“A ideia é se desafiar!”

“A ideia é se desafiar!”

Professora promove diálogos entre a tradição e a atualidade para criar e experimentar poéticas e espetáculos cênicos.

Docente da UEL há mais de 20 anos, a professora Adriane Maciel Gomes, do Departamento de Música e Teatro, ministra a disciplina de Direção, na segunda metade do curso de Artes Cênicas. Com os alunos, ela estuda encenadores conhecidos, não como uma metodologia fechada, mas em diálogo com a atualidade. Esta abordagem vem de longe, desde seu Mestrado em Literatura e Cultura Russa (USP, 2009), quando se aprofundou no estudo do ator, diretor e teatrólogo russo Constantin Stanislavski (1863-1938) que, ao final de sua carreira, após muitas experimentações, desenvolveu o chamado “sistema de análise ativa”.

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Edição número 1426
de dezembro de 2023
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No Doutorado (concluído em 2017 na Unicamp), ela prosseguiu na pesquisa sobre apropriação e ressignificação de elementos da tradição teatral na formação do encenador, inclusive com bolsa-sanduíche (Capes) na Universidade de Milão. Sua formação inclui ainda um curso com a professora Nair D’Agostini, também doutora em Literatura Russa, primeira brasileira formada na Rússia a partir do Método de Análise Ativa, de Stanislavski, e autora de livros sobre ele.

O pensamento de Stanislavski é a base do projeto de Ensino coordenado por Adriane, intitulado “Tradição e renovação na encenação”, vinculado à disciplina. Ela aponta, aliás, um diferencial: trata-se de uma matéria que conta com a participação frequente de ex-alunos, já formados, que vêm pedir orientação para algum trabalho ou apenas participar com os colegas graduandos. Vários participaram de projetos anteriores.

Ao se referir à “tradição”, Adriane explica que se trata das bases de um fazer teatral, daquilo que já se sabe sobre isso, e como tudo ecoa na atualidade, promovendo uma renovação. Há muitos momentos, como e teatro grego o shakespeariano, ou a commedia dell’arte, muito popular na Europa renascentista e que se opunha à comédia erudita, com improvisos. Enfim, uma tradição que dialogue com a atualidade e sua própria realidade e contexto. Neste aspecto, conta a professora, a própria turma se dirige. Nas aulas, os alunos experimentam. “É um exercício de se ver de fora”, comenta.

“É muita pesquisa, muita abnegação e também renúncia. Mas fazemos para que as pessoas busquem o teatro”, afirma a professora Adriane.

Modos de fazer

E onde entra Stanislavski? De acordo com Adriane, o diretor russo teve uma vida dedicada à renovação teatral, fez suas próprias experimentações ao longo da carreira e idealizou um sistema aberto que permite inúmeros modos de fazer teatro, mas com uma tônica: a ação. É um teatro não centrado no texto, não é ele o objeto da análise, mas o que parte da encenação. Neste ponto, contam muito as referências culturais dos encenadores que, dentro de um contexto, podem fazer uma mesma cena, mesmo a mais comum (como levantar da cama e se preparar para sair de casa), de muitas maneiras diferentes. E deve ser assim mesmo.

A professora Adriane dá um exemplo: uma turma produziu uma encenação a partir de tirinhas em quadrinhos de Laerte. Extrapolando o conteúdo (o texto), os alunos criaram diferentes possibilidades de encenação. “O texto é parceiro, mas não é intocável. Ele não dita as regras”, explica. O sistema de Stanislavski estimula processos criativos e impede qualquer tipo de “fechamento” de interpretação. Assim, a mesma tirinha (ou qualquer texto) pode ser encenada de forma cômica, trágica, ou outra. Igualmente, são possíveis as experimentações na direção. “O ‘sistema’ traz um frescor à encenação, há um despir-se que permite improvisar. Claro que não é um ‘espontaneísmo’, mas um diálogo com o que veio antes [a tradição]”, conta a professora, entusiasmada. Para isso, existe um ingrediente-chave: o ensaio. “Muito ensaio. Às vezes a gente aprende pelo erro. Pode não haver uma resposta final”, acrescenta.

Mise en scène

De fato, conta a professora, antes do século XX não havia diretores. Nesta história, ela destaca a figura do ator, autor e diretor André Antoine (1858-1943), considerado o inventor da moderna mise en scène na França, e que criou seu próprio teatro para levar adiante sua visão. A efervescência nas Artes, com as muitas vanguardas das primeiras décadas do século passado também atingiu o teatro, que propôs inovações. Até a criação da luz elétrica causou impacto pois, ao aprimorar a iluminação, abriu caminho para novos figurinos, jogos de luz e sombra (ilusões) e trilhas musicais.

Hoje, o que se tem, de acordo com a professora, é um teatro pesquisado. Durante o período soviético, havia muitas restrições, censuras e até cortes e destruição de partes de obras. Depois, começou um processo de restauração e valorização do legado. “Mas há muito o que aprender ainda, como por exemplo montar uma obra sem datá-la”, exemplifica Adriane. Na UEL, continua a exploração de possibilidades de criação. À frente, “Woyzech”, uma peça do alemão Georg Büchner, que faleceu em 1837 aos 23 anos de idade. A peça é inacabada, mas considerada a obra-prima do autor.

“Existe um ingrediente-chave: o ensaio. Muito ensaio. Às vezes a gente aprende pelo erro. Pode não haver uma resposta final”, explica a coordenadora do projeto.

Adriane lembra que o teatro é lazer e entretenimento para o público, mas para os atores, diretores e outros envolvidos é profissão, é ofício. E mais: é normalmente desenvolvido nos “contraturnos” (à noite, após um dia de trabalho). “É muita pesquisa, muita abnegação e também renúncia. A ideia é se desafiar. Mas fazemos para que as pessoas busquem o teatro”, completa.

Participação

No momento, participam três docentes do curso de Artes Cênicas, estudantes de graduação (alguns bolsistas) e os egressos, que vêm dos estados do Paraná e São Paulo. Dois atualmente são mestrandos, e dois são professores de Artes Cênicas. O projeto já rendeu Trabalhos de Conclusão de Curso e apresentações em eventos acadêmicos.

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