Reprodução do Pirarucu na Região Sudeste traz risco a espécies nativas, diz pesquisa

Reprodução do Pirarucu na Região Sudeste traz risco a espécies nativas, diz pesquisa

Originária da Amazônia, espécie vem aparecendo no rio Grande, no Sudeste, causando desequilíbrio ecológico e econômico.

“Dentro de uma categoria em que a invasão biológica trabalha, ele já chegou e está estabelecido. Para se tornar uma espécie invasora é só mais um passo”, alerta o biólogo Mário Luís Orsi, do Departamento de Biologia Animal e Vegetal (BAV/CCB) da UEL, sobre a introdução do pirarucu (Arapaima gigas) na Região Sudeste. Originária da bacia Amazônica, a espécie, a maior de água doce em todo o mundo, vem sendo capturada com cada vez mais frequência em trechos do rio Grande, entre as usinas hidrelétricas de Marimbondo e Água Vermelha, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, atraindo o interesse de pescadores. Por outro lado, o fenômeno do crescimento populacional do pirarucu na região pode trazer riscos ainda desconhecidos à saúde humana e resultar em impactos ambientais irreversíveis, como o desaparecimento de espécies nativas muito importantes econômica e ecologicamente. 

“É um animal que está no topo da cadeia alimentar”, explica o professor. “Ele é um predador tanto de espreita, quanto de ataque. Então, imagine um animal com 110 kg e com uma boca deste tamanho, o quanto ele consegue comer”, avalia o professor.

Atuando nos laboratórios de Ecologia de Peixes e Invasões Biológicas (Lepib) e de Genética e Biologia Animal (Lagea) da UEL, onde está localizada uma estação experimental, Orsi mantém contato com o grupo de pesquisadores que vêm estudando in loco o impacto da presença da espécie. Este grupo é formado pela pesquisadora do Laboratório de Ictiologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de São José do Rio Preto, Lilian Casatti; pelo ecólogo e analista ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conversação de Peixes Continentais (Cepta), Rogério Machado; e pelos pesquisadores da Unesp de Ilha Solteira, Lidiane Franceschini e Igor Paiva Ramos, idealizadores do estudo. Também colaboram com as pesquisas o docente da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Jean Ricardo Simões Vitule e a docente do Departamento de Biologia Geral da UEL Fernanda Simões de Almeida, coordenadora do Lagea.

O objetivo do grupo é também monitorar e avaliar os possíveis riscos à população uma vez que os componentes parasitários presentes na espécie são pouco conhecidos. “Esse pirarucu que está se estabelecendo no rio Grande, por exemplo. Não temos ideia se o consumo dessa carne apresenta riscos. Há grande probabilidade de ter alguns riscos, inclusive parasitológicos. Há vários fatores envolvidos. Essa fauna parasitológica pode ter vindo da Amazônia e não ter correspondentes aqui nas regiões Sudeste e Sul. Então, o que isso pode ocasionar?”, questiona. 

Mário Luís Orsi, biólogo do Departamento de Biologia Animal e Vegetal (BAV/CCB). (Foto: André Ridão/Agência UEL)

“História de pescador” 

Em contato com a população que mora na região do rio Grande, o grupo de pesquisadores ouviu relatos importantes que apontam para a chegada da espécie ao local já no ano de 2010. O primeiro registro científico da presença do Pirarucu no local, porém, só ocorreu em 2015. A suspeita, informa o professor, é de que os primeiros peixes chegaram ao rio Grande após uma cheia que ocasionou o rompimento de tanques de piscicultura de criadouros particulares. “Foi um lote grande, mas não se sabe ao certo quantos caíram no rio. Como lá não faz frio, o peixe caiu em um ambiente onde é bastante adaptado e com uma oferta de presas enorme”, explica.

Recentemente, a pesca de peixes com até 120 quilos chamou a atenção de pescadores de outras regiões, comprovando que a espécie vem se ajustando muito bem ao ecossistema local. Fotos de pescadores mostram exemplares que alcançaram o comprimento de um adulto com 1,80 metro ou até mais. Estes exemplares foram capturados em uma região de aproximadamente 120 quilômetros entre as barragens do rio Grande, que foram construídas na década 1970 para a produção de eletricidade.

A partir do crescimento da “fama” do pirarucu na região, a preocupação é com a desova de filhotes no rio de forma indiscriminada, no sentido de aumentar o apelo para a pesca e aquecer o turismo. 

Só para se ter uma ideia, a taxa de crescimento e ganho de peso do pirarucu é uma das maiores entre os peixes, explica o professor. Outra vantagem para o comércio do peixe é o aspecto da sua carne, branca, consistente e saborosa. “Possui um aproveitamento de carcaça espetacular. É uma carne extremamente apreciada pela população, muito rica, de grande aceitação porque é uma carne branca, firme, então tudo isso leva ao problema do outro lado”, pondera.

Manejo da espécie 

Pioneiro na elaboração de pesquisas relacionadas a bioinvasões, o professor Mário Luís Orsi aponta que a situação demandará o manejo da espécie em paralelo ao fortalecimento de ações voltadas à educação ambiental. Por se tratar de um predador invasor, o manejo do pirarucu deverá considerar o incentivo à sua pesca mesmo durante a Piracema e até a proibição de sua criação em outras áreas nessa região, avalia.  

“Sempre digo que o carro chefe é a conscientização, para que não haja mais soltura em nenhum outro lugar. Fizemos materiais que apontam neste sentido, de ciência cidadã, e é preciso trabalhar com as escolas. É um peixe ‘bandeira’ da Amazônia? Sim, mas lá, aqui não”, conclui. 

No topo da cadeia alimentar, Pirarucu se alimenta de espécies nativas com grande facilidade (Imagens: reprodução Tik Tok)
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