O difícil processo de restauração das matas

O difícil processo de restauração das matas

Pesquisa inserida no Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração revela padrões de ausência de espécies lenhosas em áreas de restauração e confirma que este é um processo lento e complexo que pode durar gerações.

De desenhos animados a campanhas escolares do Ensino Fundamental, um pensamento ecológico é recorrente: deixar a Natureza se recuperar sozinha pode ser a melhor forma de restaurá-la. Não é bem assim: às vezes, é preciso que o ser humano (usualmente o maior destruidor) colabore. Isso se chama “regeneração natural com manejo”. É o que explica o professor José Marcelo Domingues Torezan (Departamento de Biologia Animal e Vegetal), coordenador do PELD (Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração) e líder do Laboratório de Biodiversidade e Restauração de Ecossistemas (Labre-UEL). Atualmente, ele orienta quatro pesquisadores.

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Edição número 1428
de março de 2024
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“Restauração não é um lego”, ilustra ele, brincando. Ou seja, não basta encaixar as peças para obter o resultado idealizado e pronto. Plantar árvores em áreas degradadas, por exemplo, é apenas uma das muitas técnicas conhecidas. São necessárias inúmeras ações, realizadas em etapas que não podem ser puladas ou abreviadas, e um monitoramento periódico.

Esta ideia é preliminar para entender o estudo desenvolvido pela bióloga Jéssica Oliveira Araujo, que defendeu sua dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da UEL em fevereiro, na qual pesquisou e comprovou padrões de ausência de espécies lenhosas em áreas de restauração no norte do Paraná, onde atua o PELD local. Orientada pelo professor José Marcelo, Jéssica já foi aprovada no Doutorado do Programa.

A região do estudo abrange vários municípios e áreas (às vezes apenas pequenos bolsões) de Mata Atlântica, o bioma mais ameaçado de extinção em todo o globo. Em 1500, a Mata Atlântica cobria aproximadamente 15% de todo o território brasileiro (de hoje). Os estados do Paraná, Rio de Janeiro e Espírito Santo eram totalmente cobertos de Mata Atlântica, dentro de uma faixa que unia os dois Rios Grandes. Atualmente, há regiões em que ela simplesmente desapareceu. Em outras, restam meros 10% no máximo. De acordo com o professor José Marcelo, só entre 1934 e 1954, 90% da Mata Atlântica foi devastada no Paraná – tempos em que era pioneirismo tirar uma foto em cima de uma peroba rosa derrubada.

“A ação humana é positiva, mas o ser humano jamais conseguirá, sozinho, recuperar uma floresta”, afirma a pesquisadora Jéssica Araújo.

Com esta fragmentação, as florestas remanescentes guardam diferentes composições estruturais e de flora e fauna, tornando cada uma única. É um dos aspectos de destaque da pesquisa de Jéssica – não há estudos similares anteriores, porque cada região de Mata Atlântica é único. Pode-se citar, por exemplo, uma dissertação sobre regeneração natural em fragmento florestal na Mata de Miritiba (próxima de Recife), da Universidade Federal Rural de Pernambuco, de 2017. É Mata Atlântica, mas com outras características.

Floresta estacional semidecidual

O estudo recém-defendido na UEL abrange o que se chama de “floresta estacional semidecidual” (FES), ou seja, uma mata situada em uma região que alterna períodos de maior umidade (chuvas) e estiagem, assim como temperaturas altas e baixas, o que reflete na perda de 50% ou mais de folhas de árvores no tempo mais seco.
São áreas cujas bordas, em contato com a atividade agrícola, costumam provocar a perda de espécies e alterações no microclima. A pesquisa objetivou, assim, avaliar a ocorrência de espécies lenhosas (que produzem tronco lenhoso, ou madeira) em sítios de restauração, comparando-a com a flora regional e listas oficiais de espécies ameaçadas de extinção, produzindo assim uma “lista de ausentes” com padrões definidos. O estudo observou cerca de 80 espécies em áreas reflorestadas dentro de propriedades rurais. Os produtores, segundo o professor José Marcelo, foram muito receptivos e ajudaram bastante, franqueando o acesso dos pesquisadores do PELD em suas terras.

Logicamente, existe uma série de lacunas no conhecimento do local. Não há como saber, por exemplo, como era qualquer área um século atrás; ou um milênio. Por isso o trabalho de restauração é em parceria com a Natureza. Em última instância, é ela que “decide” o que prosperará ali. Em termos mais científicos, José Marcelo explica que é um trabalho contínuo, mas dividido em etapas que não podem ser atalhadas ou suprimidas, paralelamente a um periódico monitoramento para descobrir quais espécies suportam ou não o ambiente, levando em conta vários fatores, como insolação/sombreamento, nível de umidade e variação de temperatura.

Para se ter uma ideia, Jéssica trabalhou com dados coletados até 13 anos atrás, mas também com outros mais recentes, de 2017. Claro, a pandemia impediu visitas por dois anos. Os padrões que ela buscou se referem, por exemplo, à tolerância da espécie à sombra; à densidade da madeira; à síndrome de dispersão, isto é, processos que ajudam a espalhar sementes e frutos em relação à planta-mãe: vento e animais são exemplos de agentes dispersores. Outra categoria diz respeito ao estrato em que a espécie se situa, ou seja, se ela está num bosque, sob um dossel (cobertura de árvores mais altas), ou se é emergente (cresce acima do dossel).

“Construa e eles virão”

Adicionalmente, a pesquisadora testou a chamada “Hipótese do Campo dos Sonhos”, baseada no filme de 1989 estrelado por Kevin Costner. Na trama, o personagem constrói um campo de golfe num milharal, motivado por histórias de antigos jogadores. “Se você construir, eles virão” é a frase que dá origem à Hipótese. O campo é construído e os antigos ídolos vêm do além-vida para jogar.

Na pesquisa, tratou-se de “dar um pontapé” com o plantio de espécies selecionadas e verificar se outras espécies viriam, vieram, ou não. Jéssica explica que o tempo do estudo é relativamente curto, mas em certas áreas chegaram quatro espécies, e em outras, 14, às vezes similares, às vezes distintas das categorias preestabelecidas, definindo aí os tais padrões de ausência. A contribuição de animais como dispersores foi comprovada e o crescimento das árvores mostrou-se mais lento, mas quando o tronco era mais mole, o crescimento era mais acentuado. Uma das conclusões, portanto, é que o “pontapé” é positivo, mas o ser humano jamais conseguirá, sozinho, recuperar uma floresta.

José Marcelo concorda: “Só plantar não é restaurar. O desafio é muito maior”. A extinção é uma ameaça real e presente. Há espécies, segundo os pesquisadores, que não conseguem retornar à área em restauração. Algumas, “trancadas” (isoladas) nos bolsões de Mata, não têm agentes dispersores para levá-las a outras áreas, o que pode ser outro fator da referida “ausência”. É aí que a tecnologia pode ajudar, observa o professor. Como ele diz, “o principal insumo da ecologia é gente”.

“Só entre 1934 e 1935, 90% da Mata Atlântica foi devastada no Paraná”, diz o professor José Marcelo Torezan.
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