Pesquisa que resultou em técnica inovadora para a construção civil ganha patente do INPI
Pesquisa que resultou em técnica inovadora para a construção civil ganha patente do INPI
Uso de lajes pré-fabricadas com vigotas de bambu substituem completamente o aço, o que pode trazer benefícios econômicos e ambientais“Professor, o senhor poderia me colocar numa pesquisa? Já tenho bolsa”, indagou um jovem estudante do primeiro ano do curso de Engenharia Civil ao adentrar na sala do então professor do Departamento de Estruturas do Centro de Tecnologia e Urbanismo (CTU), Gilberto Carbonari. O aluno desejava um projeto de pesquisa para alinhar à sua bolsa de inclusão social, e o professor desejava dar concretude – como a das estruturas de engenharia – a uma ideia avivada numa reportagem vista na tevê dias antes: trabalhar com bambu. Foi assim, por união do acaso, em 2007, que começaram as pesquisas que resultaram na Carta Patente recentemente concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) à UEL (proprietária da invenção) e aos ex-professores da universidade Gilberto Carbonari e Lucas Augusto Milani Lopes (inventores).
Após dezessete anos e a participação de dezenas de bolsistas e de vários professores colaboradores em diversas pesquisas, em dezembro do ano passado, enfim, veio o reconhecimento para um dos frutos dos estudos com o bambu: a patente do sistema construtivo “Vigotas Pré-Fabricadas de Bambu-Concreto para Lajes”. O nome pode parecer estranho para leigos em Engenharia, mas a ideia é acessível. Baseada na construção racionalizada, cujo processo visa à otimização dos recursos materiais disponíveis numa obra, a técnica utiliza o bambu em vez do aço nas várias partes onde este é comumente utilizado na constituição de lajes pré-fabricadas: seja nas vigotas em si (suportes que ficam embaixo da laje); seja nos conectores de cisalhamento (que ligam as vigotas ao concreto); seja nas treliças (armação em forma de malha que fica na parte de cima da laje).
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Na comparação com o aço, o bambu tem várias vantagens, a começar por sua eficiência estrutural. Basicamente, o conceito se refere ao quociente entre a resistência mecânica (à tração e à compressão) e a densidade do material. A densidade do aço é de 7,85 gramas por centímetro cúbico, enquanto as densidades de diversas espécies de bambu variam em torno de 0,5 a 0,9 gramas por centímetro cúbico. Isso porque as paredes da seção transversal dos colmos de bambu são formadas por fibras tubulares, portanto, com muitos vazios, por onde circula a seiva da planta. Por ser muito menos denso que o aço e possuir considerável resistência mecânica, o bambu é muito mais eficiente.
Para além das vantagens físicas, a utilização do bambu em vez do aço traz benefícios econômicos e ambientais. Para produzir aço, há as consequências negativas para o meio ambiente relacionadas à retirada do minério da natureza, um dispêndio grande de energia (1.370 a 1.510 graus Celsius para o derretimento), emissão de gases de efeito estufa, além de exigir um custo de transporte maior, já que é um material mais pesado. Já o bambu só tem qualidades, como explica Gilberto Carbonari: “O bambu é em tudo o oposto do aço. Em termos de preço, nem se fala, pois o bambu vem de graça, da natureza, além de captar carbono e liberar oxigênio”, afirma. Outra vantagem do bambu, quando submetido ao tratamento correto, é a durabilidade, já que o aço sofre ao longo do tempo com a corrosão.
Embora cheio de vantagens, no Brasil, o mercado da construção civil ainda não adotou a produção da planta em larga escala. Há várias razões para isso. Uma delas é exatamente a durabilidade, porque o bambu, ao longo do tempo, sofre ataque de carunchos. Entretanto, uma das pesquisas sobre a qual o professor Gilberto se debruçou, também inovadora, apontou uma solução: uma técnica de repelização do caruncho através do uso do tanino, uma substância natural, extraída da casca da Acácia-negra, comumente usada para curtimento e produção de couro. A técnica consiste em usar uma autoclave para expulsar a seiva do bambu empurrando-a para fora através de pressão, utilizando um composto de água e tanino. A solução, além de expulsar a seiva, fonte de alimento para o caruncho, em combinação com a própria seiva, produz um composto amargo e adstringente, que espanta o inseto.
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Essa técnica de repelização, porém, ainda possui um obstáculo mecânico que impede que a produção de bambu para lajes seja feita em larga escala. Para que o composto de água e tanino seja injetado no bambu, é necessário que o diâmetro por onde entra a solução seja totalmente vedado, para que a pressão surta efeito, impedindo que a solução vaze. O problema é que esse “bocal”, o diâmetro do bambu, existe na natureza de várias formas, seja predominantemente circular, seja ovalada, e em diferentes bitolas. Por isso a dificuldade de produzir uma peça mecânica que dê conta de conter as diversas formas de bambu em escala industrial. Outro aspecto é a pequena demanda pelo bambu no Brasil, se comparada com a de países asiáticos, como a China, o que impacta em investimentos em plantações por aqui. Ao contrário do Brasil, onde se dá preferência à alvenaria, no país asiático, o bambu é muito usado na construção de casas.
Mesmo com desafios ainda a serem superados, a concessão da patente fez brilhar os olhos daquele que passou a estudar a planta para ajudar a efetivar a bolsa de inclusão social de um aluno: “O meu Mestrado foi em dinâmica e estruturas, o pós-Doutorado foi em Barcelona na área de concreto. Eu nunca havia mexido com madeira, bambu, nada disso. Então a patente é um reconhecimento técnico de todo o trabalho envolvido, tanto a nível de professores, alunos e de colaboradores de fora da UEL. Ver que isso deu um significado para a sociedade é gratificante”, comenta.
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Paixão pelo bambu
De 2007 a 2024, quando se aposentou, Gilberto Carbonari esteve à frente das pesquisas na UEL envolvendo o bambu. Por conta delas, foi criado o grupo de pesquisa Bambu-UEL no qual o professor desenvolveu seus trabalhos. De sua autoria, o “Estudo de Caso: Avaliação de Cargas e Dimensionamento de Vigas e Pilares de Bambu para Construções de Dois Andares com Predominância em Bambu” conquistou o prêmio de melhor artigo no Ensus (Encontro de Sustentabilidade em Projeto) 2021. Também são de Carbonari os textos “Propriedades Anatômicas, Físicas, Químicas e Mecânicas do Bambu e Ensaios para sua Determinação” e “Tratamento e Preservação dos Colmos”, publicados no livro “Bambu: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável no Brasil”.
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Os estudos com bambu na UEL também contaram com a participação de diversos parceiros e apoiadores externos e internos, como o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR – antigo Iapar), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação Araucária, a exemplo da Agência de Inovação Tecnológica (Aintec), que foi fundamental para a confecção do depósito (pedido) de patente que possibilitou a conquista do registro.