Precisamos defender o português, diz pesquisadora da Universidade de Lyon

Precisamos defender o português, diz pesquisadora da Universidade de Lyon

Maria Conceição Coelho Ferreira ministra aula inaugural para o PPGEL nesta quarta (28), às 19h15, no Anfiteatro do CLCH.

“Limites e desafios do ensino do Português Língua Estrangeira (PLE) na França: o caso da Université Lumière Lyon 2” é o tema da aula inaugural do segundo semestre do programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPGel) da UEL, nesta quarta-feira (28), às 19h15, na Sala de Eventos do Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH). A conferência será com a professora Maria Conceição Coelho Ferreira, da Universidade Lumière Lyon 2. As inscrições são gratuitas.

Maria Conceição é de Virginópolis (MG), mas vive e trabalha na França há 34 anos. Ela vai pontuar as semelhanças no curso de Letras dos dois países. Atua na graduação e na pós-graduação do curso de Langues Littératures et Civilisations Étrangères et Régionales – Études Lusophones e também é responsável pela graduação em Português e pelo Institut d’Etudes Brésiliennes, cujo objetivo é difundir a língua portuguesa e a literatura brasileira no cenário europeu, bem como apoiar estudantes brasileiros e aqueles que desejam aprender a língua portuguesa.

“Os franceses guardam a língua e língua é poder. Tem uma expressão muito interessante deles que, em português quer dizer: ‘ninguém toca, é a nossa língua’. Acho que nós deveríamos fazer também, defender mais o português”, explica ela. Em entrevista gravada na Rádio UEL FM semana passada, com questões formuladas principalmente pela coordenadora do PPGel, Andréia da Cunha Malheiro Santana, Conceição também refletiu sobre a crise nas licenciaturas e a evasão nos cursos de línguas; a relação professor-aluno na França o que poderíamos aprender com ela; como o brasileiro é visto e tratado na França; a comunidade brasileira em Lyon; os preconceitos contra os portugueses na França e a hegemonia do inglês.

Professoras Andréia Santana e Maria da Conceição, em estúdio da Rádio UEL FM. Professora da Universidade de Lyon fez um bate-papo com a equipe (Fotos: Ricardo Lima/Rádio UEL).

Confira os principais trechos da conversa:

Andréia: De que maneira podemos defender mais o português? O que você pensa sobre isso?

Conceição: Uma coisa que me choca bastante é que recebemos professores, colegas, representantes de universidades brasileiras etc. Todo mundo fala uma língua estrangeira, fala inglês, fala francês. Toda vez que participei de comissões que vinham para o Brasil trabalhar com uma universidade, todo mundo só falava inglês e eles nunca falavam português. Os representantes de instituições francesas não precisavam aprender o português, posto que no meio da intelectualidade brasileira é comum falar-se francês, inglês. Às vezes, eles, assim, diziam ‘obrigado’ ou ‘bom dia’,
mas só ficava nisso. Quer dizer que nós temos que fazer o esforço de falar a língua estrangeira, mas os outros não têm que fazer o esforço de falar a nossa. Isso tem muito a ver com essas relações de poder que nós ainda continuamos a ter com os outros países e faz com que eles se perguntem: se, eles falam francês, falam inglês, para que falar português? Não é necessário!

Andreia: A língua é um patrimônio, não é? Abstrato, mas um patrimônio cultural do povo. Se você não defende essa língua você também perde um pouco da sua identidade. Comente.

Conceição – é que muitos alunos vêm e dizem: ‘Mas eu posso estudar inglês no Brasil?’ ou ‘Posso ter aulas em inglês nas universidades brasileiras?’ A que respondo:
‘Mas se você quer estudar inglês, vá para um país anglófono, por que você iria para o Brasil estudar inglês?’ Não tem sentido. Tudo bem que em línguas estrangeiras aplicadas, que são cursos que agora estão em voga no Brasil, você possa fazer os dois. Mas é preciso dar ao aluno essa obrigação de falar a língua nacional, isso é um trato. Os nossos alunos vão para a França e têm que falar francês. Ninguém vai aceitá-los na universidade se eles falarem só português. Por que os alunos viriam para cá não falando português?

Andreia: Como você ingressou como professora de uma universidade pública lá na França? Teve algum tipo de barreira para você ser brasileira ou não?

Conceição: Não, nenhum. Quando eu comecei o meu doutorado, tive uma
orientadora maravilhosa, que é uma referência para o português do Brasil na França, que é a Jacqueline Penjon. E a Jacqueline Penjon sempre foi muito inclusiva. Ela vem até hoje ao Brasil. Já é aposentada, mas sempre volta ao Brasil como professora convidada pelas universidades brasileiras, onde é homenageada por tudo o que ela fez pelo português e pela cultura e pela literatura brasileiras; vem fazer conferências, dar cursos. Quando comecei a tese com ela, tivemos uma relação muito boa. Em 1999 ela me disse: ‘Conceição, estão precisando de um leitor em Paris 4, que é a
Sorbonne, a Sorbonne Velha. E você liga, você tem que procurar a diretora, que na época era Marie Hélène Piwnik. Nessa época, ainda era muito mais fácil ser leitor.a. Hoje é muito mais complicado, muito mais concorrido, há muito mais doutorandos de português, mas no fim dos anos 90, era ainda alguma coisa possível. Procurei a professora Marie Hélène Piwnik, marcamos uma reunião e ela me disse: ‘Olha, não é muito interessante o cargo’. E eu, ainda bem bobinha, fiquei maravilhada com a oportunidade. Foi aí que começou a minha experiência como professora-leitora da
Sorbonne. Eu dava aula de português, de tradução (francês para português), de história e de civilização, de linguística. Para mim, foi uma grande porta que se abria. Deu tudo certo, comecei com os papéis, aí fui assinar e ela me chamou novamente e disse: ‘Olha, há uma professora de literatura brasileira que tirou uma licença e você pode pegar essas aulas. O cargo de leitor é de dois anos. Assim, em 2001 meu contrato acabou, e fiquei seis meses sem trabalhar, para em seguida ser chamada, sem que eu esperasse para trabalhar na Université de La Rochelle, onde fiquei sete
anos; dois como ATER e o resto como contratada. Trabalhei também como
contratada em Paris 3, na Sorbonne Nouvelle. Em 2008 passei no concurso de professora (‘maître de conférences’ em Lyon 2), onde estou até hoje.

Andreia: Conceição, e a relação de professor e aluno é diferente
lá? Porque às vezes a gente tem essa ideia que eles são mais
formais. Aqui nós somos muito informais, você vê um professor

que está abraçando um aluno, você conversa numa relação mais
simétrica, lá há uma formalidade maior?

Entrevista com a professora Conceição, na Rádio UEL FM.

Conceição: Sim, sim, e uma das primeiras coisas que digo aos estudantes brasileiros que recebo em intercâmbio; nessa primeira reunião, digo para não esperarem ter a mesma relação com os professores franceses que com os professores brasileiros, porque é completamente diferente. Os franceses estão ali para passar conhecimento e eles, para receber, nada mais do que isso. Essa é a primeira barreira. Outra coisa: eles não estão tão disponíveis, então se você escrever um e-mail, não espere que eles respondam no dia seguinte. Eles podem até nunca responder porque não o conhecem, ou têm outra coisa para fazer. Então assim, a regra é: você vai entrar numa aula de um professor que você não conhece, você vai você se apresentar, dizer para ele que você está inscrito como estudante em mobilidade e quer seguir a sua aula dele. É uma relação muito mais formalizada. Na nossa disciplina, nosso departamento é diferente porque essa relação do Brasil, essa relação de intimidade, de mais proximidade, de troca com aluno, ela existe. Mas, por exemplo, nós fazemos parte de um departamento com o espanhol, e o espanhol é completamente diferente. Isso se vê nas trocas, isso se vê, por exemplo, nas demandas dos alunos
que se fazem por e-mail, mais formalizadas. E às vezes eu fico me perguntando se não poderíamos ser um pouquinho mais rigorosos porque os alunos também, eles têm uma tendência a aproveitar…

Andréia: Ah, em todo lugar. Isso é geral. E lá em Lyon, tem bastante espaço para brasileiros? Para quem fala português? Como funciona essa comunidade de falantes de português em Lyon?

Conceição: Há uma comunidade bem grande; eu conheço até muito pouco. Mas, por exemplo, na música, há muito músico brasileiro. Eu tive um aluno, o Everton, que é um pianista maravilhoso, ele é de Pernambuco, mas mora em Lyon e faz muitos concertos. Há uma cantora brasileira, que é mato- Grossense, a Paula Mirhan, e faz muito sucesso na França, além de ser muito conhecida no Brasil. Essa comunidade é muito forte. Nós temos uma associação de músicos brasileiros, que oferece aulas de música, de ritmos brasileiros como chorinho, samba, e aulas de português. Eu acho
que a comunidade brasileira é bastante representativa em Lyon. O problema de nós, professores é que o vivemos na maior parte do tempo numa bolha. Então, convivemos sempre com aqueles que estudam ou trabalham nesse mesmo meio. Mas descobri com amigos que há uma rede
muito grande. E uma aceitação boa também dessa comunidade por parte
dos franceses. É uma pena que a universidade e o curso de português em
si perderam bastante com o tempo. Mas isso tem muito a ver com o poder
do português enquanto língua e com a representatividade dos países
lusófonos na esfera global, porque esse poder é também político. E quando
o governo desses países incentiva, há uma ajuda maior. Por exemplo: o
governo de Portugal tem um acordo com o governo francês, então, há uma ajuda maior em relação à língua portuguesa, em relação a Portugal. Infelizmente, do lado do Brasil não há uma formalização de acordo nessa área com a França; em consequência, não há um incentivo do Brasil também em relação à língua. O que é uma pena, porque é um trabalho hercúleo, mas é um trabalho que quase sempre nos parece solitário. Cada um faz o que pode no seu nível, mas que não chega a render os frutos esperados.

Andréia: Você dá aula de português para francês, é uma formação da graduação?

Conceição: É uma graduação de língua, literatura e cultura estrangeira ou regional (português), mas há também o percurso português-espanhol, bidsciplinar. Nós conseguimos criar com a USP uma formação de português-francês (Letras modernas, como as formações bi-línguas no Brasil), que foi aberta em 2018 e que resistiu à pandemia de COVID. É o primeiro curso de português-francês que nós temos – e eu não conheço outro na França – mas é um curso de português-francês com a USP. Quer dizer que os alunos de português-francês vão da USP para Lyon 2, mas sem reciprocidade desde 2021. Isso tem a ver também com o perfil dos nossos alunos. Talvez o português hoje tenha sofrido com a política brasileira dos anos 2017-2018 – que ocasionou uma perda de interesse dos estudantes de Lyon 2 pelo Brasil. Pode-se pensar que o fator distância, aliado ao fator risco, influenciam o interesse pelo país. Eventos como a Copa do mundo de futebol em 2014 e as Olimpíadas em 2016 no Brasil fizeram com que o número de intercambistas crescesse bastante até 2016, para em seguida sofrer uma diminuição também considerável.

Andréia: Eu acho que a pandemia também teve um efeito negativo nisso. As passagens aéreas ficaram mais caras, os alunos que buscam a licenciatura muitas vezes eles têm muita vontade, mas a hora que eles começam a ver o custo de fazer um intercâmbio, de conhecer uma outra realidade isso acaba inviabilizando. E lá em Lyon, você percebe se os alunos que procuram o curso de letras, eles têm essa disponibilidade? Ou você percebe que, de alguma forma, os cursos na área de letras estão tendo uma procura menor?

Conceição: Essa questão que você coloca é interessante porque, em primeiro lugar, nós estamos falando português e eu tenho a impressão de que o português está em perda de uma dinâmica, mas não só, porque a faculdade de línguas da qual eu faço parte tem sofrido uma perda de meios, e não só para o português. Há outras línguas em situação de precariedade. Eu tenho a impressão de que as línguas estrangeiras também são vistas como um instrumento, então você não estuda mais para compreender o seu funcionamento, mas para basicamente para se comunicar, e talvez seja uma tendência mundial. Não sei se vocês lembram, mas a gente
estudava, no Brasil, uma disciplina que era português instrumental. Então, na verdade, a língua se tornou um mecanismo para se fazer outras coisas, mas não há mais muito interesse em aprender a língua em si. Eu acho que nesse mundo globalizado que estamos vivendo e com o capitalismo muito feroz, perde-se a noção das humanidades. Hoje ninguém se interessa em humanidades. Ler para quê? As pessoas estão mais interessadas em ganhar dinheiro fácil e rápido. Então, para que estudar? Talvez a língua hoje, para os alunos, tenha muito a ver com esse instrumento, que é um instrumento para se chegar a conectar com a Inglaterra, com os Estados Unidos – que é o grande sonho de “todo mundo” – e não é mais necessário estudar a língua pela língua, mas sim para fazer outra coisa.

Andréia: O inglês, então, não perdeu, alunos, candidatos? Ele continua se mantendo importante?

Conceição: O inglês não perdeu tanto quanto nós, mas até que perdeu um pouco, talvez mesmo por isso essa nova tendência de ver a língua como outra coisa, como instrumento, uma tendência muito redutora, o que explica o pouco interesse que pode suscitar uma faculdade de ciências humanas. Estamos sofrendo com isso também nessa nova maneira de ser da sociedade. Na verdade, por que estudar literatura? É uma pergunta que eu me faço às vezes. Por quê? Será que os alunos pensam nisso? Por que eu estudo literatura? Quantas vezes eu vi alunos de letras de português lá e diziam: ‘eu não gosto de literatura’. Mas o que você está fazendo aqui? Será que eles têm consciência da importância disso? Para formação inclusive do seu ser, daquilo que a pessoa vai ser, daquilo que ela vai fazer depois, de valores. Sinceramente eu não sei, eu fico um pouco perdida e fico pensando.

Andréia: Aqui no Brasil temos também uma depreciação, uma baixa procura para os cursos de licenciatura e entre os cursos de licenciatura a área de humanas e a área de letras, elas sofrem um pouco mais com essa situação. Talvez uma associação ao retorno financeiro faça com que o aluno procure mais determinados cursos, não é?

Conceição: Sim, por pouco não sofremos um certo tipo de preconceito, ou de incompreensão quanto à nossa profissão: professora de literatura? Para quê?

Patricia Zanin: O Brasil tem até uma previsão de data para o ‘apagão’ nas licenciaturas, caso essa situação não seja revertida, com um déficit de mais de 200 mil professores em 2040. Temos também um alto índice de evasão nas licenciaturas. Não só nelas, mas em outros cursos também, mas a evasão nas licenciaturas é maior. Lá na França também?

Conceição: Também sofremos uma evasão muito grande nos cursos de humanas. Nós recebemos na formação de humanas alunos de ex-colônias; às vezes, ingressar num curso, numa universidade pública francesa é muito mais uma maneira de sair do país de origem: uma grande maioria desses alunos não são assíduos, e acabam por abandonar os estudos. Esse é o maior índice de evasão que nós temos dos bancos da universidade. Temos também muitos franceses, mas descendentes de portugueses que se exprimem muito bem no oral mas que têm dificuldades em escrever. Essa competência da escrita é adquirida na universidade. É claro que esses estudantes encontram barreiras ao ingressar na universidade. Talvez fosse importante estudar o porquê de essa competência faltar para estudantes franceses lusos-descendentes. Já houve época em que os filhos de portugueses não falavam a língua materna porque eram discriminados. Na verdade, os alunos não queriam falar
mais português, porque quando eles falavam português na escola, eles eram malvistos. Nota-se assim o poder que tem uma língua. E se nós, que somos do país que fala essa língua, não dermos a importância que essa língua tem, não mostrar essa importância e incutir nos alunos o orgulho de falar esta língua, vamos continuar sempre ficando pra trás. É meio complicado, por isso que às vezes eu fico um pouco desiludida, decepcionada porque eu vejo também a tendência: se eu falo inglês, não
há por que falar outras línguas…

Andréia: E temos também uma hegemonia linguística, e isso a gente não pode esquecer que a língua é um bem cultural. Ao desprestigiar uma determinada língua, você desprestigia também a sua cultura, você desprestigia seus falantes, aquele país e isso é muito complicado, isso reforça esse preconceito que existe em
todos os lugares, não só na Europa, mas existe. E a gente vê que há uma onda crescente desse preconceito. Você acha que os brasileiros na França, eles são bem aceitos em relação a outros povos, a outras nacionalidades?

Conceição: Sim, eu acho que há uma simpatia pelo Brasil e pelos brasileiros, porque o Brasil é um país alegre, as pessoas têm uma relação de proximidade com as outras. Eu pensei muito nisso esses últimos dias, porque eu tenho sentido assim, como é diferente estar aqui. O fato de o brasileiro ser tátil, por exemplo: o francês detesta ser tocado. Quando se toca num francês, ou se mostra que se quer algo mais, ou uma ideia completamente errônea daquilo que se quer, ou pior, se está invadindo a
privacidade dele. Então, na verdade, todo mundo tem um espaço, e esse espaço é sagrado. Não entre no meu espaço e eu não entro no seu. E nas relações é tudo muito mais complicado, muito mais codificado. Então, quando eles veem o brasileiro que tem essa proximidade maior com o seu entorno – porque as coisas acontecem no Brasil de maneira espontânea: assim, quando você sorri para alguém, às vezes você o desarma – tem quem não goste, lógico –acho que os franceses veem isso com bons olhos. E gostam disso e da música, gostam dessa alegria. Às vezes, os franceses
têm um olhar um pouco enviesado em relação ao jeito de ser diferente do brasileiro, mas geralmente é um olhar positivo.


*Estagiário de Jornalismo na COM/UEL.

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