Tábua sobre tábua

Tábua sobre tábua

Pesquisadores estudam e testam materiais construtivos a partir da madeira e que garantem conforto, resistência e economia. Trabalhos já renderam prêmios e projeção internacional, e devem gerar patentes.

A madeira é um arquétipo tão poderoso quanto a casa. Simboliza vida, conexão com a Natureza, abrigo, calor, acolhimento, aconchego e proteção. O ser humano constrói edificações em madeira há muitos séculos, desde abrigos simples até templos e fortificações. E quanto mais se conhece, mais se descobrem possibilidades de uso do material.

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Edição número 1429
de abril de 2024
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É nesta linha que atua o projeto “Desenvolvimento de novos materiais, produtos e elementos construtivos para a construção em madeira”, coordenado pelo professor Jorge Daniel de Melo Moura, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Em execução desde 2020, trata-se de um projeto “guarda-chuva”, ou seja, reúne vários subprojetos e pesquisadores que atuam em diferentes frentes, tendo em comum a inovação tecnológica com o emprego de materiais derivados da madeira, como cascas ou miolo das tábuas, e de outros vegetais.

Há uma pesquisa inédita em andamento, por exemplo, que estuda o aproveitamento da casca da mandioca. É um subproduto da planta sem qualquer serventia e, portanto, não tem valor agregado. Seu destino geralmente é o descarte, o que pode contaminar o meio ambiente. Ao invés disso, uma pesquisadora (doutoranda, já qualificada) propôs a produção de painéis (de 1,20m por 2,40m) que podem ser usados na construção civil, como parede, teto, viga ou piso. O produto já está em processo de obtenção de patente pela Agência de Inovação Tecnológica da UEL (Aintec).

“O país vive um novo embalo de construção em madeira”, avalia o professor Jorge Daniel.

Outra casca capaz de gerar problemas ambientais é a do eucalipto, árvore que representa quase 80% das florestas plantadas com fins comerciais. Não à toa o Brasil passou de importador, décadas atrás, a maior produtor mundial de celulose, para atender um mercado ainda crescente. Paralelamente, a produção de Pinus chega a ¼ da de eucalipto. No projeto, uma pesquisa estuda o uso de resíduos daquele em jardinagem, enquanto do eucalipto também são produzidos painéis para construção.

Os painéis imitam a chapa OSB (Oriented Strand Board), ou seja, de Tiras de Madeira Orientadas, coladas e compactadas. O emprego deste material poupa a Natureza de um chorume putrefato e altamente poluidor, dá uso a um material de baixo valor calorífico (em outras palavras, não serve nem como lenha) e oferece um material resistente e durável a um preço dezenas de vezes menor, além de tudo o que um morador deseja, como o isolamento acústico e o conforto térmico.

Madeira juvenil e bambu

Outra pesquisa trabalha com a chamada madeira juvenil, isto é, a parte que fica mais no interior da tora, gerada quando a árvore era mais nova. Esta madeira possui propriedades desfavoráveis – por exemplo, ela racha com mais facilidade. Assim, é usada como lenha. No entanto, o estudo transforma-a em madeira laminada cruzada, conhecida como CLT (cross-laminated timber), montando-a em camadas sobrepostas octogonais coladas. É um uso da tecnologia que agrega grande valor ao material.

Outra planta em estudo é o bambu e, segundo o professor Jorge, é um material promissor. O bambu é uma gramínea que possui fibras capazes de resistir a forte tração mecânica. É tão bem sucedido que existem mais de mil espécies em todo o mundo e, no Brasil, só as ameaçadas de extinção são mais de 20.

No projeto, é estudado o emprego do Dendrocalamus asper (bambu gigante, ou bambu dragão), nativo do sudeste asiático e que pode chegar a 70cm de altura. A cada cinco anos é possível extrai-lo, e a proposta é também produzir lâminas coladas. O uso para paredes e piso, por exemplo, já foi estudado, mas novas pesquisas propõem sua utilização em lajes, o que demanda mais espessura. “A colagem permite qualquer tamanho”, afirma o professor Jorge, que acrescenta: “A cola está para a madeira assim como a solda está para o metal”.

Um outro estudo, de Mestrado, pesquisou a infiltração de água que pode ocorrer entre o painel e a janela. Outro, concluído no ano passado, trabalhou com colagem em lajes de madeira, com o uso adaptado de uma tecnologia normalmente utilizada em pontes. “Os resultados foram excelentes”, observa Jorge. Painéis de 2,80m por 0,80m, com 15 a 30 cm de espessura, suportaram 10 toneladas de carga. A madeira foi atravessada por uma agulha de aço, que lhe deu força.

Transitoriedade

A construção de habitações em madeira, durante séculos, pode ser vista de um ponto de vista histórico. No norte do Paraná, a exemplo de outras regiões um dia desbravadas, os pioneiros levantavam casas a partir das árvores, recurso farto e à mão. O professor explica, porém, que havia uma visão de que a casa de madeira era transitória, devendo durar só até a família ter recursos para construir uma de alvenaria, mais sólida e ostentadora. Com isso, muito tempo se passou sem desenvolver a tecnologia das construções em madeira, apostando na alvenaria. Não havia linhas de crédito para casas de madeira, o que pode ajudar a explicar porque não existem conjuntos habitacionais de madeira.

Por outro lado, nos anos 60 – relata Jorge Daniel – o governo federal passou a incentivar a produção de celulose no país, a ponto de o Brasil se tornar grande exportador. O cenário mundial também mudou: países como Canadá, Estados Unidos e vários na Europa voltaram a construir em madeira. O que torna os preços lá fora exorbitantes, de acordo com o professor, é a mão-de-obra. No Brasil, aliás no Paraná, também já existem empresas investindo na construção com este material, aproveitando as inovações nas técnicas e materiais.

Segundo o professor, o país vive um novo embalo de construção em madeira. No Paraná, cinco universidades – UEL, UEM, Unicentro (Guarapuava), UFPR e UTFPR/Guarapuava – desenvolvem pesquisa com este objeto via NAPI (Novos Arranjos de Pesquisa e Inovação) intitulado Wood Tech. Além do governo estadual, as instituições recebem apoio da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP).

Produção

O projeto conta atualmente com três docentes, da UEL e da Universidade Estadual de Maringá, já que é um projeto associado. Mas também tem pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (SP), Unesp/Itapeva e USP/São Carlos. Participam 10 estudantes de pós-graduação (seis doutorandos e quatro mestrados), alguns com bolsa da Capes. O professor Jorge informa que mais devem ingressar, e que já houve alunos de Iniciação Científica.

Vários estudos renderam, além de teses e dissertações, Trabalhos de Conclusão de Curso. Há ainda dois pós-doutorandos, um da Universidade Federal do Mato Grosso e outro da Tecnológica Federal do Paraná (Apucarana). Duas dissertações de Mestrado foram premiadas.

Os trabalhos vêm sendo apresentados em eventos científicos e palestras, além de publicados – um artigo já saiu numa revista norte-americana e outro na Europa. Dois registros de patentes estão em andamento. E o professor destaca um dos prêmios: um projeto de casa de madeira escolhido para ser construída para refugiados mundo afora.

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