Ouvir para ler, escutar para entender: projeto estuda mediação e fontes orais na internet

Ouvir para ler, escutar para entender: projeto estuda mediação e fontes orais na internet

Iniciativa surgiu para entender o que é possível de comunicar com a voz, identificando maneiras como as mediações orais influenciam no fazer do bibliotecário.

“A voz seduz”. É assim que Sueli Bortolin, professora recém aposentada do Departamento de Ciência da Informação, do Centro de Educação, Comunicação e Artes (Ceca), justifica seu interesse por investigar a oralidade. Ela coordena o projeto de pesquisa “Mediação oral da informação e da literatura em ambiente digital”, que retrata a importância das fontes orais na internet. Segundo a docente, a iniciativa de estudar o tema surgiu após a sua tese de doutorado e foi influenciada principalmente pelo desejo de entender o que é possível comunicar com a voz, identificando também a maneira como as mediações orais influenciam o fazer do bibliotecário e outros mediadores, cujas pesquisas ainda são muito apegadas ao escrito.

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Edição número 1415 de 19 de outubro de 2022
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Tradicionalmente, a Ciência da Informação tem como um de seus focos de pesquisa as fontes baseadas na escrita, impressa ou digital. Ao utilizar como base as fontes orais, o projeto propõe quebrar este paradigma. O objetivo é evidenciar a mediação como fator fundamental na apropriação da informação e da literatura; identificar fontes orais da informação e literatura na web geridas por bibliotecários; e analisar a oralidade tecnológica e a performance dos mediadores em ambientes digitais. Dessa forma, a pesquisa pode incentivar a valorização da mediação oral na contemporaneidade para que os leitores consigam ouvir diversos gêneros de textos, no momento em que acharem mais adequado.

Pensando nisso, o instrumento de coleta de dados escolhido para o desenvolvimento do projeto foi a observação dos elementos performáticos da oralidade – corpo, voz, espaço e presença. Para a professora, o mais complexo de estudar no meio digital é a presença, pois é o resultado de todas as outras performances. “Eu gosto de usar a expressão ‘oralisfera’ porque é o espaço de oralidade que, consequentemente, cria essa ambiência, permitindo a concretização da presença física das falas”, afirma.

Informação para todos

A oralidade pode ser considerada como o primeiro encontro do ser humano com a linguagem. Muitas culturas eram movidas por histórias e os contadores dessas histórias eram os portadores da memória do povo, repassando o conhecimento de geração em geração. Hoje, percebe-se que a oralidade tem se mostrado tão importante quanto antes, ganhando cada vez mais espaço nas mídias digitais – principalmente depois da pandemia da Covid-19.

Além dos veículos de comunicação tradicionais, como a rádio e a televisão, nos últimos anos a voz passou a ser fortemente empregada como ferramenta de contato e informação nas redes sociais. Através das mensagens de áudio, as pessoas encontraram uma alternativa para se sentirem próximas enquanto ainda não era possível estarem juntas por conta do distanciamento social. Por meio de vídeos e podcasts, buscaram aprender e refletir. Até o consumo da literatura tem se modificado: eBooks, áudios de narração e outros formatos surgiram.

De acordo com Sueli, essa mudança de comportamento pode se configurar também como uma espécie de cultura de acolhimento, aproximando-se da biblioterapia. Ela acredita que, com a volta das atividades presenciais nas escolas e universidades, essa questão precisa ser analisada com ainda mais empenho, pois carrega uma responsabilidade social. “A mediação oral, para mim, é altamente democrática, as pessoas aprendem pelo ouvido. Um analfabeto vai ‘ler’ pelo ouvido, pois os códigos e a escrita para ele não têm significado. A mesma coisa com quem tem deficiência visual, eles aprendem pela oralidade”, explica a docente.

Multiplicidade na pesquisa

Além de bibliotecários, professores e alunos da graduação e pós-graduação do Departamento de Ciências da Informação, a pesquisa conta com integrantes de várias outras áreas. A jornalista da UEL FM Patricia Zanin, por exemplo, participou da pesquisa colaborando em artigos desenvolvidos pelo projeto. “Eu entrei no projeto com o objetivo de ampliar e estudar mais sobre a mediação, que é parte da minha função como comunicadora. É um projeto relevante porque consegue trazer reflexão teórica e combinar, de forma bem efetiva, exemplos práticos, que deixam a mediação mais rica”, afirma.

Segundo Sueli, essa diversidade é necessária para o avanço das pesquisas relacionadas ao tema do projeto, que já conta com artigos sobre oralidade midiatizada, webséries, fanfiction, podcast, entre outros assuntos. “Acho importante que a gente fortaleça o contato com outros estados e com outras universidades para que as pessoas não só levem, mas tragam informações que possam enriquecer o projeto”, declara. “A minha expectativa é que isso vá para as comunidades e que a curricularização da extensão gere bolsas, que motivem os alunos a lidarem com isso. A gente tem que parar para ouvir, ter tempo para escutar”, defende.

Os artigos produzidos deram origem a livros, posteriormente publicados em eventos. Ela cita, em especial, o Encontro de Pesquisa em Informação e Mediação (Epim), realizado pelos Programas de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da UEL, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Federal do Pará (UFPA). O evento foi coordenado pela professora Sueli e chegou à sua quarta edição em 2022, no formato virtual. Além de mesas-redondas e palestras, o Encontro contou com a apresentação de trabalhos de pesquisadores do país todo. “Só nesse último encontro, a gente teve cinquenta e poucos trabalhos”, conta.

Mesmo após o fim da pesquisa, previsto para o início de novembro deste ano, a professora espera que o Departamento e professores continuem investindo nos estudos da oralidade. Ela, inclusive, pretende continuar analisando a voz, colaborando com a investigação do estudo “Mediação da informação científica e dos saberes na Amazônia brasileira”, uma parceria com o vice-coordenador do projeto, o professor João Arlindo dos Santos Neto, da UFPA.

*Estagiária de Jornalismo na COM/UEL.

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