Projeto vê literatura como aliada no combate ao racismo desde cedo

Projeto vê literatura como aliada no combate ao racismo desde cedo

Pesquisa da professora Maria Carolina de Godoy encontrou na literatura uma aliada no combate ao racismo e na educação étnico-racial

A professora Maria Carolina de Godoy, do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas da UEL há 13 anos, encontrou na Literatura, sua área principal de atuação, um instrumento de combate ao racismo e aliado na educação étnica e racial. Mestre em Letras e Doutora em Estudos Literários pela UNESP, ela começou a ter contato com as obras de autores negros, como Conceição Evaristo e Solano Trindade, ao final do segundo ano de graduação. “Fui me interessando em aprofundar a análise dessas produções porque, na graduação, eu não tinha visto. Eu fui conhecendo de maneira independente, vendo artigos, lendo e acompanhando publicações”, comenta. 

Em meio ao interesse crescente, teve a oportunidade de conhecer a poeta Cristiane Sobral e a escritora Ana Maria Gonçalves, primeira mulher negra a integrar a Academia Brasileira de Letras (ABL), ambas autoras que faziam uso de meios digitais para a divulgação de seus escritos. Motivada por esses exemplos, a professora deu início a um trabalho sobre o papel das redes no aumento da visibilidade da literatura afro-brasileira em Pós-doutorado realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Já na UEL, protocolou o projeto “Literatura afro-brasileira e sua divulgação em rede”, na linha dos Estudos Culturais. A proposta recebeu fomentos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná (FA). Depois de 10 anos de amadurecimento de pesquisas, já com atenção à Literatura para crianças e jovens, submeteu estudo com este recorte específico a edital do Programa Bolsas de Produtividade (BP) em Pesquisa do CNPq. 

Projetos 

Aprovado em edital de 2021, o primeiro projeto da pesquisadora nesta modalidade foi o “Literatura afro-brasileira: vozes (trans)bordam infâncias”, contemplado com uma BP. O objetivo inicial foi a análise da representação das infâncias e de textos verbais e não-verbais (imagens) em obras de editoras voltadas a produções afro. 

De início, o foco esteve em livros da editora Pallas, fundada em 1975 e uma das pioneiras na dedicação ao resgate e registro das tradições dos povos africanos vindos ao Brasil. Com o passar do tempo, outras editoras foram incorporadas ao projeto, atendendo também às orientações de trabalhos e teses derivados da iniciativa. “Tinha uma preocupação, dentro dos objetivos, que era analisar essa relação entre texto verbal e não-verbal, as imagens fundamentais para as crianças negras e pensar essa importância das representações como também uma forma de construção identitária”, afirma. 

O encerramento da bolsa em julho, somado ao desejo de dar continuidade à pesquisa sobre o gênero, incentivou a acadêmica a iniciar os trâmites para a submissão de um novo projeto na mesma linha, mas explorando ângulos diferentes.

O novo projeto, sob o nome “Literatura infantil e juvenil afro-brasileira: trânsitos, identidades e pertencimento” conquistou novamente uma BP. A nova proposta selecionou obras publicadas a partir de 2010 para observar narrativas sobre o pertencimento de crianças negras em espaços da sociedade. “Quando há uma representação de ancestrais na tradição negra de tal maneira que tanto a personagem está descobrindo esses espaços quanto a criança leitora negra, ela se identifica e tem essa sensação de pertencimento, de pertença”, destaca a professora. 

Objetivos

Comprometidos com o enfrentamento ao racismo pela Educação, os projetos estão em sintonia com políticas públicas e leis alinhadas aos mesmos princípios, como a Lei 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira em todas as instâncias educacionais. Também está em conformidade com a meta 4.7 do item 4 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS), que versa sobre a capacitação dos alunos para a promoção dos direitos humanos, de uma cultura de paz e não violência e da valorização da diversidade cultural, entre outros aspectos. 

Os trabalhos procuram ainda enfatizar a importância do protagonismo negro na narração de suas próprias vivências em produções literárias. “Há a tomada de voz e de espaço da literatura pela escritora e pelo escritor negros. Quando eles assumem essa escrita, desde Carolina (Maria de Jesus) e Maria Firmina dos Reis, é possível ter um outro ponto de vista, o da autoria negra na narrativa e na produção literária, majoritariamente nas mãos de pessoas brancas”, acrescenta.

Partindo do entendimento de que a Literatura é acompanhada de uma função social, as propostas estão envolvidas na formação de redes de discussão, somando-se a outras áreas do conhecimento que também tratam do tema nos esforços pelo alcance da igualdade racial. “Minha reflexão se volta ao papel da literatura infantojuvenil nesse sistema: quais são as representações de mundo que ela leva para a criança na escola? É uma representação predominantemente branca, é uma representação de quais valores? A minha proposta dentro da literatura afro é dizer: a educação é diversa e a literatura precisa corresponder a essa realidade”, reflete Godoy. 

Atividades e participantes

A iniciativa mantém parceria ativa com o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da UEL, materializada na oferta de cursos voltados à formação de professores da rede de ensino do município de Londrina em educação étnico-racial. Ainda em nível municipal, estão previstos encontros para divulgação de materiais produzidos no âmbito das atividades de pesquisa e extensão, bem como a realização de oficina sobre literatura infantojuvenil afro na Biblioteca Municipal, durante o mês de novembro, como parte das atividades do órgão no mês da Consciência Negra.

No meio acadêmico, está formalizado o projeto de extensão “Literatura afro-brasileira: conhecendo autores, autoras e obras”. Em atividade desde novembro de 2023, reúne mais de 50 participantes, entre discentes e docentes de Letras e outras graduações, para debater o amplo espectro das produções literárias afro-brasileiras, para além do nicho infantojuvenil. 

Da esquerda para direita, a participante do projeto de extensão Isabella dos Reis, a professora Maria Carolina e orientanda de mestrado Gabriela Januário

O projeto de pesquisa em andamento prevê a difusão de seus resultados em palestras, conferências e cursos que dialoguem com a temática e pretende fomentar trabalhos de seus colaboradores passíveis de publicação em revistas e livros e de exposição em eventos. A professora participa ainda do Grupo de Trabalho de Leitura e Literatura Infantil e Juvenil da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL), que reúne pesquisadores de diversas instituições do país para estudar a história e relação dos leitores com obras deste gênero.

Na reflexão sobre a literatura afro-brasileira, colaboram docentes do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas, estudantes de graduação, Iniciação Científica (bolsistas do CNPq, da Fundação Araucária e do CNPq Jr.), Mestrado, Doutorado e Pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras da UEL (PPGL), alunos de outros cursos e docentes de diferentes instituições de ensino superior e da rede básica de ensino.

*Estagiário da Coordenadoria de Comunicação Social

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