Projeto discute desenvolvimento sustentável e autonomia da mulher

Projeto discute desenvolvimento sustentável e autonomia da mulher

A pesquisa desenvolvida no âmbito do Lesfem busca entender as conexões entre os objetivos do milênio e desigualdades de gênero.

“Invista nas mulheres: acelere o progresso”. Em um mundo cada vez mais afundado em conflitos geopolíticos, tensões socioeconômicas e crises climáticas, não há surpresa na escolha da temática do Dia Internacional da Mulher 2024 pela Organização das Nações Unidas. Segundo a ONU, investir nas mulheres e defender a igualdade de gênero são indispensáveis para um mundo mais saudável, próspero e, sobretudo, sustentável. 

Desenvolvimento sustentável e autonomia das mulheres são, à primeira vista, temas que parecem estar distantes um do outro. Mas o caso é justamente o contrário. O projeto de pesquisa “Desigualdades de Gênero e Autonomia das Mulheres no Brasil: conexões e descompassos com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”, coordenado pela professora do Departamento de Ciências Sociais (CLCH) Silvana Mariano, busca compreender as intersecções e avanços da mescla das duas agendas. 

O projeto decorre de iniciativas de pesquisas que remetem ao fim dos anos 90 e início do anos 2000, com o desenvolvimento de programas de transferência de renda no Brasil. “Temos discutido os enfoques de gênero que estão presentes em programas de combate à pobreza. Começamos com o Bolsa Escola, depois o Bolsa Família, e isso foi conduzindo para uma discussão sobre o desenvolvimento do milênio”, explica Silvana, apontando que é nesse entrelace que ocorrem articulações de questões como redução da pobreza e promoção da equidade de gênero. 

Com nove colaboradoras, sendo duas bolsistas de Iniciação Científica (IC), o projeto funciona agrupado em outros projetos do âmbito do Laboratório de Estudos do Feminicídio (Lesfem), “até porque, a questão da violência é uma das dimensões do Desenvolvimento Sustentável”, conta Silvana. 

Um mundo sustentável desenvolve mulheres

Em 2015, foi proposta pela ONU uma nova agenda que discutiria o progresso global através do desenvolvimento humano e sustentável. A Agenda 2030 foi assinada por mais de 190 países e levantou 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com 169 metas envolvendo dimensões sociais, econômicas e ambientais para o avanço da sociedade. Um dos ODS trata justamente da resolução da igualdade de gênero, considerada um dos pilares para os objetivos da agenda global. 

A pesquisa da docente mostra que as desigualdades entre homens e mulheres geram perdas de capacidades para a população feminina, resultando igualmente em perdas de desenvolvimento humano. Dessa forma, com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável,  “houve muita atuação de organizações feministas, globalmente falando, em que se ampliou a perspectiva de que só é possível o desenvolvimento com a inclusão das mulheres e que essa inclusão seja feita reconhecendo seus direitos”, explica. 

“Os ODSs foram ficando mais ousados nesse aspecto para pensar a posição das mulheres no desenvolvimento de uma perspectiva da mulher por si mesma, e não como a mulher como mãe, cuidadora, ou representante de uma comunidade”. 

Silvana Mariano, coordenadora do Lesfem.

Guerreiras não por opção

É muito comum, em meados de 8 de março, que se encontre o discurso repetido, tabelado e distribuído, da ‘mulher guerreira’, da ‘mãe solteira batalhadora’, ou das ‘vencedoras do cotidiano’. O fato é que mulher alguma quer ser guerreira, muito menos escolhe o ser, avalia a docente. “A pobreza, a mortalidade materna, desnutrição, analfabetismo e mais uma série de fatores atingem mais particularmente as mulheres”, completa. 

O desenvolvimento humano só pode ser alcançado através do desenvolvimento da autonomia das mulheres por elas representarem um grupo de extrema vulnerabilidade. A pesquisadora destaca principalmente a questão da pobreza feminina, onde, em termos globais, há maior número de mulheres em situação de pobreza que homens. “No Brasil, também: a pobreza tem um sexo, um gênero e uma cor”, afirma, “a pobreza gera uma série de incapacitações para os indivíduos que são um obstáculo para o desenvolvimento humano”. 

Aprofundando-se nas perspectivas de gênero, uma das implicações deste cenário é a reprodução do ciclo da pobreza. “As mulheres são predominantemente encarregadas do cuidado e das novas gerações. Há um percentual muito comprometedor de crianças e adolescentes em situação de pobreza que estão sob o cuidado dessas mulheres. No Brasil, entre a população em situação de pobreza, mais de 40% dos domicílios são de famílias monoparentais”, revela Silvana.

“Ser mãe solo em situação de pobreza representa um grande obstáculo para o desenvolvimento, pois são pessoas com menos possibilidades de acessar os benefícios e os ganhos do desenvolvimento sustentável. Temos crianças e adolescentes nessa situação com grandes riscos de serem conservados assim até na vida adulta”. 

Silvana Mariano, coordenadora do Lesfem
Silvana Mariano defende que o desenvolvimento humano seja alcançado, também, através do desenvolvimento da autonomia das mulheres. (Foto: Agência UEL).

A situação de miséria muitas vezes é acompanhada pela violência de gênero. Nesta terça-feira (5), o Lesfem publicou um informe que contém o monitoramento de casos de feminicídio de todo o território nacional no ano de 2023. “Não é possível o desenvolvimento humano em uma sociedade que a cada três segundos uma mulher é agredida”, afirma a professora, que foi também coordenadora do projeto do Monitor de Feminicídios no Brasil (MFB). 

Nesses compromissos, as linhas de ação e pesquisa vão se atentando mais para a diversidade entre as mulheres: as do campo, da cidade, da floresta, mulheres de diferentes raças e faixas etárias. Segundo Silvana, “no que se refere ao enfrentamento a violência contra a mulher, vamos observar a diversidade de fatores que intervém na forma com que as mulheres são violentadas na sociedade com fatores como regionalização, faixa etária e pertencimento étnico racial”.

Ao mesmo tempo que as perspectivas revelam um avanço no cenário, também transparecem certo retrocesso. A falta de dispositivos mais objetivos no combate à violência de gênero é um entrave ao desenvolvimento humano. “Até 2030, não teremos eliminado todas as formas de violência contra meninas e mulheres”, conta a pesquisadora. “Queríamos muito que fosse possível, mas isso é um tipo de transformação estrutural. Transformações que são estruturais em uma sociedade são quase ‘intocáveis’ quando se pensa nos tipos de resultados, então demandam longa duração para serem realizadas”, estima.  

Investir para conquistar

Investir nas mulheres para acelerar o processo resume a proposta das iniciativas que vêm se mostrando eficientes na promoção da igualdade entre gêneros. A transferência de renda, série de programas que impulsionou as pesquisas do projeto, se mostrou como um sopro de esperança para mulheres sem futuro. É uma saída mas que, mesmo sendo eficaz, não é infalível. “É importante o investimento nas políticas universais”, frisa Silvana, mencionando como políticas de saúde, educação, habitação, saneamento e transporte público são fundamentais para evitar que as pessoas vivam em situação de pobreza ou para, ao menos, reduzir seus efeitos.

A partir do estudo da aliança entre o desenvolvimento do milênio e a luta pela autonomia feminina, a equipe do projeto e do Lesfem espera produzir conhecimento tanto sobre os avanços como os percalços brasileiros no relativo ao assunto, considerando a trajetória e a situação nacional frente ao índice de desigualdade de gênero.

*Estagiária de Jornalismo na COM/UEL.

Leia também