Lei Maria da Penha: Sigilo de nome de vítima não traz ganhos, avalia docente

Lei Maria da Penha: Sigilo de nome de vítima não traz ganhos, avalia docente

Para Silvana Mariano (CLCH), alteração na Lei Maria da Penha, promulgada na última terça (21) e que retira nome de vítimas de processos, vem na "contramão" de lutas femininas.

Na última terça-feira (21), foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a lei nº 14.857, que garante o sigilo do nome das vítimas em processos judiciais relativos a crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. A nova legislação, proposta pelo senador Fabiano Contarato, modifica a Lei Maria da Penha com o objetivo de preservar a integridade da vítima, mas garantindo transparência quanto aos dados do agressor.

O segredo de Justiça, que anteriormente dependia da decisão do juiz, agora se torna imediato. Mesmo mirando na preservação da privacidade e segurança da mulher, a nova proposta vai na contramão do que muitos movimentos humanitários vêm lutando. É o que Silvana Mariano, professora do Departamento de Ciências Sociais (CLCH), avalia sobre as mudanças. 

“A justificativa do autor que propôs o projeto de lei era ‘evitar revitimização’. Eu não vejo que dar visibilidade a esses casos seja uma forma de revitimização”, explica a docente. “Nos casos de feminicídio, a invisibilidade já pode ser uma forma de revitimização pois ela vem combinada com uma forma de objetificação e de ocultação. De início, não vejo ganhos com a proposição desta lei”.

Professora Silvana Mariano. “A própria Lei Maria da Penha foi batizada com o nome de uma mulher que sofreu violência doméstica, o que já indica a importância de dar visibilidade”.

Silvana aponta que, ao se tirar o nome das mulheres, esconde-se a sua história, seu valor e seu direito como sujeito perante a um crime violento.

“A própria Lei Maria da Penha foi batizada com o nome de uma mulher que sofreu a violência doméstica, o que já indica para nós a importância de dar visibilidade a esses casos. Existem histórias, existem rostos e consequentemente existem nomes para humanizar as situações de violência contra a mulher. Essa lei vem na contramão disso tudo que está sendo construído em outras perspectivas”. 

Silvana Mariano, professora do Departamento de Ciências Sociais (CLCH).

Considerando que a legislação original permitia o sigilo ocasional dos nomes das vítimas, a professora compreende o diferencial no que diz respeito à exposição do agressor. “Infelizmente, na prática, o segredo de Justiça é mais utilizado para proteger a intimidade e privacidade do agressor ou até mesmo o Ministério Público. Nesse aspecto, a lei tem um ganho no que se fala de preservação do nome da mulher mas não do nome do agressor”.

Em um país onde uma mulher se torna vítima de feminicídio a cada 6 horas – segundo relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) – o problema enfrentado não é necessariamente a exposição no processo jurídico. “Quando a Justiça dá nome, nós temos ganhos pois temos sujeitos da história. Nosso desafio é pensar em como o sistema de justiça deve funcionar para que a mulher seja sujeito dentro do processo e não objeto de prova”, destaca Silvana, afirmando que, nesse quesito, a nova lei pode ser um desserviço. “Tirar o nome dessas mulheres é um reforço de uma tradição que existe no nosso sistema jurídico e penal de que somos objetos”.

“A intenção pode ter sido boa, mas lança mão de espontaneísmo, de achismo e de senso comum para tentar construir resposta para um tema que já tem muito acúmulo de especialistas, de entidades e organizações que, ao que parece, não tiveram participação nessa formulação”, conclui a docente. 

*Estagiária de Jornalismo na COM/UEL.

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