Bola na rede pra fazer o gol

Bola na rede pra fazer o gol

Pesquisadores aplicam duas escalas consolidadas para avaliação de estresse antes de partidas de futebol de salão e descobrem que elas não confirmam o que propõem.

A professora Solange de Paula Ramos (Departamento de Histologia) logo avisou: as Escalas de McLean e de Hooper são muito populares entre os técnicos e estudiosos de inúmeras modalidades esportivas, como o futebol de campo, basquetebol, voleibol e futebol de salão. São ferramentas metodológicas que existem há vários anos e consistem em perguntas simples (5 na McLean e 7 na Hooper) para verificar o estresse físico e emocional nos atletas e os fatores que podem afetar o rendimento.

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Edição número 1427
de fevereiro de 2024
Confira a edição completa

Desde 2019, a professora coordena o projeto de pesquisa “Influência do estresse e recuperação sobre a efetividade de posse de bola em atletas de futsal”, que tem como objetivo justamente identificar os fatores contributivos para o aumento da chance de sucesso em partidas de futebol. Ou, em uma palavra: gols.

Preliminarmente, a professora observa que, na modalidade em foco, a posse de bola é fundamental para a vitória, considerando as dimensões do campo e a rapidez que o jogo exige dos atletas, tanto nos movimentos quanto na tomada de decisões. É a partir da posse que se defende, mantém-se posição e finaliza uma jogada. A eficácia da posse é medida pela frequência com que se chega ao gol, considerando fatores como rapidez, decisão e precisão.

Solange conta que tudo começou antes da pandemia, com um orientando de Doutorado, técnico de futsal, interessado em estudar o bem-estar dos atletas em relação aos ataques, assim como as influências da dor e da recuperação. As duas Escalas foram selecionadas justamente por serem amplamente conhecidas e utilizadas. Elas preveem questões, aplicadas 1 hora antes das partidas, do tipo “Você dormiu bem esta noite?”; “Sente alguma dor?”; “Está sob estresse”; “Recuperou-se bem da última partida?”; “Como está seu humor?”. As respostas vão de 1 a 5 ou 1 a 7, entre péssimo e excelente. Depois, os atletas passaram a responder o questionário diariamente, via aplicativo.

Time de Apucarana, uma das equipes participantes do projeto.

O projeto já avaliou equipes de pelo menos cinco cidades do estado, e cerca de 30 jogadores profissionais, que disputaram o campeonato paranaense e/ou a Liga Nacional de Futsal. A idade média dos atletas é 24 anos. Foram observados mais de 20 jogos realizados em casa. São torneios longos (de fevereiro a dezembro) com três dias a uma semana de intervalo entre os confrontos.

Os pesquisadores estabeleceram ainda duas “regressões logísticas” para determinar a efetividade da posse de bola. Uma delas, mais simples, é chamada de “binária” (ou linear) e diz apenas se foi efetiva ou não. Outra, mais complexa, é denominada “multivariada”, porque leva em consideração diversos fatores que podem afetar o rendimento numa partida, como dormir fora de casa, presença de torcida a favor ou contra (conta muito, segundo a professora Solange), jogar em casa ou fora, distância viajada, intervalo interjogos, colocação do adversário na tabela, pressão de uma final, semifinal ou risco de desclassificação, histórico do confronto, entre outros.

Ainda, as partidas foram filmadas e o projeto, posteriormente, fez uma série de avaliações, referentes aos inícios de jogada (lateral, linha de fundo etc.), número de passes, tempo da jogada, jogadores envolvidos, ponto onde termina (gol, linha de fundo, lateral, etc.), assistência de companheiros e finalizações (defesa, gol etc.).

Falhou!

Grande parte destes estudos integraram pesquisas de Mestrado, já defendidas ou próximas de sê-lo. Porém, a grande surpresa foi constatar, como regra, que uma melhor condição de bem-estar não necessariamente leva ao melhor rendimento. É de esperar, inclusive com a literatura teórica da área, que as Escalas possam prever, ou pelo menos, terem seus resultados associados à vitória ou derrota dos times.

Mas não. Naturalmente que a fadiga e a falta de sono podem deixar o tempo de reação mais lento e o jogador mais suscetível a erros. Porém, em um dos certames, um time com os melhores indicadores das Escalas cometeu mais erros e nem chegou à final, enquanto outro, com registros de estresse físico e mental, foi campeão. Este cenário se repetiu em outros confrontos. É quase como se um pouco de estresse fosse um bom tempero para motivar os atletas.

A professora Solange, contudo, é enfática: só novos estudos confirmarão isso ou não. Por ora, qualquer explicação não é mais que mera hipótese. “Os resultados foram contra o que é proposto pela literatura. Há uma interpretação equivocada das escalas”, argumenta a pesquisadora. Os próximos passos do projeto são publicar os resultados – já existem artigos no prelo – e depois criar um novo instrumento de avaliação.

Produção científica

O projeto tem sido bastante profícuo. Já rendeu apresentações em eventos científicos e publicações. Atualmente, participam 8 alunos do curso de Odontologia, 4 de Nutrição e 4 de Medicina. Também 1 mestrando em Educação Física, fora outros 3 que já defenderam suas dissertações, além de 4 doutorandos, dos quais 1 está prestes a defender, e outro nos próximos meses. Dois pós-doutorandos também participam, um deles aquele técnico de futsal citado lá no início da matéria. Vários pós-graduandos foram bolsistas da Capes.

“A eficácia da posse é medida pela frequência com que se chega ao gol, considerando fatores como rapidez, decisão e precisão”, afirma a coordenadora do projeto, professora Solange.

Participam ainda 4 professores da UEL (Educação Física, Física (2) e Nutrição), 1 da Unoeste (SP), 1 da UERJ, 2 da Unioeste (Mal. Cândido Rondon) e 1 da Unifil. Solange destaca também atletas que passaram pelo projeto e que hoje estão no exterior: no Japão (já não joga mais) Peru, Croácia e Quirguistão (país vizinho da China). O projeto tem previsão para encerrar em novembro deste ano, mas a professora Solange informou que outro deverá começar a ser executado.

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