À luz de um pensamento pedagógico-musical
À luz de um pensamento pedagógico-musical
Projeto inicia oficinas para alunos do Colégio Estadual Newton Guimarães, em outubro. Objetivo é compreender os mecanismos cognitivos do ato criativo na música.Até os dias de hoje, ter uma carreira bem-sucedida no mundo da música é sinônimo de conviver com uma concepção romântica da arte, especialmente no caso de instrumentistas e cantores que se destacam pelo virtuosismo. No entanto, além de desconsiderar os anos de estudo e dedicação, ideias como as de “dom divino” e “talento sobre-humano” jogam os processos criativos para o campo do intuitivo, deixando de dar a devida importância aos mecanismos cognitivos implicados nos processos e construções das práticas musicais.
Com o objetivo de compreender os mecanismos cognitivos envolvidos no ato criativo, um projeto de Pesquisa/Ensino desenvolvido no Centro de Educação, Comunicação e Artes (Ceca) da UEL dará início a uma série de oficinas de prática musical criativa com alunos do Núcleo de Altas Habilidades e Superdotação, do Colégio Estadual Newton Guimarães. Com previsão de início em outubro, as oficinas serão voltadas para estudantes que atravessam os anos finais do Ensino Fundamental e o início do Ensino Médio, que têm entre 11 e 14 anos.
O projeto “Mecanismos Cognitivos e Ato Criativo: significações atribuídas à música-jogo em contexto de oficinas” é coordenado pelo docente do Departamento de Música e Teatro (MUT) Leandro Augusto dos Reis, contando com a participação de estudantes de pós-graduação, um bolsista de Iniciação Científica (IC), graduandos e um colaborador externo. Também tocam o projeto docentes e pesquisadores da área de Psicologia da Educação e da Psicologia, do Departamento de Psicologia Social e Institucional da UEL.
A partir de uma revisão bibliográfica da teoria da Epistemologia Genética, de Jean Piaget (1896-1980), serão analisadas as significações atribuídas pelos jovens a situações musicais problematizadoras, havendo uma abertura para o estudo das inúmeras possibilidades de resolução para um determinado “problema musical” no contexto de jogos. “É como chegar de um ponto a outro, existem muitos caminhos e infinitas possibilidades”, afirma o professor.
Para o desenvolvimento das atividades, serão utilizadas a Teoria Espiral do Desenvolvimento Musical proposta pelo educador britânico Keith Swanwick e as ideias acerca da música-jogo de François Delalande, “ambos pautados em Piaget”, destaca. “Para eles, qualquer prática musical é jogo e envolve a capacidade sensório-motora, o caráter simbólico e a estrutura musical com um conjunto de regras, como é a música.”
Pesquisa
Com o desenvolvimento desta etapa, espera-se avançar, em princípio, na elaboração de dois artigos. “Um aluno de graduação irá pesquisar como é a noção de tempo, se o sujeito percebe o tempo com linearidade ou não, e como é a percepção do tempo musical. Já que música é, em última análise, espaço e tempo, ele irá pesquisar como o aluno constrói esse tempo musical”, explica o professor, que é coordenador do Schema – Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia da Educação Musical da UEL. Para isso, serão utilizados provas operatórias e entrevistas clínicas apoiadas no método clínico-crítico piagetiano.
“Como usamos a Epistemologia Genética, conseguimos perceber os níveis da noção a partir de provas e situações que a própria teoria coloca para pensarmos esses níveis. E para a compreensão do pensamento musical, vamos criar protocolos específicos porque eles não existem. A teoria não foi pensada para isso e vamos fazer o teste que vem da teoria de Piaget, como balizador.”
Leandro Augusto dos Reis, professor do Departamento de Música e Teatro (MUT).
Outra pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto é a de uma aluna bolsista de Iniciação Científica acerca das significações advindas de representação pictórica, textual e relatos verbais do processo criativo em todas as situações musicais – escuta, execução e composição. “A escuta é criativa, a performance envolve criação, e a composição, por natureza, também envolve criação. Vamos entender que todas as formas de se relacionar com a música podem ser feitas por meio do ato criativo”, destaca.
No encontro entre a Arte e a Psicologia da Educação, ressoam os desejos de inúmeros educadores musicais e pesquisadores de avançarem sobre o desenvolvimento de novos métodos e formas de se ensinar música, especialmente em uma perspectiva inclusiva. “É preciso ensinar quem já tem os ouvidos afinados e quem é desafinado também.”
É à luz de um pensamento pedagógico-musical que o tom “místico” sobre a arte como expressão e comunicação vai ficando cada vez mais em descompasso com a contemporaneidade, servindo apenas à pouco produtiva vaidade pessoal.