A Constituição Federal sob as lentes da Economia Política

A Constituição Federal sob as lentes da Economia Política

Projeto de pesquisa busca na História da Economia Política a compreensão do modelo e desenvolvimento do Brasil desde o período colonial.

O senso comum e os 200 milhões de “economistas” no Brasil usualmente se arriscam a tentar explicar os cenários econômicos do país, não raro chegando à mesma conclusão: “É por isso que está assim!”. As teorias vão do apetite dos países imperialistas de hoje e sua aculturação imposta à colonização portuguesa do Brasil.

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Edição número 1418
de abril de 2022
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Há, porém, uma ciência que se ocupa deste assunto: a Economia Política, que se dedica ao estudo de todo o processo econômico e de sua relação com a dinâmica da sociedade. O termo foi cunhado pelo economista francês Antoine de Montchrestien (1575-1621), em seu livro “Tratado de Economia Política”, de 1615. Atualmente, designa o estudo da influência da política e das instituições nos mercados, e vice-versa. Por isso, recorre aos pensadores da Teoria Política.

A Economia Política é o foco de estudos do professor Eduardo Henrique Lopes Figueiredo há muitos anos. É docente do Departamento de Direito Público desde 2006, ano em que concluiu o doutorado na UFPR, em que realizou uma “investigação historiográfica do Direito e da Dominação”. Já seu pós-doutorado foi em Direito Econômico e Político, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, concluído em 2020. Ali já se debruçou sobre a perspectiva econômica no Brasil no período pós-colonial (1808 em diante).

O professor coordena desde então o projeto de pesquisa “Estado e Subdesenvolvimento: considerações para um pensamento autêntico”, no qual retoma a crítica da Economia Política para compreendê-la historicamente, junto à ideia de um Estado nacional no qual é muito difícil (talvez impossível) dissociar modelos políticos de modelos econômicos, naturalmente com consequências sociais. Figueiredo dá um exemplo: a abolição da escravidão deixou um enorme contingente de ex-escravos sem direito algum, exceto a liberdade. Foi um caso em que o Estado não agiu por esta população, e não foi apenas em 1888.

Como dispõe o projeto, “a dimensão social da vida material se relaciona com tarefas estatais pressupostas para correção da exclusão. O Estado, por meio de seu Direito Público, deve corresponder à forma jurídica de uma economia política voltada para transformações estruturais”. Mas, só para dar um exemplo, o direito de votar no Brasil Império esteve associado à renda (voto censitário).

Enfim, não é o que acontece na prática. Como bem observa o pesquisador, ainda hoje se flagram pessoas submetidas a trabalho análogo à escravidão, crime tipificado no artigo 149 do Código Penal. Segundo Figueiredo, estas ideias de opressão, racismo (que atinge etnias) e desvalorização dos trabalhos mais braçais são uma herança da mentalidade colonial europeia. Ou seja, faz mais de 200 anos que o período colonial acabou, mas modelos se mantêm, às vezes disfarçados, maquiados, tingidos de eufemismos.

Acontecimentos históricos

Importantes acontecimentos ocorreram sobretudo desde o século XVIII, com sérios desdobramentos e alcance intercontinental. Um exemplo foi a Revolução Francesa (1789), que mudou a política naquele país e gerou inovações jurídicas. O mesmo vale para a Revolução Industrial, na Inglaterra, que modificou completamente as relações trabalhistas, preferindo mão-de-obra operária à escrava, ainda que severamente explorada. A independência dos Estados Unidos (1776) trouxe junto uma série de pensamentos sobre direitos e liberdades, muito embora a escravatura naquele país só tenha sido oficialmente abolida quase 90 anos depois. Ou não: o estado do Mississipi só o fez, oficialmente, há 10 anos.

Para o professor Eduardo Figueiredo, a contribuição da História para este entendimento é fundamental. “O historiador é aquele que trabalha da consciência para a ação”, ou seja, desnuda os fatos e lança luz sobre os discursos construídos ao longo do tempo. Por isso o pesquisador destaca a importância de que todos tenham consciência da origem de cada expressão cultural, dos jogos às comidas; das palavras às leis.

Com esta consciência, os cidadãos podem identificar e compreender, por exemplo, de onde vêm os estatutos e conceitos da Carta Magna do Brasil. Muitas ideias, salienta o pesquisador, vêm de fora: dos Estados Unidos ou da Europa, isto é, ainda numa visão que enxerga o Brasil como colônia a ser explorada. Aí a pergunta: que tipo de desenvolvimento pode resultar desta perspectiva?

Novamente vem a ideia de que muitas vezes o Estado não age quando deveria fazê-lo. Ele exemplifica ao citar o período mais crítico da pandemia, em que se verificou a ausência do Estado em muitos momentos. “Vacinas demoraram, a gravidade da doença foi minimizada e até virou piada (de mau gosto). Recentemente, descobriu-se que lotes inteiros de vacinas foram simplesmente destruídos”, diz.

“Muitas vezes o Estado é ausente”, resume o professor Eduardo Figueiredo quanto à atuação do poder público (Arquivo)

Constituição Federal

Estatuto jurídico maior da nação brasileira, a Constituição Federal não representa apenas um conjunto de leis, mas é fruto de um contexto político, social e econômico do país, influenciado pelas leis de outros países, como os Estados Unidos, e pelo Direito anglo-saxão.

O artigo 3º diz que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

O que a realidade mostra, diferentemente, são modelos econômicos excludentes, desigualdade de oportunidades e até a romantização do sucesso profissional. O professor Eduardo fala do sentimento de “pertencimento” construído no imaginário para “ludibriar a pobreza”. “Os pobres se sentem como qualquer outro cidadão… durante o Carnaval. Nos outros 360 dias do ano, são vulneráveis e excluídos”, expõe. É o descompasso entre a “moldagem imaginária” feita pelos discursos desenvolvimentistas e a realidade de um Estado mais caracterizado pelas relações de poder do que de serviço.

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