Uma psicanálise “invocante”
Uma psicanálise “invocante”
Como as manifestações de arte podem alcançar a subjetividade individual e contribuir não só para a formação do estudante, mas também em sua atuação profissional.O pintor, poeta, escritor e professor suíço Paul Klee (1879-1940) disse certa vez: “A Arte não reproduz o que vemos. Ela nos faz ver”. A ideia encontra algum eco na proposta do professor Leandro Anselmo Todesqui Tavares, do Departamento de Psicologia e Psicanálise (CCB), coordenador do projeto de formação complementar “Por uma psicanálise invocante: clínica, arte-cultura, sociedade”, em execução há mais de dois anos.
O professor tem o mesmo tempo de UEL, ou seja, implantou o projeto logo que ingressou na instituição. Ele já planeja expandir as atividades criando um projeto análogo, mas de pesquisa, pelo qual pode conseguir colaboradores bolsistas. Segundo Leandro, o projeto nasceu de uma linha de pesquisa que ele começou a seguir após seu doutorado, defendido em 2014 na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), de São Paulo. O trabalho, intitulado “Psicanálise e Musicalidade(s): Sublimação, Invocações e Laço Social”, já indicava uma palavra-chave: “invocações”. A tese virou livro em 2020 e recebeu duas indicações.
Pulsão invocante
No projeto, Leandro parte do conceito de “pulsão invocante”, proposto pelo psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981), um dos cânones da área. Na Psicanálise, as pulsões são impulsos, cargas psíquicas que orientam o comportamento dos indivíduos, como descreveu Sigmund Freud (1856-1939). Lacan acrescentou a pulsão invocante, ativada pelo som da voz, e que para ele ativa a cadeia significante no processo de formação do sujeito, ajuda a estruturar seu psiquismo. O professor dá um exemplo clássico: a voz da mãe para o filho bebê. “Para a criança, a voz é música. É algo que o chama à vida”, explica.
Existem muitos estudos sobre esta propriedade psíquica de “chamamento” da voz, e outros sobre as mesmas propriedades na música, como já confirmou o professor em sua pesquisa de doutorado. Mas, ele quer mais e indaga: e as outras formas de estética, de arte? A pesquisa não é incipiente: Leandro informa que já submeteu o artigo de um aluno para publicação e está preparando outro, com novos conceitos.
O coordenador do projeto lembra que Lacan afirmou, certa vez, que a arte é uma espécie de “catadora de migalhas” (ou de restos), no sentido que se apropria de fragmentos da realidade para criar e se expressar. Ou, nas palavras de Klee, a arte “nos faz ver”. E por que é “invocante”? Porque é capaz de fazer alguém sentir o que nunca sentiu antes, despertar (= invocar) um sentimento.
De acordo com Leandro, esta linha pode ser uma boa resposta àquilo que ele chama de “vazio psíquico contemporâneo”, o desalento constatado numa era de comunicação e informação em excesso, que redunda em solidão, relacionamentos precários e desinformação. O professor propõe ainda uma abordagem não ortodoxa, ou seja, ser lúdico, sorrir, usar o humor. “Por que não um analista bem humorado, ao invés daquele estereótipo?”, indaga. Enfim, o antídoto para este desalento é justamente a arte, que pode refinar a subjetividade e ajudar a reduzir a frustração da vida contemporânea.
Para se aprofundar nestes estudos, os participantes do projeto fazem encontros quinzenais – não interrompidos durante o isolamento e a suspensão das aulas presenciais – de três horas, quando realizavam apresentações teóricas mas também com cuidado estético e muita criatividade. “Teve de tudo: rock dos anos 60, literatura, músicas de protesto, entre outras manifestações estéticas”, informa Leandro.