“Química verde”: resíduo da indústria têxtil é reutilizado
“Química verde”: resíduo da indústria têxtil é reutilizado
Três patentes foram obtidas por meio do Escritório de Propriedade Intelectual da AINTEC, a partir do uso da poliamida.Um grupo de professores das áreas de Química e de Design da UEL conseguiu desenvolver e patentear um processo de reaproveitamento da poliamida, utilizada em tecido para confecção de roupas usadas para atividades físicas. Os estudos tiveram início a partir de 2013, no Departamento de Design, do Centro de Educação, Comunicação e Artes (CECA), e posteriormente ganharam a adesão de pesquisadores do Programa de Pós-graduação em Bioenergia, associação em rede, que reúne a UEL e outras cinco Universidades Estaduais Paranaenses, além de instituições colaboradoras, originando uma equipe multidisciplinar com a participação dos professores Carmen Luisa Barbosa Guedes (Química), Cláudio Pereira Sampaio (Design Gráfico) e Suzana Barreto Martins (Design de Moda). O grupo de professores contou com a participação de Jonathan Baumi, então estudante de mestrado vinculado ao Programa de pós-graduação em Bioenergia.
Três patentes foram obtidas por meio do Escritório de Propriedade Intelectual da Agência de Inovação Tecnológica (AINTEC) da UEL e tem um grande significado para a indústria têxtil brasileira e mundial. A poluição ambiental e o esgotamento de recursos naturais são alguns dos entraves deste setor, considerado o segundo mais poluente, atrás apenas da indústria do petróleo.
Os pesquisadores desenvolveram três novos materiais, a partir de poliamida descartada pela indústria do vestuário e um coproduto da cadeia produtiva do biodiesel, a glicerina. Os novos produtos apresentam potencial para serem utilizados no design de interiores e na confecção de outros materiais. Na prática são três tecnologias que buscam a sustentabilidade, dando nova utilidade à poliamida têxtil.
As três patentes foram depositadas em dezembro de 2013. A primeira foi concedida em junho de 2020 batizada de Processo de produção de material sólido em pó a partir de Poliamida; Elastano e Glicerina. A segunda e a terceira foram concedidas dois meses depois, com nomes e características semelhantes. As três representam um processo de separação da poliamida e do elastano.
O produto da primeira patente se constituí de um sólido em pó de coloração equivalente ao pigmento do tecido. A segunda patente um sólido rígido, enquanto a terceira patente foi obtida a partir do mesmo processo com adição de amido, resultando em um sólido flexível.
A partir do registro das patentes, a expectativa dos pesquisadores é conseguir completar o processo por meio de Transferência de Tecnologia. A Aintec vai ofertar as novas patentes na vitrine tecnológica, por meio do sumário da tecnologia. Empresários poderão ter acesso a um resumo completo, possíveis mercados de aplicação e a disponibilidade para licenciamento. Empresas interessadas também podem entrar em contato com a Aintec da UEL para saber como funciona o licenciamento.
Sustentabilidade – Segundo a professora Suzana Barreto Martins a origem da patente remonta o ano de 2009 quando o Grupo de Pesquisa Design Sustentabilidade e Inovação (DeSIn) inicia os primeiros estudos relacionando sustentabilidade e moda. A ideia inicial era reaproveitar resíduos têxtis, para sua retirada da natureza. A partir de 2010, o professor Cláudio, do Departamento de Design, passa a integrar o grupo. Em 2012, os pesquisadores receberam uma demanda de uma aluna de pós-graduação em criação e produção. A estudante era uma das proprietárias da Mulher Elástica, confecção de Londrina, especializada em roupas femininas para academia e ginástica.
As empresárias estavam preocupadas com o desperdício da poliamida em seu processo produtivo e que representava grande perda de recursos, já que esse material não era passível de ser reutilizado ou reciclado e sem destinação correta. A saída encontrada foi buscar conhecimento fora das fronteiras do design, por meio de parceria Design-Química, usando o conceito da química verde. A professora enfatiza que o mundo da moda hoje segue uma forte tendência de uso de materiais sintéticos, provenientes do petróleo, como a poliamida, poliéster, etc, por ser um processo produtivo de menor custo se comparado ao das fibras naturais.
Novos valores – Para o professor Cláudio, as novas patentes representam um esforço importante da área do design na busca de solução para problemas sociais, ambientais e econômicos, ao mesmo tempo em que procura criar valor e promover a inovação. “Todo o processo de trabalho foi feito a partir de diálogo constante, com total interdisciplinaridade”, orienta. Segundo ele, o grupo entendeu que a iniciativa deveria primar pela sustentabilidade, o que implicou em decisões como, por exemplo, não utilizar ácido em todo o processo.
O professor também observa que as patentes trazem solução a um problema antigo, de reaproveitamento de resíduos têxteis. Ele lembra que a meia de nylon (marca comercial da poliamida registrada pela DuPont) foi desenvolvida na década de 1930 para ser um produto prático e resistente. Mais de setenta anos depois surge uma solução para o reaproveitamento da poliamida. Ele acredita que a patente pode ser útil para grandes fabricantes, inclusive multinacionais. Dados da pesquisa indicam que, somente em Londrina, são geradas mensalmente cerca de sete toneladas do resíduo. Em todo o Brasil são 1,8 milhão de toneladas de resíduos têxteis que acabam tendo como destino os aterros sanitários, já que não existe um plano de logística reversa para a Indústria Têxtil.
Processo – A professora Carmen Luisa Barbosa Guedes lembra que foi procurada pelos colegas do Design quando Jonathan Baumi, bacharel em Química formado na UEL estava iniciando o Mestrado no Programa Pós-graduação em Bioenergia. Ela explica que a demanda trazida pelos colegas do Design era desenvolver um processo para reciclar a poliamida, que traz na sua composição um pequeno percentual de elastano. A professora lembra que a indicação do jovem pesquisador para o desafio foi importante dada à sólida formação e pelas característica de reunir curiosidade, ousadia e responsabilidade.
A professora e o orientando tiveram várias ideias para o desenvolvimento do processo. Chegaram à conclusão que a glicerina poderia ser um dissolvente para a recuperação da poliamida. Os estudos foram desenvolvidos no Laboratório de Química da Biomassa, Biocombustíveis e Bioenergia (LaQuiBio), do Departamento de Química do Centro de Ciências Exatas (CCE), coordenado pela professora Carmen.
Os testes realizados por Jonathan chegaram ao resultado esperado, que era a dissolução da poliamida. De acordo com Jonathan, as patentes que resultaram em material sólido tem potencial para a fabricação de produtos para decoração, por exemplo, mas abre várias possibilidades. Ele lembra que no início da pesquisa não tinha uma dimensão exata da importância do trabalho, mas revela que foi uma experiência surpreendente. “Minha expectativa agora é de que possa haver efetivamente transferência de tecnologia para que possamos retirar esse produto da natureza, transformando lixo em matéria prima de alto valor agregado”, descreve o pesquisador.