O jogo da democracia

O jogo da democracia

Projeto de pesquisa cria jogo de RPG para ensinar Ciência Política a estudantes do Ensino Médio e Superior.

Quando concebido, era para ser um projeto de pesquisa com o objetivo de realizar estudos, análises e reflexões sobre o ensino de Ciência Política, através de leituras e discussões de textos, pensadores e conteúdos da área, pensando na prática de sala de aula. Mas o projeto “O ensino de Ciência Política: temas, conceitos, autores e teorias”, coordenado pela professora Renata Schlumberger Schevisbiski (Departamento de Ciências Sociais), acabou propondo uma metodologia ativa e lúdica para aprofundar o assunto: um jogo de RPG (Role Playing Game) ou, em bom português, Jogo de interpretação de papéis.

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Edição número 1426
de dezembro de 2023
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O projeto teve início em 2018 e representa a junção da trajetória acadêmica e de pesquisadora da professora Renata, desde 2011 efetivada na UEL, e que une Ciência Política (CP) e Educação. Uma de suas preocupações sempre foi estudar questões didáticas e desenvolver metodologias de ensino de CP. “A UEL é referência em ensino das Ciências Sociais, das quais faz parte a Ciência Política”, afirma. Ela explica que esta se desenvolve como num eixo ao longo do curso de graduação, aborda temas como Políticas Públicas, Política Brasileira, CP Clássicas e Contemporâneas, mas ainda falta um olhar didático pensando no espaço escolar como lugar de engajamento.

Em 2018, Renata era vice-diretora regional sul da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), quando já vinha amadurecendo a proposta do projeto e ministrou um curso pela entidade. Foi o gatilho. O ano de 2019 foi de mobilização de alunos para participar, mas a pandemia, em 2020, atrapalhou. Ainda assim, o projeto continuou, remotamente, mas com apenas dois alunos, um dos quais bolsista. Temas como a crise das democracias foram estudados e debatidos.

Em 2022 e 2023, com o retorno às atividades presenciais, o projeto foi contemplado com mais duas bolsas FAEP, e aí surgiu a ideia de criar um jogo para trabalhar esta crise tão falada. O interesse dos alunos foi imediato. Renata procurou então uma parceria com o professor Ernesto Ferreyra Ramírez, do Departamento de Engenharia Elétrica da UEL, para desenvolver o jogo.

Em mente, a criação de um jogo de tabuleiro (tátil) em que fosse possível abordar a dinâmica dos acontecimentos de uma sociedade, enfrentar dilemas e ambiguidades, tomar decisões e arcar com suas consequências. “O jogo é atraente. Ele é aberto a diferentes narrativas e personagens e tem flexibilidade para simular muitos cenários e problemas”, conta Renata. O jogo permite discutir consequências do autoritarismo, ausência de direitos, distorção do regime, desigualdades sociais, segregação social, problemas urbanos, e muito mais. Quando uma democracia se torna uma ditadura? São questões que sempre aparecem.

No jogo, é possível desde convocar e realizar eleições, como promover um golpe de Estado. Até a pandemia entrou no jogo, como mais um cenário de incerteza. A professora explica que a indeterminação, a incerteza, é traço típico das democracias.

No jogo, é possível desde convocar e realizar eleições, como promover um golpe de Estado.

Chega a ser frágil, exigindo constante vigilância. Renata conta que os estudantes que já jogaram viveram papéis pró-democracia, pois todos querem defender os valores democráticos, notadamente as liberdades. “É um cuidado pedagógico, mas alguns mudam de perspectiva às vezes”, aponta Renata. Mas é um jogo, e como tal imita a vida: decisões envolvem interesses, conflitos entre grupos e bens sociais, ações políticas, intervenção do Estado, opinião pública, fake news, denúncia de fraude eleitoral, entre tantos outros fatores. “Os estudantes se identificam”, comenta a professora.

A literatura da área fornece fundamentação, mas há mais: dramaticidade e sensibilização, por exemplo. Tantas possiblidades propiciam uma análise comparativa, ou seja, geram estudos de casos comparáveis às experiências de países reais. No fundo, lembra a professora, trata-se de debater o que é democracia, sua ascensão, aprofundamento, formatos e riscos. Afinal, pondera ela, nada é garantido. O totalitarismo espreita o tempo todo e ganha espaço justamente por causa da ambiguidade da democracia.

Para alicerçar tudo, entram autores como o filósofo e historiador francês Claude Lefort (1924-2010), que desenvolveu uma lógica democrática, e o sociólogo britânico Thomas Humphrey Marshall (1893-1981), que escreveu sobre cidadania. E ainda: o sociólogo norte americano Larry Diamond, que fala de regimes híbridos (será que existe democracia pura? Ou: será que existe democracia mesmo?) e o cientista político também norte americano Robert Dhal (1915-2014). Sem falar nos clássicos, como Jean-Jacques Rousseau, Thomas Hobbes, John Locke, etc.

Livro do mestre

Embora tenha nascido como projeto de pesquisa, ele já extrapolou esta condição. A coordenadora conta que dois professores da rede de ensino já se interessaram pelo jogo, na Escola Municipal Machado de Assis e no IEEL (Instituto de Educação Estadual de Londrina).

Para a professora Renata, o jogo contribui para a formação de cientistas políticos,
que vem ganhando mais espaço para atuação na esfera pública.

O projeto fornece o Livro do Professor (ou, no jargão do jogo, “Livro do Mestre”), que apresenta e delineia os cenários, problemas, assim como textos de apoio e atividades. ‘A Ciência Política dá as ferramentas”, acrescenta a professora Renata. Assim, cada aluno jogador fica com um tema, como fake news – que já rendeu até uma oficina baseada em exemplos reais. Já os “Livros dos Estudantes” trazem orientações e possíveis decisões a serem tomadas.

Na avaliação da coordenadora do projeto, o jogo contribui para a formação de cientistas políticos, que vem ganhando mais espaço para atuação na esfera pública. A visão científica, segundo ela, é boa para a sociedade e para a democracia, favorece o aprimoramento da cultura política. E a escola, para a professora, é o espaço ideal para o protagonismo, mas ainda não aproveitado adequadamente.
O jogo foi levado para a reunião da SBPC em Curitiba este ano e fez grande sucesso, especialmente entre os estudantes.

Atualmente, o projeto conta com 10 estudantes de graduação, os dois professores da rede de ensino, os professores Ernesto (Engenharia Elétrica/UEL) e Rodrigo Maier (Ciências Sociais), e uma aluna de Letras (Literatura) deve passar a integrar o grupo em breve. A coordenadora disse que pode ainda envolver os cursos de Design e Computação da UEL, e até um pesquisador da Universidade Federal do Piauí pode fazer parte do projeto.

A professora já publicou vários artigos sobre o projeto, como no VIII Encontro Nacional de Ensino de Sociologia na Educação Básica. Foram também diversas apresentações em eventos científicos.

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