Receita de Justiça
Receita de Justiça
Cursos de Farmácia e Medicina assistem o Poder Judiciário com a elaboração de notas técnicas em demandas que envolvam tecnologia de medicamentos.O Conselho Nacional de Justiça criou, em 2016, o Núcleo de Apoio Técnico Judiciário (NatJus). É uma plataforma que funciona como banco de dados de pareceres e notas técnicas a fim de auxiliar os magistrados em suas decisões, fornecendo fundamentos científicos para decidirem se concedem ou não determinados tratamentos ou medicamentos. Tais pareceres e notas se fundamentam na Medicina Baseada em Evidências que, para responder uma questão clínica, busca a melhor evidência científica disponível e a expertise do(s) profissional(is) envolvido(s).
Espalhados pelos tribunais do país, os Núcleos assistem os tribunais, uma vez que os juízes não são especialistas em medicamentos e precisam de informações técnicas confiáveis e com lastro científico, para melhor decidirem. Desde a Constituição Federal (1988) e a lei 8080/90 (que instituiu o Sistema Único de Saúde), e particularmente nos últimos anos, tem aumentado acentuadamente o número de demandas judiciais envolvendo prescrição e uso de medicamentos, algumas vezes gerando conflitos entre o direito individual ao acesso ao medicamento, contra sua indisponibilidade no sistema (precisa ser importado), eficácia comprovada, preço alto e relação custo/benefício, entre outros aspectos.
No Paraná, o primeiro e único NatJus do interior do estado está em Londrina, na forma de um projeto de extensão do Departamento de Ciências Farmacêuticas (CCS), coordenado pelo professor Camilo Molino Guidoni. O projeto vigente (2020-2025) é na verdade a segunda versão, pois a primeira atuou de 2017 a 2020, e surgiu de uma demanda externa, de uma solicitação do juiz da 3ª Vara Federal de Londrina, Bruno Henrique Santos. Guidoni fazia parte do Conselho Regional de Saúde e a crescente judicialização dos medicamentos levou à criação do NatJus.
Para se ter uma ideia, o professor informa que, entre 2010 e 2016 (antes dos Núcleos), houve um aumento de 547% nos gastos públicos com medicamentos em decorrência de demandas judiciais. E em 2017, só no Paraná, praticamente a metade dos recursos destinados à aquisição de medicamentos (49%) foi gasto por ordem judicial. Diante deste cenário, o professor defende um amplo e urgente debate sobre o conflito entre a dimensão comercial e a saúde pública e suas políticas. Simplesmente quebrar uma patente pode não resolver o problema dos custos.
Não é perícia!
O NatJus não faz perícias judiciais, mas notas técnicas, ou seja, documentos clínicos científicos que, no caso, versam sobre tecnologia farmacêutica. Um exemplo: uma ação judicial solicita um determinado remédio para tratamento de osteoporose. O juiz então aciona o projeto para fundamentar sua decisão de autorizar ou não.
A nota técnica tem duas partes: farmacêutica e médica. A primeira consiste em 10 questões-padrão a serem respondidas pelo farmacêutico. Como estas: o medicamento requerido tem registro na Agência de Vigilância Sanitária? É adequado para a doença em foco? Existe em versão genérica ou similar? Qual seu valor de mercado? Ao mesmo tempo, os médicos do projeto respondem outras 13 perguntas sobre a doença, estado clínico do paciente, possibilidade de outros tratamentos antes. E, em ambos os casos, sobre o PCDT – Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas -, que definem critérios para o diagnóstico e tratamento da referida doença.
Podem chegar ao projeto casos mais ou menos difíceis, de vários pontos de vista. Um exemplo dado pelo coordenador: um paciente vai à Justiça pedir infusão de insulina (contínua). Pode ser que as condições clínicas não indiquem este, mas outro procedimento. Porém, existe o fator conforto do paciente, que pode pesar. Agora imagine um paciente grave que necessita de um medicamento muito caro e que vai apenas prolongar sua vida por poucos meses. O dilema extrapola as partes do processo, porque quando se trata de recursos do SUS, é bom lembrar que eles são limitados. É cruel, mas às vezes é uma questão de decidir entre um remédio caro para poucos ou mais comuns para muitos.
Especialidades
Atualmente, o projeto conta com médicos de sete especialidades: Pneumologia, Reumatologia, Infectologia, Neurologia, Nefrologia, Oncologia e Gastrologia. Além deles e dos farmacêuticos, participaram ou participam alunos de graduação, inclusive de Iniciação Científica (IC) e Iniciação à Extensão (IE), e de pós-graduação – até um doutorando, segundo o professor Camilo. Os alunos disseminam o projeto em eventos científicos.
Um ponto forte do projeto são as parcerias. Ele conta com participantes da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Londrina, Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu e três farmacêuticos da 17ª Regional de Saúde (Londrina), além do juiz federal Bruno Henrique Santos e ainda um convênio da UEL com o Tribunal de Justiça do Paraná – que, aliás, está prestes a ser renovado.
Desde 2017, o projeto já elaborou quase 450 notas técnicas. De acordo com o coordenador do NatJus Londrina, elas pesam muito nas decisões judiciais e têm recebido uma avaliação muito positiva do Poder Judiciário.
Se contar que cada nota técnica representa produção de conhecimento científico qualificado, o projeto é particularmente profícuo. Cabe lembrar do banco de dados que o CNJ está montando com todos os pareceres e notas, que se tornam, além de apoio à Justiça, material de consulta para atividades de ensino e de pesquisa. E como extensão, o projeto ajuda na formação profissional e está indicado para a curricularização.