Menos é mais
Menos é mais
Projeto de extensão trabalha para melhorar tomada de decisões de diagnóstico em sistemas de saúde.Menos é mais. O clássico ditado que está na boca e no dia a dia da população desde o século passado é uma pílula de sabedoria popular aplicável em diversas áreas: às vezes menos açúcar deixa um bolo mais gostoso, menos estampas formam um um look mais agradável, menos decoração deixa uma casa mais aconchegante. Mesmo assim, não é comum associar esse ensinamento à rotina de um profissional de Medicina.
Disseminar um conceito médico baseado em valor e na qualidade de intervenções médicas é o objetivo do projeto de extensão Stars UEL – Students and Trainees Advocating for Resource Stewardship. Coordenado pelo docente do Departamento de Clínica Médica, Leandro Arthur Diehl, a iniciativa conta com 21 alunos voluntários na produção de materiais informativos, tanto para profissionais da saúde quanto para pacientes, de forma a fundamentar a prevenção de desperdícios causados por práticas desnecessárias em saúde.
Choosing Wisely
As atividades na UEL foram iniciadas recentemente, em março deste ano, mas a base do projeto já existe em mais de 20 países desde 2012. Diehl, coordenador do Núcleo Docente Estruturante do Colegiado do Curso de Medicina, explica que o Stars UEL é um agrupamento originado na iniciativa global Choosing Wisely (Escolhendo Sabiamente), campanha lançada pela American Board of Internal Medicine (ABIM), que busca melhorar a qualidade dos cuidados, aumentar os benefícios do tratamento e reduzir o risco de danos à saúde.
“Acompanhamos as tendências mundiais da educação médica há muito tempo. A Choosing Wisely é uma iniciativa que surgiu nos Estados Unidos e no Canadá que tenta chamar a atenção das pessoas para o fato de que nem toda intervenção feita comumente dentro da assistência à saúde realmente agrega benefícios para o paciente”, explica o coordenador.
Três anos antes do lançamento da Choosing Wisely, o Instituto de Medicina dos EUA informou que cerca de US$750 bilhões foram desperdiçados em gastos desnecessários de saúde no país. A tendência não se prende aos EUA, e mais de uma década depois, em 2021, um levantamento da plataforma Valor Saúde Brasil mostrou que 53% dos custos assistenciais em hospitais brasileiros são consumidos por desperdícios.
“Recentemente, a Choosing Wisely lançou uma iniciativa que estimula a formação de lideranças estudantis”, conta Diehl. “Dentro de várias faculdades de Medicina mundo afora, inclusive no Brasil, estão sendo formados núcleos chamados de STARS, criados para estimular a chamada Medicina de alto valor e melhorar o atendimento à saúde”, acrescenta.
Mais nem sempre é melhor
Na Medicina, os leigos podem achar que o prudente seja obter a maior quantidade possível de dados sobre o paciente. Para o coordenador do projeto, o preferível é que quanto mais informação útil os profissionais têm, melhor. “Isso nos deixa mais capacitados para tomar decisões sobre a saúde dele, a melhor forma de tratamento, como prevenir doenças, como acompanhá-lo etc., mas o que acontece muito é que são solicitadas informações inúteis”.
Mesmo quem não tem enfermidades sérias ou procura o atendimento clínico apenas para fazer exames de rotina pode se deparar com uma série de intervenções dispensáveis. “Pessoas saudáveis, sem doença ou sintoma nenhum podem ir ao médico fazer o famoso check-up e é requisitada uma bateria de exames diferentes para alguém saudável e sem fator de risco. A maioria desses exames são desnecessários. A ideia de que ‘quanto mais exames melhor’ está sempre presente na mente não só das pessoas leigas em saúde, mas até mesmo dos próprios profissionais e estudantes”, explica.
Além disso, há o risco de exames, que por si só já podem ser complicados, caros e doloridos, resultarem em falsos negativos ou falsos positivos. “Um em cada 20 exames solicitados em pessoas saudáveis tem resultado alterado, mesmo sendo um paciente saudável”, pontua Diehl. “Isso gera custo, gera estresse, retorno e repetições de exames, até chegar ao ponto de biópsias e cirurgias e diversas outras complicações que a gente não imagina num primeiro momento”, argumenta.
Semear valor
Para disseminar os conceitos da Medicina de Valor, os participantes do projeto utilizam como base estudos da literatura médica e produzem conteúdos que variam desde vídeos informativos até boletins e folhetos. “ Os estudos mostram o tamanho do impacto dessas práticas na vida de uma pessoa, se realmente elas acarretam benefícios, qual o tamanho deles e qual paciente poderá se beneficiar. A própria iniciativa da Choosing Wisely publica listas de intervenções bem indicadas ou não para determinadas situações. Nós nos baseamos muito nessas listas dentro do projeto”, fundamenta o coordenador.
A partir dessas evidências, a Stars UEL trabalha em parceria com a Unimed Apucarana, tanto para distribuir os materiais, ainda em processo de elaboração, quanto para analisar os cenários das clínicas, como explica Diehl. “Eles falam pra gente ‘estamos sentindo que está sendo feito uma solicitação excessiva de um exame x’. Assim, avaliamos os pacientes a partir da literatura. Mais da metade dos exames solicitados, não precisam ser pedidos”, expõe.
Os estudantes da iniciativa encabeçam todas as etapas do projeto: revisões da literatura, levantamento de dados da Unimed Apucarana, avaliação de publicações de todo o Brasil a respeito, e com isso gravam vídeos educativos para os pacientes, e comunidade em geral. “Também fizemos um material em formato de folhetos para chamar a atenção desses fatos. Os temas vão desde cuidados paliativos na Odontologia até densitometria óssea. Eles encabeçam todo o processo: pesquisam, escrevem roteiros, gravam os vídeos e editam”, destaca.
Como a maioria dos participantes está no começo da graduação, a atuação no Stars UEL é importante para que eles possam “despertar o pensamento crítico, além de estimular a investigação científica ao valorizar as evidências de um caso”, como avalia o docente.
A maior meta é iniciar discussões e promover uma maior conscientização da população. “Se cada vez mais os pacientes começarem a questionar se um exame de risco é realmente necessário ou se um tratamento trará vantagens na situação dele, isso acaba calibrando melhor a assistência dos profissionais” pontua o coordenador, que conclui com a vontade de “ajustar o tratamento para quem realmente precisa e diminuir as intervenções desnecessárias para assim, melhorar os desfechos de saúde da população”.
*Estagiária de Jornalismo na COM/UEL.