Projeto avalia saúde mental da polícia penal e é destaque em evento do Ministério da Justiça

Projeto avalia saúde mental da polícia penal e é destaque em evento do Ministério da Justiça

Professora da UEL estuda há quase 20 anos o sofrimento psíquico dos antigos agentes penitenciários em projeto de extensão.

A professora Eneida Santiago, do Departamento de Psicologia Social e Institucional (CCB) e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UEL, vem atuando com pesquisas e atividades extensionistas voltadas à promoção da saúde mental dos servidores do sistema penitenciário há quase 20 anos – quando esses profissionais ainda eram chamados de agentes penitenciários, nos estados de São Paulo e Paraná.

Buscando atenuar os sintomas de sofrimento psíquico registrados com frequência na categoria – hoje chamada polícia penal -, ela desenvolveu, entre 2005 e 2019, o projeto integrado de Pesquisa e Extensão “Atenção à saúde do servidor do sistema penitenciário”. No ano passado, o trabalho foi destaque na Mostra de Experiências de Saúde e Qualidade de Vida do Servidor Penitenciário, iniciativa vinculada ao Projeto Valoriza: Saúde em Foco, fruto de uma parceria entre a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Atuando em unidades administradas pelo Departamento de Polícia Penal do Paraná (Depen-PR) em Londrina, a professora contou com a participação de dez bolsistas de Iniciação Extensionista e Inclusão Social da UEL, ofertando apoio psicológico aos servidores. Além do atendimento, realizado uma vez por semana nas unidades, coletiva e individualmente, o projeto ainda resultou na produção de artigos com análises mais amplas sobre as condições de trabalho de quem atua no intramuros de uma unidade prisional. 

Professora Eneida Santiago. Pesquisa contou com participação de dez bolsistas de graduação (Arquivo pessoal).

Prisão da mente 

Instituição criada muito antes do início da sistematização das leis e penas que recaem sobre quem comete crimes, a prisão, para a pesquisadora, é um universo repleto de diversidades e complexidades existenciais de pessoas que precisam encontrar formas menos conflituosas de convivência, o que nem sempre é possível. Por este motivo, aponta, a própria arquitetura prisional é alvo de observações importantes – como fez o filósofo francês Michel Foucault – uma vez que possui características próprias que provocam um intermitente estado de vigília e tensão também sobre os agentes.

“A prisão tem o cheiro da violência. Você já observa que é um ambiente em que se tenta conter atos de violência o tempo todo. Por si só, essa arquitetura já causa tensão psicológica”.

Eneida Santiago, professora do Departamento de Psicologia Social e Institucional.

Em diferentes unidades prisionais de Londrina, a pesquisadora se deparou com profissionais que acabaram se tornando reféns de uma condição de trabalho marcada pela ausência de suporte psicológico, longas jornadas, sobrecarga de atribuições, insegurança e a pior média salarial entre todas as categorias das forças de segurança no País, segundo o “Raio-x das Forças de Segurança Pública no Brasil 2024”, divulgado recentemente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública). O valor médio de R$ 8.070,98, segundo o documento, foi o pior registrado em 2023 em relação aos salários de policiais militares, civis, federais, peritos técnicos e bombeiros.

Cenário da prisão, defende a pesquisadora, pode promover adoecimento psicológico, com sintomas recorrentes de insatisfação com o trabalho, desânimo e fragilização dos laços sociais (Reprodução).

Neste sentido, ela define que muitos profissionais se encontravam em “significativo estado de sofrimento psíquico”. Neste cenário de adoecimento psicológico, os sintomas recorrentes são insatisfação com o trabalho, desânimo, diminuição ou fragilização dos laços sociais e até uma ausência de vontade de sair de casa para realizar atividades de lazer. Em muitos casos, os sintomas de depressão e – atualmente – reconhecidos como de burnout ainda eram acompanhados de comorbidades diagnosticadas, tais como pressão alta, diabetes, alcoolismo, insônia e outras condições que resultam em afastamentos das atividades. “O quadro geral era bem preocupante”, lamenta Santiago. 

Pesquisadora nas áreas de Saúde Coletiva e Processos de Trabalho, a professora reúne em seus artigos relatos históricos que vão ao encontro do que revelou um estudo publicado pelo Sindicato dos Policiais Penais do Paraná (Sindarspen), em 2016. À época, a categoria registrava enorme insatisfação com as próprias condições de trabalho (70%) e sentia-se constantemente ameaçada (25,1%). A pesquisa ainda revelou que 20,8% dos agentes carcerários diziam estar estressados, 14,7% não conseguiam se desligar do trabalho e 12,4% sentiam-se inseguros em seus postos de trabalho. Ainda, 60% afirmaram necessitar da ajuda de profissionais médicos, fazendo uso de medicamentos controlados (44%) pelo período de 1 e 3 anos. 

No mesmo estudo do Sindarspen, também é possível encontrar dados ainda mais tristes para a categoria, referentes aos números de mortes e reféns: foram 16 agentes penitenciários assassinados no estado entre 2007 e 2016 e 57 feitos reféns entre dezembro de 2013 e dezembro de 2015.

Dinâmica de desgastes

Outro motivo de insatisfação para a categoria foi a sobrecarga de atribuições, principalmente em unidades superlotadas. Historicamente, destaca a pesquisadora, novas contratações e a reposição dos servidores aposentados não foram capazes de acompanhar a evolução da população carcerária, que hoje alcança 644 mil pessoas em todo o País, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Pela própria superlotação, o número de trabalhadores não conseguiu crescer na mesma proporção do número de presos. Isso, na prática, significou um número de trabalhadores temporários muito elevado, o que é muito ruim para os próprios trabalhadores, aumentando o nível de insegurança, e ruim para o próprio funcionamento geral da prisão. Essa dinâmica de ter que estar próximo dos presos em um contexto que aumenta a insegurança é também de intenso desgaste”, explica Eneida.

Neste cenário, ela destaca que a ampla utilização dos chamados “presos de confiança” nas tarefas diárias da penitenciária acaba por aumentar a tensão dos policiais penais sobre agressões, homicídios e sequestros de servidores que podem culminar em rebeliões. “São diversos fatores que aumentam as condições de adoecimento psicológico. Uma prisão é como uma panela de pressão onde tudo pode explodir muito de repente”, compara. 

Foi em um destes momentos, de descontrole por parte da administração penitenciária, que o município de Londrina viveu dias de muita violência, em outubro de 2015. Nesta data, todas as 31 galerias da unidade II da Penitenciária Estadual de Londrina (Pel 2) foram tomadas pelos presos, demandando o apoio de grupos de elite da Polícia Militar. 

Docência

“O trabalho foi muito frutífero, então encaminhar o material, os artigos para a mostra virtual foi um esforço nosso de dar visibilidade para estas questões, que são esquecidas na sociedade. Ninguém faz questão de olhar. Porque tem a ver, entre aspas, em olhar para bandidos, olhar para marginais, e a sociedade quer que o presídio fique longe”, concluiu Eneida Santiago.

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