Obra revela conflitos sociais na História de Londrina nas décadas de 50 e 60

Obra revela conflitos sociais na História de Londrina nas décadas de 50 e 60

Livro é resultado da dissertação de Mestrado do professor e historiador da UNILA, Eder Cristiano de Souza.

A História de Londrina começa nos anos 20 do século passado, com um grande
empreendimento: a exploração comercial das terras do norte do Paraná, a oeste do rio Tibagi, área até então coberta de mata nativa habitada por indígenas e posseiros. Os primeiros colonos chegaram em 1929 e, duas décadas depois, a cidade já era um polo regional, graças à cafeicultura. Mas a partir daí, surgiram conflitos muito pouco
lembrados pelos londrinenses.

Esta é apenas uma parte do conteúdo do livro “Excluídos do Café: planejamento
urbano e conflitos sociais em Londrina nas décadas de 1950 e 1960”
, publicado pela
Editora da UEL (EDUEL) em formato digital. A obra é fruto da dissertação de Mestrado do professor Eder Cristiano de Souza, historiador formado pela UEL e que desenvolveu a pesquisa na UEM entre 2006 e 2008. Ele também é Doutor em Educação pela UFPR (2014) e docente da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).

Capa do livro que tem 204 páginas

Tendo como fontes principais as leis municipais do período, obtidas com a
Câmara de Vereadores de Londrina, jornais (“O Combate” e Folha de Londrina) e
revistas do acervo do Núcleo de Documentação e Pesquisa História da UEL
(NDPH/CLCH)
, o pesquisador encontrou uma série de conflitos populares e de classe
associados ao processo de desenvolvimento urbano da cidade.

Desde o início, a Companhia de Terras Norte do Paraná produziu intensa
propaganda da fertilidade e potencialidade da região, como um novo “Eldorado”, o que naturalmente atraiu brasileiros, sobretudo da região Sudeste e Nordeste, e estrangeiros. Porém, nem todos foram casos de sucesso. Muitos compraram terras e não puderam pagar, ou já vieram para serem trabalhadores nas terras de outros.

A quantidade de migrantes gerou uma explosão demográfica que resultou em
ocupações irregulares, totalmente fora do planejamento inicial da Companhia de Terras. A linha férrea, por exemplo, que ficava onde hoje é a Avenida Leste-Oeste, era um divisor. Abaixo dela, as vilas Nova e Recreio faziam parte do plano de ocupação. Todas as outras no entorno, como a Vila Yara e Vila Portuguesa, começaram como bairros irregulares.

Segundo Eder, nos anos 50 a cafeicultura já começava a declinar na cidade. As fortes geadas de 1953 e 1955 tiveram grande impacto na região. Em Londrina, resultou, por exemplo, no deslocamento de trabalhadores rurais, que passaram a morar no meio urbano mas continuaram a trabalhar no campo. Eram os boias-frias. Outro efeito foi a busca pela diversificação de atividades, o que motivou o crescimento da cidade.

Foi nesta época, de acordo com o historiador, que apareceram as primeiras leis
sistematizadas de planejamento urbano, como a Lei de Zoneamento, de 1951, o Código de Posturas, de 1953 e o Código de Obras, de 1955. Para a criação da Lei de zoneamento, a Prefeitura contratou a consultoria do arquiteto e político paulista Francisco Prestes Maia. Ele foi um dos urbanistas responsáveis pela consolidação da profissão no país, prefeito de São Paulo por dois períodos e coautor do Plano de Avenidas da capital, elaborado entre os anos 20 e 30, e que definiu os padrões de expansão da cidade até a década de 90. Prestes Maia realizou planos urbanísticos em muitas outras cidades do país, como Santos, Curitiba, Belo Horizonte, Ribeirão Preto e Recife. São Paulo era um modelo a ser copiado.

A ideia de então era fazer de Londrina uma cidade moderna, voltada para o futuro, rica. Ou seja, a propaganda continuava. Para dar um exemplo, o Código proibiu as charretes na cidade, um dos símbolos do passado que deveria ser deixado para trás. Eder diz que a lei trazia até dispositivos de natureza moral para a população. Paralelamente, a sociedade começou a se organizar. Surgiram associações de moradores, os primeiros sindicatos e movimentos populares.

Conflitos e revisões

Os anos 50 testemunharam vários conflitos, como a tensão em torno da criação, pelo partido comunista, do sindicato que agregava trabalhadores das colônias. Logicamente, desagradou a classe dos proprietários, e resultou em vários casos de expulsão de trabalhadores, além da propaganda anticomunista na imprensa local. Pouco tempo depois da criação da Lei de Zoneamento, em 1959, o município já promoveu uma revisão, flexibilizando suas exigências. Em Londrina, como em outras cidades, o interesse era expandir. “O Poder Público sempre prefere a cidade espalhada, porque assim amplia sua área de arrecadação”, anota Eder. Exemplo deste modo de pensar, segundo ele, está no Plano Diretor de 1968. “Já não havia interesse em mexer no Centro, mas criar novos bairros”, ilustra.

Em 1961, um outro conflito foi mais violento e envolveu o sindicato dos ensacadores e carregadores de café, uma entidade que nasceu da própria organização da categoria. O pesquisador descobriu relatos de ameaças de morte e tiros contra a sede.

Eder lembra ainda que o final dos anos 50 (1958-9) foi um período de inflação alta, o que também contribuiu para o surgimento de conflitos. Já os anos de 1962 e 1963 foram marcados por greves, em diversas categorias. Londrina seguia uma tendência nacional do governo João Goulart, deposto em 1964 por um golpe militar, acusado – entre outras coisas – de apoiar o comunismo. Um dos efeitos do golpe foi o fechamento de canais de diálogo e o desestímulo aos movimentos sociais.

Políticas habitacionais

Conforme relata o professor Eder, nos anos 60 a Prefeitura de Londrina começou a apresentar outro discurso, falando de desenvolvimento mas também de políticas habitacionais para combater o déficit. Foi a década em que chegaram à cidade serviços como o Sercomtel, Copel e Sanepar, até então oferecidos precariamente por companhias locais. Em 1961, surgiu também o Fundo de Habitação, quatro anos mais tarde substituído pela Cohab-LD (Companhia de Habitação de Londrina).

Em 1966, conta Eder, outro conflito importante: o chamado “Grilo da Caixa”. O nome “grilo” vem de uma gíria antiga e conhecida na cidade que designava as ocupações irregulares. No caso, cerca de 400 famílias, em dois anos, ocuparam uma área hoje conhecida como “Favela da Bratac”. Em 1968, saiu uma ordem de despejo e reintegração de posse que a polícia não conseguiu executar. Vários políticos da época se posicionaram a favor das famílias. No fim, a Caixa Econômica acabou cedendo, foi feito um grande investimento da Cohab e os ocupantes se mudaram para o novo conjunto habitacional. Porém, novos invasores iam para a área “liberada”. Muitos outros projetos de urbanização, revitalização e desfavelização vieram depois. Destaca-se, segundo o historiador, o plano de revitalização do bairro em1978.

Eder comenta ainda que Londrina, proporcionalmente ao seu tamanho, é uma cidade com grande quantidade de casas populares. E lembra que os bairros da zona norte conhecidos como Cinco Conjuntos foram um destes empreendimentos. Hoje a região compreende mais de 20 bairros e mais de 40 mil habitantes.

Uma das importantes conclusões do estudo do historiador é que o exercício da cidadania era limitado no período em foco. “O planejamento é sempre de uma cúpula, sem participação popular. Sempre existem muitos interesses em jogo”, afirma. Também pensando nisso, ele disse que se preocupou em usar um texto mais acessível ao grande público, sem uma linguagem muito acadêmica, embora seja uma pesquisa de Mestrado. Assim, qualquer cidadão pode conhecer mais sobre este aspecto pouco conhecido da História de Londrina.

Serviço

“Excluídos do Café: planejamento urbano e conflitos sociais em Londrina nas décadas de 1950 e 1960” – Editora da EDUEL, 204 páginas.

Autor: Eder Cristiano de Souza.

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