Formação para a saúde

Formação para a saúde

Pesquisadores analisam currículos de cursos de Licenciatura e Programas de Pós-Graduação para avaliar aproximação ou distanciamento da área com a Saúde Coletiva.

Desde a Resolução 218 do Conselho Nacional de Saúde, de 6 de março de 1997, os profissionais de Educação Física são reconhecidos, ao lado de outras 12 categorias, como profissionais de saúde de nível superior. Tal Resolução seguiu um caminho aberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), criado pela Lei 8.080/90, que dispôs sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes.

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Edição número 1430
de maio de 2024
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O SUS é um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo, com acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país, e foco na qualidade de vida, visando a prevenção e a promoção da saúde. O Sistema tem como princípios a universalização (direito de todos e dever do Estado), equidade (investir mais onde a carência é maior) e integralidade (pessoas vistas como um todo).

“A graduação ainda se mostra incipiente na aproximação entre as áreas. Não há estágios, apenas breves contatos com o Sistema. Só mesmo na Residência houve aproximação maior”, comenta Joamara Pimentel.

As formações profissionais, logicamente, devem se orientar nesse sentido. É aí que entra o projeto de pesquisa “Saúde Coletiva e Educação Física: aproximações e distanciamentos no contexto brasileiro”, coordenado pelo professor Mathias Roberto Loch, do Departamento de Educação Física. Trata-se de um “projeto guarda-chuva” que abriga vários pesquisadores em torno do tema, desde a graduação (Iniciação Científica) até a pós-graduação stricto sensu.

O objetivo principal do projeto é analisar as ementas dos novos currículos dos cursos de Licenciatura em Educação Física das universidades públicas da região Sul do Brasil, especificamente em relação à sua aproximação com a temática da Saúde Coletiva. Trata-se de um estudo descritivo-analítico com análise documental.

Embora esteja em execução há pouco mais de um ano, o professor Mathias vem investigando este objeto de pesquisa há mais de vinte. Neste período, acompanhou o aprimoramento do SUS através de outros programas de saúde pública criados pelo governo. Um exemplo são os multiprofissionais NASF (Núcleos de Apoio à Saúde da Família), criados em 2008 pelo Ministério da Saúde com o objetivo de aumentar a resolutividade e capacidade de resposta das equipes de saúde da família aos problemas da população.

De acordo com o coordenador do projeto, a atuação do profissional de Educação Física na Saúde Coletiva se consolidou como linha de pesquisa, o que legitima o projeto a abrigar pesquisadores de Mestrado e Doutorado. O professor lembra, porém, que tradicionalmente, os cursos de Educação Física têm formado atletas e treinadores, sem ênfase na saúde coletiva. Mas está mudando: ele detecta abordagens mais ampliadas e mais humanizadas. Infelizmente, tudo ainda muito incipiente, pontual e compartimentado.

Pesquisas

Pelo projeto, já houve a publicação de um artigo baseado em um Trabalho de Conclusão de Curso de graduação que analisou currículos de Licenciatura. O trabalho foi publicado pela Fundação Oswaldo Cruz. Dois estudantes de Educação Física, bolsistas de Iniciação Científica, estudam outros aspectos da formação inicial. E uma mestranda está iniciando sua pesquisa também dentro da temática.

Segundo o professor Mathias, o projeto analisou 708 ementas de disciplinas de 11 cursos de Licenciatura em Educação Física. O estudo constatou que três deles não tinham disciplinas relacionadas à temática Saúde Coletiva. Foram identificadas 17 disciplinas obrigatórias. Para Mathias, são “disciplinas pontuais”, o avanço deveria ter sido maior até aqui. E esta lacuna vale também para a habilitação em Bacharelado. “Os cursos ainda são muito direcionados ao esporte, existe um espaço a ser ocupado”, comenta. A própria estrutura curricular, tradicional, tem demonstrado este cenário.

Tese

Joamara de Oliveira Pimentel é doutoranda, orientanda do professor Mathias. Sua pesquisa deriva diretamente do projeto. Conforme a pesquisadora, graduada em Licenciatura Plena em 2007, a tese nasceu de sua trajetória acadêmica. Ela só teve uma disciplina semestral na graduação ligada à saúde coletiva, na qual nada foi abordado sobre o SUS. Mas fez a Residência Multiprofissional em Saúde da Mulher, quando conheceu o projeto. E aí vieram o Mestrado e o Doutorado.

No Mestrado, ao estudar a ligação entre as duas áreas, realizou uma expressiva coleta de dados. Para a tese, focou nos egressos do curso de 2010 a 2019 de 35 Mestrados Acadêmicos de Saúde Pública e Coletiva de todo o país. Do total de 5.695 egressos, apenas 148 (2,5%) são do curso de Educação Física. A maioria vem de áreas como Enfermagem e Medicina. Tanto Mathias quanto Joamara esperavam mais, mas também não se surpreenderam com o número. “Não esperávamos 10 ou 15%”, comenta o orientador.

Prof. Mathias Loch: “As pesquisas nos dão a oportunidade de acompanhar a atuação profissional, mesmo de quem não vai trabalhar no SUS”.

Foram dois anos de coleta de dados e as análises estão começando. Joamara se qualifica ainda este ano e deve defender no início de 2025. Entre outros aspectos, a análise ficará atenta às instituições envolvidas, a regionalidade, a área dos orientadores (quantos da Educação Física?), quais os objetos de estudo dos egressos. Orientador e orientanda concordam que uma análise ano a ano será capaz de mostrar um crescimento ou não de pesquisas articulando ambas as áreas, especialmente ao cruzar estes dados com outros fatores.

Uma análise preliminar do trabalho mostra que foram identificados 149 egressos dos programas de mestrado acadêmico em Saúde Coletiva do Brasil (2010-2019) que tinham formação inicial em Educação Física. Isso representa 2,6%. Quando os dados foram analisados segundo quinquênio, observou-se tendência de crescimento.

Enquanto no primeiro quinquênio (2010-2014) o percentual foi de 2,3%, no segundo (2015-2019) foi de 3,0%. Parece pouco, mas isso representa um aumento de 30%.
Um dado interessante diz respeito à Região Sul. Trabalho publicado pelos autores no Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva em 2022, realizado em Salvador (Bahia), indicou que dos 641 egressos identificados, 43 (6,8%) tinham formação inicial em Educação Física, sendo também observada uma tendência de crescimento na comparação do primeiro para o segundo quinquênio (de 4,6% para 8,1%).

Paralelamente, Joamara tem preparado artigos para publicação. Um já foi submetido a um importante periódico e aguarda resposta. Ele aborda um estudo sobre a intenção de estudantes de Educação Física da UEL, Unicentro (Guarapuava) e UFPR em trabalhar no SUS, dentro daquele recorte temporal (2010-2019). O professor Mathias adianta: 40% demonstraram interesse em atuar na saúde coletiva. O índice é ainda maior entre as mulheres e entre aqueles que conhecem mais o SUS ou programas sociais do governo. O segundo artigo, em preparação, trata justamente da análise dos dados conforme a região geográfica.

Fora isso, a doutoranda apresentou parte de sua pesquisa no Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, em 2022, com dados do sul do Brasil. Aliás, o professor Mathias lembra que os eventos científicos representam uma instância que tem trazido à discussão o tema da aproximação da Educação Física com a Saúde Coletiva. Mas é preciso ampliar, segundo ele.

Residências

Outro avanço, na avaliação do professor Mathias, foi a criação das Residências Multiprofissionais da UEL, uma voltada à Saúde da Família e outra à Saúde da Mulher. Elas surgiram há quase 20 anos, a partir de uma demanda da Secretaria Municipal de Saúde de Londrina para o Departamento de Saúde Coletiva da UEL.
Além de tudo isso, o professor anuncia: um novo projeto vem aí, para estudar a inserção profissional no mercado destes quase 6.000 egressos dos programas acadêmicos de mestrado em Saúde Coletiva do Brasil.

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