Tradução de obra do escritor Émile Zola é lançada pela Eduel
Tradução de obra do escritor Émile Zola é lançada pela Eduel
A tradução é de Dilson Ferreira da Cruz Junior. Livro foi lançado com o título original L'Assommoir em folhetim no século XIX.A Editora da Universidade Estadual de Londrina (EDUEL) está com novo lançamento no mercado editorial. Trata-se do livro “O Abatedouro”, do francês Émile Zola, com tradução de Dilson Ferreira da Cruz Junior. Zola é um dos mais expressivos escritores franceses e considerado o criador da escola literária naturalista. Em francês, o livro foi lançado com o título original L’Assommoir em folhetim no século XIX e trata de questões como alcoolismo e pobreza na capital francesa.
“Traduzir ‘O abatedouro’ foi uma experiência extremamente agradável e enriquecedora”, afirma o tradutor da obra Dilson Ferreira da Cruz Junior. “Zola escreve muito bem e sabe construir um texto que pulsa como um organismo vivo, que oscila da escrita mais técnica à mais lírica ou coloquial”. Dilson é doutor em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade de São Paulo (USP), graduado em Linguística e Língua Portuguesa, também pela USP.
Dilson Ferreira da Cruz Junior foi pesquisador na Universidade de Paris e tradutor residente do Collège International de Traducteurs Littèraries d’Arles. É autor de Trois Contes, edição bilíngue (francês/português) de contos de Machado de Assis (2010); L’homme qui parlait Javanais, coletânea bilíngue (francês/português) de contos de Lima Barreto (2012); “O éthos dos romances de Machado de Assis” (2009); “Estratégias e máscaras de um fingidor – a crônica de Machado de Assis” (2002) e “Trinta crônicas irreverentes” (2007).
Ele também é tradutor do francês para o português de obras como “Sobre o sentido II, de Algirdas Julien Greimas (2014); “A Besta humana”, de Émile Zola (2014); “História da virgindade”, de Yvonne Knibiehler (2015); “Os riscos”, de Yvette Veyvret (2007); “O discurso político”, de Patrick Charaudeau (2006), entre outras. O pesquisador e tradutor Dilson Ferreira da Cruz Junior atendeu ao pedido de entrevista feito pela reportagem da Agência UEL, por aplicativo de mensagem. Confira:
Agência UEL – Émile Zola é um escritor francês, criador da escola literária naturalista. Como foi o processo de tradução de “O Abatedouro”?
Foi um processo árduo, mas prazeroso. Árduo não apenas por questões relativas ao léxico ou à sintaxe, mas principalmente porque o texto oscila muito ao longo do romance. Em algumas passagens a narrativa assemelha-se a um manual técnico, no qual é preciso manter a precisão, a impessoalidade. Em outros momentos, deparamos com o linguajar das ruas, rude, coloquial, impreciso, ambíguo, cheio de metáforas que é preciso saber respeitar. Já em outras ocasiões nos vemos às voltas com passagens delicadas, de grande lirismo. Naturalmente, a tradução deve acompanhar tais movimentos. Além disso, há a questão do discurso indireto livre no qual as vozes do narrador e das personagens se misturam de forma que muitas vezes não é claro quem está falando. E é justamente essa imprecisão, essa indefinição que é preciso saber manter. Tais oscilações conferem à narrativa um ritmo, um pulsar que tornam a tradução difícil, pois o texto traduzido deve manter o compasso do original. Por outro lado, tal arquitetura, tal vibração, torna a tradução uma experiência extremamente agradável, pois o tradutor é antes de tudo um leitor, que naturalmente sente mais prazer na leitura quanto maior é a qualidade do texto – e é esse o caso de O abatedouro. Por isso posso dizer que traduzir O abatedouro foi uma experiência extremamente agradável e enriquecedora.
Agência UE – “O Abatedouro” foi publicado em folhetim em 1876 e trata do alcoolismo e da pobreza entre os trabalhadores de Paris. Como é realizar a tradução de uma obra publicada há quase 150 anos?
Um romance de 150 anos sempre causará um estranhamento no leitor, mesmo que não se trate de uma tradução – veja-se o caso do público brasileiro diante dos romances de José de Alencar. No entanto, no caso da tradução, cabe ao tradutor decidir se quer preservar tal distanciamento ou se prefere atualizar o romance para que ele pareça mais familiar ao leitor. Eu optei por manter o distanciamento e o fiz mediante o uso de uma linguagem compatível, dentro de certos limites, com a da época do romance, o que me levou, por exemplo, a evitar gírias de nossos dias ou mesmo qualquer termo que tenha entrado no léxico recentemente. O Abatedouro apresentou outro desafio: o romance é repleto de gírias da época, que são de difícil compreensão mesmo para o leitor francês, tanto é assim que as edições francesas atuais do livro trazem um glossário que explica justamente o significado de tais termos. Então, decidi seguir pelo mesmo caminho: traduzi as gírias da época ao pé da letra (palavra a palavra, como se diz na tradução) e as inclui em um glossário para que o leitor pudesse ter acesso ao linguajar daqueles dias e entender seu significado. Ou seja: manteve-se o estranhamento do romance, mas garantiu-se a compreensão do texto.
Agência UEL – Quais os aspectos do livro que mais chamam a sua atenção?
Primeiramente, a qualidade do texto. Zola escreve muito bem e sabe construir um texto que pulsa como um organismo vivo, que oscila da escrita mais técnica à mais lírica ou coloquial. Em seguida, surpreendeu-me a solidariedade do narrador para com as personagens. Muitos criticaram Zola – e um deles foi Victor Hugo – por ele fazer uma imagem negativa do trabalhador, por depreciá-lo. Tal juízo não precede. Zola insiste que apenas mostra a realidade e que tal realidade é como é porque a sociedade assim o quer, porque à sociedade interessa manter o trabalhador na miséria. Além disso, chamou minha atenção a delicadeza e o lirismo com que Zola descreve o trabalho dos operários, mesmo os mais simples, os mais humildes. O narrador dá voz aos personagens permitindo que eles próprios contem, com orgulho, o que fazem e como fazem. O narrador, solidário a eles, muitas vezes em discurso indireto livre, valoriza esse labor e mostra toda a beleza que há nele, apesar da miséria circundante. E é preciso não esquecer que Zola foi dos primeiros a trazer, de forma realista, o trabalhador para o centro da trama, a produzir um romance em que o operário é o protagonista, sem fazê-lo de forma paternalista ou romanesca. Esse é outro ponto admirável.
Agência UEL – Como o senhor avalia o mercado de tradução literária?
Não tenho grandes conhecimentos do mercado literário, mas o volume de traduções no Brasil, assim como de publicações em geral, é bastante inferior ao de outros países como a França ou mesmo de muitos da América Latina – e certamente haveria aí um amplo campo para crescimento. No entanto, na crise em que vivemos as vendas de livros, especialmente literários, tendem a ser mais afetadas, dado que quando faltam recursos até mesmo para alimentação, quando tantos vivem na pobreza, o livro acaba se tornando um artigo de luxo. Quando falo de crise não me refiro apenas à questão econômica, mas sobretudo à crise moral pela qual passamos. O que esperar de um país cujo (des)governo despreza a educação da forma acintosa como faz o atual? E o que esperar de um país cujo governo pretende suprimir impostos de armas e taxar livros? Enfim, não vejo grandes perspectivas para o mercado de tradução; aliás, enquanto perdurar isso que está aí não vejo nenhuma boa perspectiva em nenhuma área.
Agência UEL – Algum conselho para quem quer seguir essa carreira?
Três. Primeiramente, acima de tudo, ame sua língua. Em geral, os tradutores preocupam-se em conhecer a língua que traduzem, o que é não apenas compreensível, mas louvável, evidentemente. No entanto, muitas vezes, esquecem-se de sua própria língua e daí surgem traduções que são sofríveis não tanto porque o tradutor desconheça a língua de partida, mas porque não domina a própria língua, porque lhe falta intimidade para com ela. O tradutor deve ter domínio sobre sua língua, mas também deve tratá-la com carinho, com respeito, pois ele existe por causa dela. Sua língua é sua razão de ser, ele está a serviço dela e se não souber compreendê-la, amá-la, dificilmente saberá traduzir. Segundo: o tradutor, seja ele literário ou técnico, deve ser antes de tudo um leitor; leitor voraz especialmente da língua com que trabalha. E deve ler de tudo: de caixa de sabão em pó a leis; de grandes clássicos da literatura a jornais da imprensa marrom, de manuais técnicos a livros de piadas. Quanto maior a variedade de textos com os quais conviver, independentemente de sua qualidade, mais habilitado estará a traduzir. Terceiro: leia traduções. Há tradutores que por dominarem a língua que traduzem recusam-se a ler traduções e só leem textos no original. Acho isso um erro. Justamente por dominar a língua que traduz, o tradutor deve ler traduções, pois é uma oportunidade de aprender com outros tradutores. Seja com seus acertos, seja com seus erros.