Projeto investiga coletivos poéticos de crítica social
Projeto investiga coletivos poéticos de crítica social
Com participação de outras seis instituições de seis estados diferentes, pesquisadores mergulham no universo criativo e de denúncia de contradições sociais.O professor Frederico Garcia Fernandes (Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas) tem pesquisado poéticas orais há cerca de duas décadas, além de estudos sobre festivais literários e inserção da poesia no espaço público. Há alguns meses, ele foi um dos contemplados com Bolsa Produtividade, concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) a pesquisadores brasileiros de destaque. De fato, é a segunda versão de seu projeto, agora intitulado “Coletivos poéticos e políticas públicas de inclusão”. De acordo com o Frederico, ele tanto foi contemplado pelo edital universal do CNPq, quanto pela BP, numa pesquisa que já vem desde 2010, com uma interrupção entre 2021 e 2022.
Trata-se de um projeto em rede, que envolve outras seis instituições de seis estados diferentes: Unipampa (Bagé/RS), Mackenzie (São Paulo), Universidade Federal da Grande Dourados (MS), Universidade Estadual da Bahia (UEBA), Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM-MG).
O projeto tem atuado na coleta e produção de dados sobre a dinâmica dos coletivos poéticos de vários pontos do país, incluindo sua realidade, linguagem, performance, temáticas, produção, disseminação, ações políticas e realização de eventos, como os slams – competições de poesia falada em que os artistas podem ser julgados por árbitros ou pelo público.
Tais coletivos podem apresentar pontos em comum, mas estão muito ligados à própria realidade local e, como expressão de arte, denunciam contradições sociais, ao mesmo tempo em que valorizam a cultura e artistas locais buscando espaços. Em Londrina, o professor cita o Londrix, que promove um festival literário que já alcançou sua “maioridade” em 2023, e o Versa, formado em 2016 e que reúne mulheres.
Slam da Onça
Conforme o professor Frederico, cada coletivo busca seu “lugar de fala” no espaço social para dar voz a quem não tem. O Sarau da Onça, por exemplo, nasceu em 2011 da iniciativa de jovens negros de quatro bairros periféricos da capital soteropolitana. Desde 2014, eles promovem o “Slam da Onça”, no bairro de Sussuarana. Como arte-resistência, denunciam o racismo, a violência contra a mulher e as dificuldades da vida na periferia.
No Mato Grosso do Sul, a Academia Corumbaense de Letras luta para ser a voz do interior do estado, diversa da voz da capital, Campo Grande. “Entre outros temas, ela fala da paisagem pantaneira e tem uma pegada ecológica”, comenta o professor. Já em Bagé (RS), há coletivos preocupados com a história e memória da cidade, e assim abordam aspectos arquitetônicos como as paisagens, as casas e as praças. Em Fortaleza (CE), vale citar o Sarau da B1 e o Sarau da Ocupação, que promovem encontros periódicos para apresentações, rodas de conversa e trocas de livros, entre outras atividades culturais.
Em São Paulo, destaca-se Emerson Alcalde, poeta, slammer, autor de três livros, ativista social e cofundador do Slam da Guilhermina, e que desenvolve o projeto Slam Interescolar SP com mais de 80 escolas da periferia paulistana, no qual promove um letramento literário com os alunos. Para se ter uma ideia da relevância do slam, cabe lembrar que existem competições locais, regionais e até internacionais.
Além de reunir todo este acervo cultural, o projeto também auxilia os coletivos em outros campos, como a administração (burocracia) de um coletivo e a produção de publicações – não apenas livros, mas documentários em vídeo, por exemplo. O pesquisador explica que a construção coletiva, o “fazer conjunto” da poesia é muito importante para os membros dos coletivos, assim como a publicação das obras, que as legitimam. Daí o incentivo, por exemplo, à autoeditoração.
Para ser um coletivo poético
Mas afinal, como se define um coletivo poético? De acordo com o professor Frederico, existem algumas características não exclusivas, mas necessárias. A primeira é a performance, ou seja, a existência de ações e intervenções. “O coletivo poético é altamente performático”, sintetiza o pesquisador. Também, deve o ator (ou poeta) atuar em rede, com um vínculo tanto com o público quanto – principalmente – com outros poetas, para que haja um espaço de trocas – experiências de vida, visões de mundo, referências culturais, etc. E ainda, uma territorialização, na qual o espaço dos eventos é ressignificado. Os três quesitos podem existir em outros tipos de coletivo, mas naturalmente aqui a ação literária aparece em primeiro plano.
A riqueza da poesia produzida pelos coletivos pode ser ilustrada ainda em outro aspecto: o da formação dos poetas que, segundo Frederico, estudam muito, publicam críticas literárias, desenvolvem pontos de vista críticos e vão além dos cânones, sem desprezá-los. “A produção dos coletivos oxigena a Literatura brasileira”, argumenta o pesquisador.
Quantos?
Segundo o professor Frederico, é difícil dizer quantos coletivos poéticos existem, porque alguns não duram muito, por falta de recursos financeiros ou outras razões. Mas se sabe, por exemplo, que no governo de Dilma Roussef (2011-2016), havia 270 festivais e feiras literárias no país. Porém, o número deve ser muito abaixo do real.
Já os participantes do projeto, na UEL, são bem conhecidos. Atualmente, são três estudantes de Iniciação Científica (graduação), três mestrandos e três doutorandos, todos bolsistas. Outros oito já passaram por lá: quatro de IC, três mestrandos e um recém-doutorado. Além deles, está a pesquisadora ucraniana Kateryna Hodik. O projeto já publicou 16 artigos e em setembro deve lançar um livro, que já está pronto.