Assim na Terra como no espaço

Assim na Terra como no espaço

Pesquisa simula movimentos de aparelhos sensores em veículo de sondagem sub-orbital para avaliar precisão de equipamentos em possíveis e variadas aplicações.

Com 23 anos de carreira na UEL, há duas décadas o professor Marcelo Carvalho Tosin (Departamento de Engenharia Elétrica) atua em pesquisas ligadas ao programa aeroespacial brasileiro. Tudo começou com a contemplação em dois editais da Agência Espacial Brasileira (AEB), em 2003, para o desenvolvimento de pesquisas em microgravidade, ou seja, em gravidade zero – condição que não necessariamente exige um voo espacial, mas pode ser simulada.

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Edição número 1422
de agosto de 2023
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Desde 2016, o pesquisador, que é pós-doutor pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), coordena o projeto “Desenvolvimento de uma simulação HIL (Hardware In the Loop) para a validação de um método de estimação da atitude do veículo de sondagem VSB-30”. Em palavras mais simples, trata-se de simular mudanças de posicionamento ou movimentos (atitudes) durante todo o seu voo, que pode chegar a mais de 100 km de altitude.

O simulador HIL foi construído para o desenvolvimento do instrumento denominado experiência MEMS (e-MEMS), que usa sensores do tipo microeletromecânicos (MEMS) – girômetros, magnetômetros e acelerômetros, comumente usados em carros e telefones celulares. Este simulador possui dois componentes principais, um computador para simulação, para geração de dados em tempo real e coleta de dados da experiência em teste, e uma bobina de Helmholtz tridimensional, capaz de gerar um ambiente com campos magnéticos controlados no qual a experiência é exposta.

Soa muito complicado, mas imagine o seguinte: aviões, carros, equipamentos médicos ou até um videogame precisam funcionar sem falhas. Para testá-los antes de ter que construí-los, os fabricantes desenvolvem protótipos alimentados com dados gerados por algoritmos que simulam seu comportamento sob determinadas condições de uso. Assim, a simulação HIL economiza recursos, testa a confiabilidade do projeto e evita testes destrutivos – por exemplo, seria muito caro ou quase impossível testar em voo todos os sistemas que integram um avião. “Colocar estes sistemas em um ambiente de simulação realimentado com suas respostas permite verificar sua correta operação nas mais diversas condições de operação”, explica o pesquisador.


“É um grande desafio construir um instrumento para voar em um foguete de sondagem, pois é um ambiente muito hostil, com grande variação de temperatura e vibrações muito intensas”, diz o professor Marcelo Tosin.

Sensores

No caso, o professor Marcelo pesquisa a eficiência dos sensores e algoritmos para a determinação da atitude (orientação) em um foguete, no caso o VSB-30, que pode chegar a 200km de altitude. O objetivo do veículo é colocar experiências científicas em um ambiente simulado de gravidade zero. Assim, em um dado momento, o veículo alcança a gravidade zero, e começam os testes, que não duram mais do que alguns minutos, até que comece a cair sob a ação gravitacional.

O VSB-30 é um foguete espacial brasileiro desenvolvido pelo IAE e cujo voo inaugural foi realizado em 2004. Mede quase 13 metros de comprimento, possui dois estágios, pode levar carga útil de até 400kg e superar Mach 6 (6 vezes a velocidade do som). Os foguetes são lançados da base localizada em Natal (RN) ou Alcântara (MA). Este foguete é exportado para a Europa, realizando voos de testes em microgravidade na base de Esrange, localizada no círculo polar ártico. Foi no Maranhão que este projeto da UEL realizou experiências em 2016.

O projeto coordenado pelo professor Marcelo objetiva justamente validar os algoritmos testados no ambiente HIL, tendo em vista o uso de girômetros, acelerômetros e magnetômetros na estimação de atitude (orientação) deste seu lançamento, ou seja, a duração do voo do VSB-30. Os girômetros, por exemplo, informam a velocidade e a posição angular. “Por ele sabemos se o satélite não ‘capotou’”, exemplifica o professor. Os demais sensores contribuem para melhorar a estimação da posição angular, diminuindo os erros inerentes dos girômetros. Ou seja, os dados dos sensores são “fundidos” de forma a obter a atitude do veículo.

O pesquisador lembra que é um grande desafio construir um instrumento para voar em um foguete de sondagem, pois é um ambiente muito hostil, com grande variação de temperatura e vibrações muito intensas. Estes obstáculos, felizmente, foram contornados. Mas outros, como a dependência dos sinais lidos dos girômetros com a aceleração do veículo, ainda são objetos de estudos e influenciam significativamente na precisão da atitude calculada. É o que o projeto da UEL faz.

A orientação ou atitude de um sistema é muito importante para determinadas aplicações espaciais. Por exemplo: as câmeras em um satélite devem ser apontadas para uma posição predeterminada, a fim de obter as imagens desejadas na Terra. Pode-se imaginar que a precisão no apontamento ou a orientação do telescópio espacial James Webb para fazer imagens de determinado ponto nos confins do universo deve ser muito grande. Já na Terra, tal conhecimento permite saber, por exemplo, para qual direção um caminhoneiro está dirigindo seu veículo (talvez fora da rota?), ou até se um automóvel parou para abastecer ou porque sofreu um acidente e capotou.

Os girômetros informam a velocidade e a posição angular.

O projeto compara dados de experiências anteriores, como testes realizados em 2016 durante a campanha de lançamento denominada operação Rio Verde, com as simulações HIL. De fato, ainda este ano deverá haver mais um lançamento, de acordo com Marcelo Tosin. Ele explica que, mesmo com a pandemia, foi possível fazer atualizações na experiência MEMS, o que manteve o projeto em atividade. O coordenador observa que muitos dados anteriores necessitaram de tratamento, mas os modelos têm melhorado e há mais precisão e resolução. A versão de voo da e-MEMS, segundo o pesquisador, foi construída em uma impressora 3-D e feita com materiais alternativos, não magnéticos, como plástico, alumínio e até mesmo MDF, justamente para que campos magnéticos não interfiram nas leituras.

Produção acadêmica

Além do desenvolvimento de aparelhos e obtenção de dados para a AEB, o projeto tem ampla produção acadêmica. Já rendeu apresentações em eventos científicos, publicação de artigos, trabalhos de Iniciação Científica (graduação), duas dissertações de Mestrado e uma tese de Doutorado. Atualmente, conta com mais dois docentes, os professores Francisco Granziera Júnior e Daniel Strufaldi Batista. Na verdade, segundo o coordenador, o projeto extrapolou para o estudo da calibração dos sensores, especialmente magnetômetros.

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