as pessoas idosas, alinhamento dos sistemas de saúde com necessidades dos idosos, prestação de cuidados a longo prazo e incentivo à pesquisa sobre o envelhecimento.
Minha opinião pessoal é que tais fatores apresentam impactos semelhantes no envelhecimento saudável, o qual deveria primar primeiramente sobre a melhor capacidade funcional possível, no sentido de independência e autonomia do idoso.
Notícia – Com o aumento da expectativa de vida, as doenças crônicas têm ganhado evidência e desafiado os pesquisadores, sem falar nos idosos. Como está a relação doenças crônicas x capacidades funcionais?
Gobbi – A longevidade não é sinônimo de qualidade de vida. O que se observa é que a manutenção da capacidade funcional é o principal indicador de envelhecimento bem-sucedido. Assim, a ideia de envelhecimento saudável só se sustenta quando o idoso apresenta níveis adequados de aptidão relacionada à saúde, o que é altamente dependente de um estilo de vida ativo ao longo da trajetória da vida.
Conquanto a maioria dos idosos tenha pelo menos uma doença crônica, podem levar uma vida normal com as suas enfermidades controladas e manifestar satisfação na vida. Um idoso com doença crônica pode ser considerado um idoso saudável quando comparado com outro com a mesma doença, porém sem controle e com incapacidades associadas. Assim o bem-estar pode ser atingido independentemente da presença de doenças. Um idoso com autonomia, com capacidade de determinar e executar seus objetivos, gerenciar sua vida e quais, onde e quando, serão suas atividades no sentido amplo pode ter um envelhecimento saudável, não importando se tenha ou não doença crônica. O que de mais importante conta é a manutenção da autonomia e a sua integração social.
O inadequado controle das doenças crônicas pode desencadear uma cascata de eventos que culmina com dependência e redução da autonomia, no qual poderá ser necessário assistência para realização das atividades de vida diária. Assim a capacidade funcional entendida como o estado que contempla a realização de atividades da vida diária com eficácia, segurança e sem cansaço excessivo, passa a ser um paradigma de saúde e o envelhecimento saudável passa a ser resultante da interação entre saúde física, saúde mental, independência na vida diária, integração social, suporte familiar e independência econômica.
Notícia – Acima dos 60 é mesmo a “melhor idade”? Sem querer fazer um exercício de futurologia, é possível predizer como será o idoso de manhã, que hoje, por exemplo, tem 15 anos? Há diferença significativa entre as últimas gerações (Z, millenials, etc.)?
Gobbi – Na maior parte das vezes o termo melhor idade tem um sentido de marketing. Para alguns idosos, apesar das perdas em decorrência de mudanças biológicas deletérias, pode representar ganhos em termos de aposentadoria, tempo livre, maturidade emocional e menor preocupação financeira. Contudo, muitos outros não têm boa qualidade de vida e convivem com perdas representadas por limitações funcionais, doenças, solidão e dificuldades financeiras. A inserção em um ou outro grupo depende de fatores como saúde, rede de apoio e contexto social.
No meu entender, o termo melhor idade é usado muitas vezes na tentativa de mascarar as mudanças deletérias biológicas que naturalmente acompanham o envelhecimento e fatores associados. Seria mais uma idealização. Acredito que a melhor idade seja aquela em que nos encontramos, inerentes a ganhos e perdas próprios de cada faixa etária.
A pergunta seguinte é bastante instigante no sentido de previsão de como será o idoso de amanhã. Com certeza o jovem de hoje tenderá a ser, no amanhã, um idoso bastante diferente de hoje, pois o contexto histórico-social da geração Z é bem diferente daquele das gerações dos baby-boomers e influencia comportamentos, costumes e valores no transcorrer do tempo.
Restringindo-me a fatores relacionados com saúde, mesmo com risco de imprecisão, pois há possibilidade de mudança de comportamentos em relação à previsão do futuro, irei me posicionar com base nos resultados do Vigitel (2023) e fazendo um exercício na busca de conectar as faixas etárias nele mencionadas com aquelas descritas para várias gerações. Também neste contexto, para maior coerência com os dados do Vigitel, vou utilizar o exemplo de um jovem de 18 anos, cuja idade também se encontra inserida na Geração Z, igualmente com a idade de 15 anos.
Permanecendo similares os valores constantes da tabela, um jovem de 18 anos hoje tenderia a ser um idoso com menor hábito de tabagismo, maior comportamento sedentário (três ou mais horas na frente de celulares, tablets e computadores), menos obeso (índice de massa corporal menor que 30 kg/m2), alimentação menos saudável pela diminuição do consumo de hortaliças e frutas, mais ativo fisicamente e com maior consumo de bebida alcoólica.
Conquanto alguns fatores citados sejam favoráveis a uma melhor saúde, outros são desfavoráveis. Parece que o balanço deles é favorável a uma melhor saúde física. Em relação à condição física funcional, como tenderá a ser mais ativo fisicamente, também seria melhor. Tudo mediado por um maior acesso a informações. Algumas pesquisas têm mostrados que as gerações mais novas (notadamente os Millennials e a Z), são mais fisicamente ativas que as mais velhas e isto pode ser um importante fator favorável a uma melhor saúde e condição físicas.
O idoso de amanhã pode viver mais e ter mais acesso a recursos, mas também enfrentará riscos novos — como impactos do estilo de vida digital, maior exposição a estresse mental e menor sociabilidade presencial. Contudo, é importante mencionar que todos, independente de gerações, devem buscar ser fisicamente ativos.
