Aprendizagem mediada

Aprendizagem mediada

Professor traduz obra fundamental da Teoria da Ação Mediada, nunca publicada em português e de bases socioculturais, aplicável no processo de aprendizagem de qualquer área.

O professor Marcelo Maia Cirino (Departamento de Química) teve seus primeiros contatos com a Teoria da Ação Mediada há mais de 15 anos, quando estudou textos do também professor Marcelo Giordan Santos, da Universidade de São Paulo. Este abordou a teoria e uma perspectiva sociocultural para a Educação em Ciências, área em que Cirino é Mestre e Doutor pela Unesp.

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Edição número 1427
de fevereiro de 2024
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Em seu Doutorado, obtido em 2012, Cirino traduziu e utilizou alguns capítulos do livro “Mind as action” (1998), do psicólogo norte-americano James Wertsch (1947-), professor da Universidade de Washington em St. Louis. Há 10 anos na UEL, Marcelo começou a carreira como químico industrial, mas logo entrou para a docência, tendo lecionado na Educação Básica, e depois nas licenciaturas e pós-graduação, após um período de seis anos na Universidade Estadual de Maringá.

É esta obra que o pesquisador da UEL já traduziu inteira e se prepara para publicar, assim que resolver algumas questões burocráticas, como os direitos de publicação, que pertencem à Oxford University Press. De fato, foi o próprio Wertsch que sugeriu a publicação em língua portuguesa, segundo o professor Marcelo. O Prefácio foi escrito pelo professor Eduardo Fleury Mortimer (UFMG), que trabalhou com Wertsch nos EUA exatamente na época do lançamento da obra original.

“O objeto e a capacidade cognitiva intermediam o indivíduo e o conhecimento”, expõe o professor Marcelo.

Boa parte da demora se deve à pandemia, que fez parar os trabalhos de tradução por mais de um ano, e foram concluídos em 2023. São cerca de 300 páginas, divididas em duas partes com três capítulos cada. Nos três primeiros, Wertsch descreve a teoria e mostra algumas das fontes de que bebeu, como o psicólogo russo Lev Vigotsky (1986-1934), o filósofo alemão Jürgen Habermas (1929-) e o filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895-1975).

James Wertsch se doutorou em Psicologia Educacional em Chicago e fez um pós-doutorado na Universidade de Moscou. Entre 2012 e 2018, quando exerceu a função de vice-chanceler de relações internacionais na Universidade de Washington, estudou narrativas, memórias e a identidade coletiva dos dois países, e de outros. Assim, construiu uma longa trajetória de pesquisa em torno da linguagem e da dimensão sociocultural de vários povos.

Sua Teoria da Ação Mediada defende que todo aprendizado, toda aquisição de conhecimento, mais tarde aplicado, é feito por mediação. “Tudo é mediado”, sintetiza o professor Marcelo Cirino. Esta mediação é feita por características ou atributos do próprio indivíduo diante do objeto de saber ou conhecimento apresentado. E a cada adição as ferramentas mediadoras se ampliam.

A mediação pode ser material ou imaterial. No primeiro caso, é só lembrar de que, para estudar, um aluno usa lápis, caneta, livros, computador. Imateriais são o pensamento e a linguagem, por exemplo. “O objeto e a capacidade cognitiva intermediam o indivíduo e o conhecimento”, expõe o professor Marcelo.

Um exemplo bem simples: o atleta que salta com vara (material). O treino ou competição é a aplicação do conhecimento, que ele adquiriu com a mediação da técnica que desenvolveu. Por sua vez, esta técnica foi aprendida a partir de conhecimentos anteriormente adquiridos (os fundamentos da modalidade), que por sua vez… e assim por diante. Outro: o aprendizado de uma língua estrangeira é mediado pelo conhecimento anterior, por exemplo, da pronúncia das letras adquirido com a língua materna. De fato, a linguagem é um agente de mediação por excelência.

A teoria pode ser aplicada em qualquer área. O professor Giordan, por exemplo, já publicou artigos em que defende o uso nas aulas de Química, mesma proposta de Cirino. Como se trata de aprendizado, ou seja, de uma forma de crescimento, algumas categorias (emprestadas de Bakhtin) são utilizadas, como “domínio” e “apropriação”. Para efeito da teoria, o domínio ocorre quando o aprendiz sabe usar o que aprendeu; mas a apropriação é mais – é quando se consegue extrapolar e aplicar em contextos diferentes.

Outros conceitos situam a ação mediada em um cenário, no qual existe um contexto (situação), agente (quem vai aprender), motivo, ferramenta (linguagem, conhecimento prévio, técnica, etc.) e consequência (aprendizado). É importante ressaltar que, para Wertsch, agente e ferramenta não podem ser dissociados. Basta pensar em qualquer pesquisador: até as perguntas que ele faz ao objeto de pesquisa já o fragmenta. A seleção de questões, a abordagem metodológica, as opções teóricas, tudo são ferramentas de mediação. “E as ferramentas mudam hábitos”, acrescenta Cirino.

É por isso que todo o processo de mediação guarda relações com a dimensão sociocultural, à medida que sempre haverá um conhecimento acompanhado de um discurso, uma narrativa. É fácil de compreender, basta lembrar de qualquer inovação tecnológica lançada no mercado, que sempre vem seguida de um discurso de que ela chegou para resolver todos os problemas, inclusive aqueles que nem existiam. O mesmo vale para ideologias políticas, seja contra ou favor delas, dependendo da época (comunismo, nazismo, etc.), ou ainda para temas como meio ambiente (aquecimento global), doenças (pandemia, vacina, etc.) ou educação.

Outro exemplo vem dos livros didáticos do nível Fundamental, que costumavam ser utilitaristas quando apresentavam os animais: “a vaca dá leite carne e couro”. Havia até uma canção, o Hino à Vaca: “sem a vaca não haveria sapataria. Sem a vaca não haveria queijaria. Sem a vaca não haveria leiteria. Tudo isso sem a vaca não haveria”. Ora, vaca não “dá” nada.

Na prática

Nas aulas de Química, Marcelo Cirino relata inúmeras iniciativas, em diferentes instituições, a partir da obra de Wertsch, mesmo em inglês. O professor Giordan o utiliza na Unijuí (Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul). Lá, ele analisa o processo de aprendizagem com objetos de aprendizagem, como simulados e questionários. Experiências com o aprendizado de radiação têm sido bem sucedidas, diz Cirino.

Capa do livro original.

Outros instrumentos empregados são a filmagem, entrevistas, problemas e exercícios, otimizados quando são feitas análises multidisciplinares. Na UEL, alguns orientandos do professor já testaram ferramentas matemáticas (como gráficos) na Química (dos gases, por exemplo), o que melhorou a interpretação dos dados. “Isso é apropriação”, definiu o professor.

Para ele, porém, a teoria deve ser mais divulgada e conhecida, principalmente nas áreas de Humanas. Em suas aulas, o professor usa a obra em inglês. Paralelamente, ele estuda a narrativa da perspectiva “aquecimentista”, que atribui o aquecimento global à ação antrópica.

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