De olho nos escorpiões

De olho nos escorpiões

UEL e Vigilância Ambiental observam e coletam estes aracnídeos, testam armadilhas e estudam agentes biológicos para matá-los, assim como atuam na prevenção.

Eles são encontrados no meio urbano e rural. De hábitos noturnos, gostam de se abrigar em lugares escuros e úmidos. Podem estar sob entulhos (tijolos, tábuas, lixo), pedras, mas também no jardim (especialmente no ponto onde uma calçada encontra um gramado), e nos esgotos. Aprenderam a conviver com os seres humanos e se alimentam de insetos, preferentemente a barata. Não costumam se deslocar para longe de seu abrigo, mas já foram encontrados em apartamentos do 15º andar.

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Edição número 1427
de fevereiro de 2024
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Eis os escorpiões. Cientificamente falando, o gênero mais comum no Brasil é o Tityus, do qual a espécie mais conhecida e perigosa de todo o continente sul-americano é o serrulatus, conhecido como escorpião amarelo. Ele não é originário do Paraná, e sim do bioma do Cerrado, mas se espalhou por todas as regiões, estando presente em cerca de 20 estados. Possui um veneno muito potente e pode se reproduzir por partenogênese, ou seja, a fêmea não precisa de um macho para gerar os filhos. Pode haver três ninhadas ao ano, cada uma com 20 filhotes.

O professor João Antonio Cyrino Zequi (Departamento de Biologia Animal e Vegetal) vem pesquisando os escorpiões em Londrina há cerca de 13 anos, quando orientou um aluno de graduação (numa outra instituição) que criava o aracnídeo e tinha interesse em pesquisá-lo. Na época, entraram em contato com pesquisadores baianos que estudavam um fungo, o Aspergillus tamarii Kita, capaz de matar os filhotes.

A picada do escorpião amarelo causa dor intensa, entre vários outros sintomas.

Zequi explica que o fungo não consegue penetrar no exoesqueleto do escorpião adulto. A fêmea desenvolve os ovos dentro de seu corpo, mas, depois que eclodem, os filhotes ficam no dorso da mãe, e ali o fungo pode agir, “derretendo” a cria, como ilustra o professor.

Infelizmente, os experimentos acabaram também extinguindo todo o fungo testado, e por algum tempo as pesquisas avançaram mais lentamente. Em 2017, Mário Inácio da Silva, da Vigilância Ambiental da Secretaria Municipal de Saúde, procurou o professor Zequi para propor uma parceria interinstitucional, ainda em vigor. A ideia era desde promover coletas de espécimes nos cemitérios da cidade para monitoramento e testagem de armadilhas até a ampliação do conhecimento do cenário local para subsidiar ações de prevenção a acidentes, conhecidos como “escorpionismo”.

A picada do escorpião amarelo causa dor intensa, entre vários outros sintomas: náusea, vômitos, tontura, excesso de suor e salivação, palidez e alteração da pressão arterial (para mais ou para menos). Normalmente as crianças sofrem mais. Entretanto, em geral não leva a óbito. Dados da Vigilância Ambiental de Londrina falam em 1.014 ocorrências entre 2007 e 2023, felizmente sem mortes. Mas a preocupação é com o aumento de casos: em 2000 não houve nenhum no município.

A Vigilância Ambiental atua em cemitérios da sede do município e de um distrito, realizando coletas periódicas de escorpiões em armadilhas desenvolvidas pelo próprio Mário, que experimenta, testa, avalia e aprimora os modelos. Aliás, que devem ser patenteados, para garantir o uso adequado e consequente eficácia.
Atualmente, ele utiliza uma caixa de madeira (mais ou menos das dimensões de uma caixa de sapatos) com uma entrada frontal inferior. O aracnídeo entra por ali e sobe, passando por uma cama de algodão úmido, podendo chegar até um pedaço de caixa de ovos, onde se abriga. Pode ficar ali uma ou duas semanas até, quando é capturado. O escorpião só não fica se lá já houver formigas, suas inimigas naturais.

Para se ter uma ideia, as armadilhas capturaram 345 escorpiões apenas no Cemitério Anchieta (Jardim Ideal, Zona Leste), só no período entre Natal e Ano Novo. Já no Cemitério João XXIII (Jardim Higienópolis, Centro), uma semana de coleta tem garantido uma centena de escorpiões, em média. Comparadas com as buscas ativas em outros locais, as capturas em cemitérios têm fornecido, em números aproximados, 2,5 vezes mais espécimes.

Limpeza e barreiras

Mário Inácio lembra que o escorpião, como tantos outros seres vivos, necessita dos quatro “A” para sobreviver e se perpetuar: acesso, água, abrigo e alimento. Se encontrar estas condições, instala-se ali. Por isso os cemitérios são “paraísos” para o aracnídeo.

Contudo, como já mencionado, eles podem viver junto com os humanos, em suas residências. Lá, eles se protegem de seus predadores – sapos, lagartos, corujas, morcegos – para obter o que precisam. Para evitá-los, Mário recomenda manter os ambientes limpos (para não atrair baratas, por exemplo) e levantar barreiras, como tampas, ralos protetores, soleiras ou telas em portas e janelas. Também é bom evitar que camas, berços e roupas fiquem encostados nas paredes, e não custa verificar se não há nenhum “intruso” dentro dos calçados ou nas roupas de vestir ou de cama.
Se um escorpião aparecer, a ordem é matá-lo. Depois, colocá-lo em álcool e avisar a Vigilância ((43) 3372-9407). Outra opção é levar ao posto de saúde mais próximo.

O professor João Zequi pesquisa os escorpiões em Londrina há cerca de 13 anos (André Ridão/Agência UEL).

Cuidados e negligências

O professor João Zequi lembra que há pessoas que gostam de criar escorpiões como animais de estimação. Estas têm que ser especialmente cuidadosas, porque o aracnídeo – já conta aquela fábula com o sapo que o ajudaria a atravessar o rio – não abandona sua natureza.

Em sua avaliação, os cuidados com os escorpiões têm sido negligenciados, ainda mais considerando a proximidade destes animais com os humanos. Por isso ele defende a pesquisa com fungos e a validação das armadilhas, que são duráveis, reutilizáveis e de baixo custo. Neste aspecto, ressalta o trabalho que vem sendo realizado pela Vigilância Ambiental. No caso dos fungos, cita um estudo na Universidade de São Paulo, que testa um spray que mata o escorpião. “O manejo, o controle seletivo, são muito importantes”, destaca o professor. Mário observa que as ações de monitoramento devem ser ampliadas, e realizadas em galerias pluviais e condomínios, além do Cemitério São Pedro, no centro da cidade, e ainda não focado.

João Zequi informa que uma publicação está sendo preparada e deve sair nos próximos meses, inclusive ajudando no processo de patenteamento das armadilhas.
Vale mencionar ainda que a UEL e a Rede Vital para o Brasil realizam, de 20 a 22 de março, no Centro de Ciências Biológicas da UEL, o I Encontro sobre Animais Peçonhentos do Norte do Paraná.

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