Mestranda defende dissertação no território de candomblé Ylê Àxé Òpó Omim
Mestranda defende dissertação no território de candomblé Ylê Àxé Òpó Omim
Larissa de Menezes marcou a Universidade como a primeira a realizar uma defesa em um território de candomblé.Ao entrar pela primeira vez na sede do Ylê Àxé Òpó Omim, entidade religiosa e centro de cultura afro-brasileira na Zona Norte de Londrina, a mestranda de Comunicação Larissa de Menezes Alvanhan não imaginava que o encontro resultaria em um marco inédito na academia londrinense. No começo de dezembro, Menezes realizou a defesa de sua dissertação “Poéticas de Terreiro: uma cartografia ancestral com o Ylê Àxé Òpó Omim” na sede do Ylê, inaugurando esse tipo de defesa em um território de candomblé em Londrina.
O trabalho teve a orientação da professora Mônica Panis Kaseker, do Departamento de Comunicação (CECA), e a co-orientação de Mãe Omin, fundadora e matriarca do Ylê. “Essa foi a primeira banca de mestrado realizada no território de um terreiro. Com a generosidade de Mãe Omin, Larissa pôde se aprofundar na compreensão dos saberes ancestrais a partir de suas vivências naquela comunidade”, comenta Kaseker. “Para nós, foi um processo de interculturalidade intenso. O trabalho é dotado de uma poética e uma forma de organizar conhecimento inovadora”. A defesa também comemora um momento importante na trajetória do terreiro: em dezembro, o local comemora 35 anos de existência.
Encontro com a ancestralidade
Larissa iniciou sua jornada no Candomblé como fotógrafa. Convidada por Mãe Omin para realizar as fotografias dos 30 anos da casa da matriarca, ela nunca mais deixou de frequentar o terreiro. “Esse momento foi muito mágico porque, de 2018 até este ano, eu nunca parei de fotografar os encontros, os eventos, as festividades e o cotidiano da comunidade. Em 2020, eu me iniciei no candomblé, tornando-me filha de santo de Ylê Àxé Òpó Omim e Mãe Omin. Anos depois, comecei a trabalhar com o acervo histórico do Ylê, um dos maiores em tamanho e quantidade da Região Sul do Brasil. A partir desse contato com o acervo, arrumando, digitalizando e organizando, eu tive a ideia do que fazer para o projeto de mestrado”, explica.
O trabalho encontrou muitas mudanças em seu percurso até se moldar ao que é hoje. Partindo do metodologia da Cartografia Sentimental, Larissa criou a Cartografia Ancestral que, segundo ela, “ é trazer essa ancestralidade para o centro das discussões acadêmicas e decoloniais, em volta da relação entre filosofia nagô, mitologia yorubá, povos de terreiros, o oxunismo, a potência das mães ancestrais”, definiu.
Ao mergulhar em sua ancestralidade, a mestranda não só pode resgatar a intelectualidade milenar do Candomblé, mas também abrir espaço para esse conhecimento, tido como invisibilizado dentro da Universidade. “Essa dissertação é um pontapé para compreender como o conhecimento Nagô e a filosofia de terreiro são importantes e como eles têm a contribuir com a academia. São formas de cultura afrodescendentes que compõem a nossa cultura regional, estadual e nacional. Essa dissertação pode ser um caminho para a continuidade de novas pesquisas que trazem o conhecimento da força das mães ancestrais. Não somos nada sem os que foram antes de nós”, afirma Larissa.
Orientação de Mãe
A figura da matriarca do Ylê Àxé Òpó Omim na dissertação foi essencial para o desenvolvimento do trabalho. Segundo a mestranda, Mãe Omin é colocada em pé de igualdade com autores consagrados da Comunicação, Filosofia, das Ciências Sociais e Humanas como um todo. “A Mãe Omin é uma figura que representa o conhecimento e a sabedoria ancestral. O conhecimento de mãe de santo, a força da ‘madrepotência’, a força da mãe na figura de Oxum”, conta a mestranda. “O conhecimento dentro do candomblé é passado oralmente, não se lê em livros. Então, Mãe Omin sempre foi me direcionando, dizendo quais fotos eu poderia usar do acervo para não midiatizar os orixás, que são o nosso sagrado. Tendo sempre muito respeito pelos segredos, pelo sagrado, pela minha Mãe. A orientação de Mãe Omin é a base desta dissertação”.
A força das mulheres e mães está muito presente no trabalho, sendo as relações ancestrais a base do Candomblé e, por conseguinte, um grande pilar em “Poéticas de Terreiro”. Como explica a mestranda, um dos temas mais discutidos no trabalho é a relação de continuidade: como o Ylê é uma comunidade em continuidade, que se reflete na figura da matrilinearidade passada de mãe para filha e, por consequência, para a neta. Uma relação consanguínea na figura de mulheres, mostrando a força da ‘madrepotência’ e das mães ancestrais”.
Um marco para a academia
O Ylê Àxé Òpó Omim é a primeira comunidade Nação Ketu na cidade e a mais antiga em continuidade em Londrina. O sagrado abraçou o acadêmico e a pesquisa é um evento marcante, não só por ser a primeira dissertação na Universidade a ser defendida num território de matriz africana, mas por questionar o papel do Ensino Superior em relação a essas populações. “É um evento que marca a academia indo até às comunidades. Indo para os territórios, essa academia se torna uma que se aproxima das discussões sobre comunidades tradicionais de matriz africana, uma que, através dos sistemas decoloniais, se faz decolonial. Não é só discurso epistemológico, é posicionamento político e social. A importância é a que marca uma academia que tem compromisso com a comunidade”, manifesta Larissa.
*Estagiária de Jornalismo na COM/UEL.