Educação pelo diálogo, ação pelo pertencimento

Educação pelo diálogo, ação pelo pertencimento

Projeto de extensão multidisciplinar investe nos diferentes saberes e na participação ativa da comunidade para desenvolvimento de bairro na Zona Leste de Londrina.

O projeto de extensão “Diálogos e Educação Ambiental junto aos moradores do fundo de vale da comunidade do Abussafe” (Zona Leste de Londrina), coordenado pela professora Ideni Terezinha Antonello, do Departamento de Geociências (CCE) nasceu como inúmeros outros da Universidade: a partir da procura pela comunidade.

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Edição número 1421
de julho de 2023
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Este surgiu de uma demanda trazida em 2021 pelo Ministério Público ou, mais especificamente, pela Promotoria do Meio Ambiente, preocupada com a formação de um indesejável “lixão” naquela região, em razão do crescente acúmulo de resíduos, principalmente domiciliares. O MP chegou até a Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Sociedade, que convidou professores e pesquisadores para desenvolver ações no local. Várias áreas responderam e atualmente o projeto conta com docentes da Geociências, Arquitetura, Biologia, Veterinária e Ciência dos Esportes.

Os professores promoveram várias reuniões em grupo e algumas com o representante do Ministério Público. Oficializado, o projeto se reuniu com autoridades, como a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Sema) e a Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização de Londrina (CMTU). Realizaram reuniões numa escola local para apresentar o projeto e dias de campo com aplicação de questionários e diálogo com moradores do Abussafe.

“Entramos até no córrego para conhecer bem a região”, comenta a coordenadora do projeto, professora Ideni Antonello.

O “quase lixão” não existe mais, mas a área ainda não tem destinação definida. Uma das ideias é transformá-la em horta comunitária – uma ideia, aliás, que já existia em 2018, mas até agora não foi concretizada. Várias ações, contudo, foram realizadas, como tratativas com a Prefeitura para liberação de terreno próximo à ocupação; reuniões com o vice-prefeito para avaliação de potenciais áreas; e diálogos com os moradores sobre a uso da horta.

Diálogos

Um dos primeiros passos foi conhecer o lugar. A professora Ideni diz que fizeram uma visita cuidadosa do bairro, percorrendo ruas, casas e até entrando no córrego Água Cafezal, importante componente da área, quase um personagem. Isso porque o córrego, relativamente bem preservado, serve de área de lazer aos moradores, que usam inclusive para banhos em dias quentes. Ele possui uma das quase 30 cachoeiras urbanas de Londrina.

Neste levantamento de dados sobre o Abussafe, uma grande parceira é a Escola Municipal Francisco Pereira de Almeida Júnior, quase vizinha do córrego. A professora e ex-diretora Ivete Pimentel afirma que é extremamente importante ouvir a comunidade, conhecer as pessoas. “O bairro está crescendo muito e com isso vêm os problemas de estrutura, de salubridade”, ilustra. Os problemas são os de sempre, mas ela salienta o potencial local, seja para lazer, meio ambiente e economia. Ela exemplifica com a criação da horta comunitária, não só de alimentos, mas de plantas medicinais. “Mas, pode ser que a comunidade deseje outra coisa”, comenta. Por esta razão deve participar das decisões. A professora Ideni vai na mesma linha: “Por isso o projeto fala em diálogo. Queremos um diálogo entre os diferentes saberes”, acrescenta.

Os professores Diego Guilhen, Ivete Pimentel (da escola do Abussafe) e Leia Veiga (UEL):
todos defendem o importante papel da escola para alcançar os objetivos do projeto
Os professores Diego Guilhen, Ivete Pimentel (da escola do Abussafe) e Leia Veiga (UEL):
todos defendem o importante papel da escola para alcançar os objetivos do projeto.

A escola é um dos locais propícios para isso, como destaca o professor Diego Rodrigo Guilhen, também presidente do Conselho Escolar da instituição. Segundo ele, o bairro vem crescendo, e surgem alguns temores, como processos de degradação. Ao mesmo tempo, defende a riqueza natural da área. Para preservar tudo isso, ele aposta em, a partir da escola, envolver os pais e as famílias e desenvolver uma consciência ecológica unida a uma sensação de comunidade, de pertencimento, que leve à vontade de cuidar. Diego diz que algumas ações isoladas já deram mostras de sucesso, como uma experiência de plantio de girassóis. “As crianças ficavam perguntando o tempo todo: ‘Nós não vamos lá regar? Nós não vamos lá hoje ver como está?’” – conta o professor.

No caso, a escola Francisco de Almeida Jr., fundada em 1989, possui mais de 750 alunos, o que significa uma capacidade de expressiva mobilização no bairro. É no que acredita a professora Ivete: “Queremos os alunos envolvidos, mobilizados. É a escola que forma o cidadão”, sentencia.

Ocupação

Foi feito ainda um trabalho de campo especificamente na área de ocupação. O Jardim Abussafe tem uma onde vivem cerca de 15 famílias (quase 50 pessoas). Não faz 10 anos, e constituem um grupo de pessoas vulneráveis. Justamente pela falta de sensação de pertencimento, de estarem à margem, são pessoas que não procuram o posto de saúde local, por exemplo, às vezes arranjando qualquer desculpa para isso. Segundo Ivete, atualmente nenhuma criança da ocupação frequenta sua escola, embora algumas já tivessem passado por lá. Ideni diz ainda que nenhuma dessas famílias possui cadastro no Centro de Referência de Assistência Social (Cras), que garante uma série de benefícios sociais.

A condição destas pessoas é uma das principais preocupações do projeto porque, em sua visão, tais ocupações escancaram as contradições sociais do meio urbano e são fruto de uma lógica segregacionista que nega a parte da população o próprio direito à cidade. Trata-se de uma vulnerabilidade social e ambiental. A participação do curso de Arquitetura e Urbanismo da UEL inclui um estudo para a regularização fundiária para as famílias.

É bom frisar, e a professora Ideni o faz, que a presença destas famílias nada tem a ver com a formação do “lixão”. Até porque, com o crescimento do bairro, começou a aparecer outro tipo de resíduo: o de construções. A carência é de políticas públicas, ela afirma; e de apoio, por exemplo, às atividades de reciclagem.

Uma das saídas, todos concordam, é a criação de uma associação ou uma ONG. Com isso, é possível ter acesso a várias políticas públicas. Mas, a burocracia e a falta de recursos, inclusive humanos, têm dificultado a concretização desta ação, que segue em frente, mas devagar, com as ações de líderes como o professor Diego e a professora Ivete, que também atua no Conselho de Esportes e Lazer da Região Leste de Londrina. O projeto já realizou assembleias para discutir a iniciativa.

Reprodução/Jornal Notícia.

A professora Leia Aparecida Veiga, do Departamento de Geociências e participante do projeto, igualmente destaca a importância da escola, e informa que, feitos os levantamentos – que aliás são encaminhados à Promotoria – o projeto volta ao estabelecimento para discussões, levantar demandas e promover oficinas aos professores e à comunidade: é a visão de educação ambiental do projeto. “Mas, queremos saber da comunidade o que é preciso. Adoramos chegar lá e encontrar pessoas interessadas”, comenta. “E a UEL tem que estar presente”, completa Ideni. Cabe ressaltar que todas as ações têm como horizonte os objetivos de desenvolvimento sustentável propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Para Ideni, aliás, é também objetivo do projeto pensar a territorialização da área em suas diferentes dimensões – real, legal, histórico etc. – e envolver experiências educativas a partir da escola e seu entorno, e assim criar laços afetivos entre a instituição e a comunidade. Trata-se de uma Educação Ambiental preventiva, com desdobramentos práticos, estratégias e ações que envolvam atitudes de conservação e respeito ao ambiente com vistas à melhoria da qualidade de vida para todos, na visão da coordenadora do projeto.

Disseminação

Há muito a ser feito, mas o projeto já rendeu frutos. Alunos de Iniciação Científica (graduação) já passaram pelo projeto e um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi elaborado a partir dele. Uma doutoranda de medicina, orientada pela professora Ideni, desenvolve sua tese no Abussafe. Outra tese, da Geografia, foi defendida em abril passado.

As professoras preparam um artigo para publicação e destacam, ainda, uma apresentação, em 2022, no Geosaúde, evento internacional (luso-brasileiro) anual que debate os desafios e desigualdades da área de saúde e territorial nos países lusófonos.

O projeto conta com os colaboradores docentes Léia Veiga, Jeani Moura, Antônio Pires, Cristiano Medri, Morgana da Silva, Thamine Ayoub e Fernanda P. Ferreira; os discentes são Regina Franco, Agda Davi, Osmar Filho e Rafaela Estradiote; os externos: Alan Alves Alievi e Caio Cezar Cunha.

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