O leão do planejamento urbano

O leão do planejamento urbano

Pesquisadora retoma estudos sobre o arquiteto e urbanista Leo de Judá Barbosa, figura importante da História de Londrina por seu estilo brutalista e sua rara visão de cidade.

Em sua dissertação de Mestrado, defendida em 2001, a professora Teba Silva Yllana (Departamento de Arquitetura e Urbanismo) estudou as obras de três arquitetos de Londrina, lá nos anos 60 do século passado, que vieram depois do conhecido João Batista Vilanova Artigas: Luiz César da Silva, Ivan Jekkoff e Léo de Judá Barbosa. O Mestrado era interinstitucional (UEL/USP) e, na época, a pesquisadora fez, entre outras ações, entrevistas, inclusive com o próprio Léo de Judá (1937-2013).

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Edição número 1429
de abril de 2024
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Já no Doutorado, a professora abordou transformações ocorridas na calçada mais famosa do país, em tese intitulada “Rochas, desenhos e desígnios: o calçadão de Copacabana”, defendida na UFRJ, em 2009. Em 2021, retomou parte da pesquisa do Mestrado através do projeto “Léo de Judá Barbosa e a ousadia brutalista na Londrina de 1970”.

Para aprofundar este estudo, ampliou as entrevistas, e conversou com pessoas que trabalharam com Léo, arquitetos ou outros profissionais, incluindo agentes públicos ligados a obras. Também conversou com a viúva do arquiteto e urbanista, a socióloga e professora Maria Lúcia Victor Barbosa, e pesquisou os materiais utilizados por Léo.

Professora Teba Silva Ylana.

Obteve dados relevantes na Prefeitura de Londrina e fez um levantamento fotográfico de tudo o que encontrou. “Léo não guardava desenhos”, lembra a professora. Em compensação, ela montou um laboratório com um expressivo acervo de projetos, não só de Léo, mas também de outros arquitetos, como Julio Ribeiro. Este, conhecido por seus projetos residenciais nos anos 80 em Londrina. O laboratório possui ainda projetos de arquitetos uruguaios e argentinos. Situado no Centro de Tecnologia e Urbanismo da UEL, recebeu o nome de Laboratório de Documentação Arquitetônica e da Construção Civil – Luiz César da Silva.

Brutalismo

Derivado do Modernismo, o Brutalismo é um movimento (para alguns, estilo, ou ainda tendência) dos anos 50 a 70 caracterizado pelo volume e pelo claro predomínio do concreto aparente em construções com linhas mais geométricas (normalmente retas) e traçados mais simples, emprestando-lhes uma aparência mais rude, mais preocupada com a função do que com a forma. Naturalmente, a proposta fazia parte de um zeitgeist (espírito da época), de pós-guerra, que favorecia tais preferências. No Brasil, o edifício do Museu de Arte de São Paulo (MASP) é um exemplo de arquitetura neobrutalista.

CSU da Vila Portuguesa, Londrina: projeto de Léo de Judá é conhecido por ser o palco da encenação da Paixão de Cristo há quase meio século.

Em Londrina, o Ginásio de Esportes Darcy Cortez (“Moringão”), é projeto de Léo de Judá, assim como o prédio da Associação Odontológica (Jardim Dom Bosco), mas que passou por várias intervenções a posteriori. De acordo com a pesquisadora, originalmente o ginásio seria parte de um grande complexo cultural, vanguardista, cuja área abrangeria onde hoje existe um supermercado. Infelizmente acabou não acontecendo. “Seria algo inédito para o Brasil”, destaca Teba.

Outro legado de Léo para a cidade foi a transposição da linha férrea, que cortava a cidade em sua região central (hoje, avenida Leste-Oeste) e a dividia não só geograficamente, mas também moralmente (no início) – tudo “abaixo” da linha era menos confiável, fossem estabelecimentos ou pessoas.

Há projetos dele em outras cidades do norte paranaense. Vale lembrar que ele chegou ao Paraná para morar em Maringá, onde havia parentes da esposa. Em Porecatu (85 km de Londrina), os prédios da Prefeitura e Câmara Municipal são seus projetos, assim como o do Café Iguaçu, em Cornélio Procópio (67 km de Londrina).

Sede da Prefeitura de Boston (EUA), de 1968: exemplo de arquitetura brutalista.

Visionário

Léo de Judá Barbosa não era apenas um arquiteto de qualidade, mas igualmente um homem com uma visão do que uma cidade é ou precisa ser, bastante incomum para sua época. Não à toa foi Secretário de Obras ou de Planejamento com prefeitos diferentes. Um de seus projetos é muito conhecido pela comunidade londrinense: o Centro Social Urbano da Vila Portuguesa, que recebe centenas de pessoas todo ano para a encenação da Paixão de Cristo, na Semana Santa – um espetáculo encenado desde 1978. “Léo tinha uma rara visão da cidade, que não pensava apenas no edifício a ser construído, mas em toda a cidade”, diz a professora Teba. Segundo ela, ele contribuiu para sistematizar o conceito de planejamento urbano.

O prédio do MASP é um exemplo de arquitetura neobrutalista.

Este caráter visionário do arquiteto pode ter dado indícios desde cedo. Ainda estudante, ganhou um prêmio da Bienal de Arquitetura, em 1961, concorrendo com outro 36 projetos e arquitetos de 27 países. O prêmio foi dividido com seu professor orientador da época. Mais tarde, Léo estagiou com Oscar Niemeyer. Este mesmo fez a entrevista de estágio e indicou Léo.

Niemeyer e o urbanista Burle Marx vieram a Londrina, graças ao trabalho de Léo de Judá. Vale lembrar que o Terminal Rodoviário de Londrina, inaugurado em 1988, é projeto de Oscar Niemeyer. Já Burle Marx foi responsável pela revitalização do Lago Igapó, que incluiu um novo jardim com quase 200 espécies nativas. Além destes nomes hors concours, Léo trabalhou com uma equipe de profissionais de vanguarda e consultorias especializadas.

A herança do urbanista visionário não é apenas de obras. Ele também produziu Cadernos de Diagnósticos da situação do município, documentos extremamente úteis para o planejamento urbano futuro, bem antes sequer ser implantado o Plano Diretor de Londrina. Foi a partir destes materiais, por exemplo, que a cidade estabeleceu um distrito industrial e preconizou o Sistema de Informação Geográfica de Londrina (Siglon).

Terminal Rodoviário de Londrina, inaugurado em 1988, é projeto de Oscar Niemeyer.

Rumos do projeto

A professora Teba coordena o projeto e conta com a participação de três estudantes de graduação de Arquitetura. Apresentou sua pesquisa na Faculdade de Arquitetura e Urbanisno da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e está finalizando um livro, que logo deverá ir para a publicação.

A pesquisadora anota, ainda, que está começando a se aprofundar em outra característica, menos conhecida, de Léo de Judá: seu lado artista plástico. Teba cita, por exemplo, que ele e a artista plástica Ligia Clark (belo-horizontina como ele) frequentaram uma escola de Artes na mesma época. Ela, aliás, foi aluna de Burle Marx.

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