Confie desconfiando
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Laboratório visa promover a conscientização da população quanto aos riscos e ameaças na internet e disponibilizar ferramentas de proteção e segurança digital.O Núcleo de Combate aos Cibercrimes (Nuciber), de Curitiba, registrou, em 2019, perto de 4 mil atendimentos, apenas em sua área de abrangência, a capital do estado. Em 2021, no período pandêmico, foram quase 17 mil. Como afirma o advogado e especialista em Direito Digital, Fernando Peres, “as pessoas estavam em casa e os criminosos também, aprimorando seus golpes pela internet”. Como o Nuciber de Curitiba é único no estado, Peres protocolou, há um ano, um pedido na Secretaria de Estado da Segurança Pública para a instalação de outra unidade em Londrina. Ainda não aconteceu.
Por outro lado, Peres participa do projeto de extensão “Laboratório de Pesquisas e Estudos de Crimes Cibernéticos (Cyberlab)”, coordenado pelo professor Rodolfo Miranda de Barros, do Departamento de Computação (CCE). Entre os objetivos, está o de promover a conscientização da população em relação aos riscos e ameaças vinculadas à Internet no intuito de assegurar maior segurança digital e privacidade de dados pessoais. Para isso, o projeto atua em 20 escolas municipais de Londrina.
Os crimes pela internet aumentam em número e formato conforme a tecnologia avança, daí a necessidade de desenvolver políticas e procedimentos preventivos de segurança, tanto pelas autoridades quanto pelas empresas e instituições, assim como pelos usuários individualmente. De acordo com Peres, os crimes são dinâmicos e exigem atenção e cuidados o tempo todo. Ele lembra, dando exemplo com compras virtuais, que muitos “sinais” de segurança – como o desenho do cadeado ou uma tarja de “compra segura” podem ser facilmente simulados pelos criminosos. Peres informou que quase dois terços dos crimes virtuais no biênio 2021/2022 foram estelionatos, ou seja, golpes para tirar dinheiro das vítimas. Aliás, segundo o advogado, este crime aumentou 200% no Paraná no referido período.
Porém, existem outros crimes, como ameaça, falsidade ideológica e crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação). Ou, como diz Peres, “velhos crimes em novos meios”. Mas, não só: invasão de dispositivo informático (Código Penal, artigo 154-A) foi tipificado em 2012.
Parte do problema está na exposição de dados pessoais, facilmente encontrados nas redes sociais. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de 2018, veio para limitar e proteger os cidadãos. Mas, por outro lado, existe a Lei da Transparência (2011), que expõe até a remuneração de milhares de pessoas. E pedir uma certidão negativa de outra pessoa ou empresa, ou o famoso “nada consta” para um contrato? O advogado explica que a legislação deve ser aplicada linear e sistematicamente, pois uma lei não prevalece sobre a outra, mas restringem ou permitem em conjunto.
Maturidade
Para os participantes do projeto, não cair nos golpes da Internet tem a ver com uma espécie de maturidade, ou seja, a capacidade de avaliar as situações e não se deixar atrair por propostas e cenários fáceis ou muito convenientes. “As pessoas são dependentes e vulneráveis às informações da internet. A pandemia acentuou isso, pois elas passaram a procurar informação principalmente pela rede, e muita informação falsa circulou junto”, explica o advogado. E continua: “Por outro lado, as pessoas compram por impulso, creem que descobriram uma rara oportunidade, e se caem em algum golpe, sentem vergonha de admitir e procurar ajuda, e escondem o ocorrido de todos, dando por perdido e pronto”.
Esta maturidade, segundo Peres e o professor Rodolfo, está associada à desconfiança. Mas, muito além daquilo que é propagado como “sinais de segurança”, como um número de CNPJ ou endereço físico de uma loja virtual. O advogado dá um exemplo: uma pessoa recebe uma mensagem escrita de um número conhecido pedindo dinheiro. Para confirmar, ela pode responder e pedir um áudio, para verificar se foi mesmo o conhecido que enviou.
Claro que até isso pode ser simulado. Peres mostrou casos em que a biometria facial (usada em portarias de condomínios e aeroportos, por exemplo) foi facilmente simulada. O mesmo com biometria digital (dos dedos). A ideia, então, é fazer várias, diferentes verificações. Por isso, a recomendação básica é: desconfie. Começa com uma intuição, mas deve ir bem além: faça múltiplas checagens. Não se preocupe se parecer incômodo. Insista.
Tutoriais e cartilhas
No Cyberlab, os participantes desenvolvem ou ainda desenvolverão uma série de atividades, como leituras, pesquisas de campo (questionários), entrevistas com especialistas, discussão de casos e a elaboração de materiais educativos para a conscientização e prevenção em torno dos cibercrimes. Flyers, cartilhas (impressas e digitais), softwares, tutoriais, aplicativos móveis, são alguns que já estão sendo ou serão criados. Visitas e conversas nas escolas também estão sendo feitas. Para o futuro próximo, abrir um canal de comunicação virtual e prestar orientação a toda a comunidade. Fisicamente, o Cyberlab funciona junto com outro Laboratório da Computação, o GAIA.
Para o coordenador do projeto, o Laboratório representa uma bem-sucedida convergência da necessidade de prevenção a tais crimes, a expertise do advogado especialista e o interesse dos alunos do curso de Computação. “Eles demonstraram verdadeiro entusiasmo pelo projeto”, comenta o professor Rodolfo. Também são objetivos do projeto formar profissionais capacitados para atuar em áreas relacionadas à segurança digital e à privacidade dos dados dos usuários, e incentivar a pesquisa na área.
No momento, o projeto conta apenas com alunos de graduação, mas, logo chegará um mestrando com bolsa da Capes. Além disso, alunos do curso de Design Gráfico participarão da produção dos materiais. O professor ainda Rodolfo acrescenta que o projeto procurará parcerias para expandir.