Projeto de pesquisa discute alcance e aceitação de fake news na sociedade
Projeto de pesquisa discute alcance e aceitação de fake news na sociedade
Pesquisa busca na psicologia respostas para a conduta humana diante do consumo e disseminação de notícias falsas e desinformação.Seja na ciência, na política ou na educação, as chamadas fake news têm entrado cada vez mais em evidência e provocado discussões em torno delas. A rapidez com que circulam e a quantidade de pessoas que conseguem atingir são fatores que intrigam pesquisadores de diversas áreas. Mas, afinal, por que tantas ainda acreditam e compartilham notícias falsas? Foi visando responder a essas questões que surgiu o projeto de pesquisa “Estudos comportamentais sobre a aceitação e difusão de fake news”, coordenado pelo professor Hernando Borges Neves Filho, do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento, do Centro de Ciências Biológicas (CCB).
Iniciado em 2021, o projeto tem como objetivo entender os aspectos psicológicos e comportamentais que levam as pessoas a acreditar e compartilhar fake news e desinformação, além de encontrar soluções para evitar ou remediar o problema. Para atingir esse propósito, o projeto foi dividido em três partes: revisão bibliográfica, pesquisa em laboratório com animais e pesquisa com seres humanos.
A primeira parte do projeto foi desenvolvida no período de um ano, por meio de Iniciação Científica da estudante de Psicologia Heloisa Santana Kohatsu, que contou com o auxílio de outros participantes do projeto. Num primeiro momento, foi feito um estudo sobre como as notícias falsas são vistas e tratadas pelas ciências do comportamento em diferentes lugares no mundo, buscando construir uma base científica para as próximas etapas.
“Hoje, existem muitas pessoas no mundo que estudam esse fenômeno das fake news. Então, nosso projeto inicial tinha o objetivo de entender o que as pessoas estão fazendo e onde está a ciência neste momento. Então, o que a gente fez na Iniciação Científica foi uma revisão sistemática da literatura, especialmente porque a gente estava na pandemia também. Fizemos um levantamento interdisciplinar de periódicos de impacto em inglês para avaliar o que esse pessoal estava descrevendo e achando em relação às fake news”, explica o professor Hernando.
Segundo o coordenador, a partir dos levantamentos iniciais, foram encontrados dados muito relevantes sobre o comportamento humano em relação às notícias falsas. Eles indicam, por exemplo, que a raiz do problema está na cultura e no ambiente em que a pessoa que divulga uma informação falsa está inserida, não tendo relação com seu nível de conhecimento ou falta de preocupação com os transtornos que elas provocam. Dessa forma, a Psicologia consegue compreender com êxito a relação do ser humano com a notícia.
“Tem um dado famoso na Psicologia encontrado por pesquisadores da Inglaterra que mostra que a maioria das pessoas que compartilham fake news sabem o que estão compartilhando, ou que pelo menos não é a informação mais confiável que poderiam ter, mas mesmo assim compartilham”, comenta. De acordo com Hernando, isso ocorre porque, para essas pessoas, existem outras consequências, outros contextos e outros arranjos mais relevantes do que o fato de uma notícia ser verdadeira ou falsa. “Alguns fatores que interferem nisso são, por exemplo, a preocupação com o que as outras pessoas vão achar dela, com qual público elas estão se comunicando e como será sua aceitação em grupos específicos”, esclarece. Em novembro, um trabalho sobre os estudos será apresentado no 31° Encontro Anual de Iniciação Científica (EAIC) da UEL.
Essa primeira pesquisa contou com dados de locais como Estados Unidos, Grã-Bretanha, Japão, Nova Zelândia e África do Sul. De acordo com o coordenador do projeto, na área da Psicologia, ainda existem poucos estudos sobre o tema no Brasil, e o seu é uma das primeiras iniciativas. A partir de agora, a pesquisa irá focar em compreender a dinâmica local e o papel da cultura brasileira nesse fenômeno das notícias falsas e desinformação.
Próximos passos
Agora em uma nova etapa, o projeto irá desenvolver pesquisas em laboratório com ratos e macacos. O intuito é compreender quais processos simples de comportamento estão envolvidos na comunicação e na desinformação. Será elaborado um modelo de estudo para descobrir como esses animais contam uma mentira a outro. Para a realização desses testes, será montado um grupo com 10-15 estudantes da Pós-Graduação em Psicologia.
Segundo o coordenador do projeto, a partir dos dados coletados na pesquisa em laboratório, será possível associar quais comportamentos esses animais têm em comum com os seres humanos e, com isso, começar a entender a comunicação humana em relação às fake news. Além disso, a criação de um modelo animal contribui para que mais pesquisas sejam desenvolvidas no Brasil e no mundo, permitindo que outros pesquisadores interessados no tema façam análises com baixo custo financeiro a partir de diversas perspectivas.
Assim que os testes com animais forem finalizados, o projeto passará a fazer a pesquisa com seres humanos via internet. Nessa etapa, as fake news serão estudadas especificamente no contexto do Supremo Tribunal Federal (STF). Dessa forma, será investigado o que as pessoas pensam e falam sobre o órgão máximo do Poder Judiciário e quais notícias falsas e desinformação estão envolvidas nessas situações.
“Em parceria com o STF, vamos tentar entender como se divulga e se difundem as fake news na cultura brasileira, ou seja, quais aspectos permitem ou facilitam a construção e divulgação delas. Então, vamos estudar aspectos como a estrutura de um texto, como ele se organiza, quais são as partes constituintes dele e a função daquilo no comportamento humano, que geralmente envolve criar pânico moral, situações aversivas etc.”, detalha Hernando.
Devido ao tema estudado no projeto, o professor foi convidado, via Reitoria da UEL, para integrar uma força-tarefa de combate às fake news e à desinformação, criada pelo STF. A iniciativa reúne pesquisadores de várias universidades brasileiras que estudam o fenômeno em diversas áreas do conhecimento. A ideia do órgão é criar uma rede de contatos para que esses pesquisadores discutam o tema entre si, buscando entender e encontrar soluções para o problema. “Todo esse trabalho tem a ver, também, com em algum momento nós criarmos uma tecnologia e outras maneiras que auxiliem o STF nessa tarefa de se autoexplicar, de se colocar na mídia e evitar esses buracos de desinformação”, conclui o professor.
*Estagiária de Jornalismo na COM/UEL.