Pesquisa de Mestrado analisa responsabilidade civil de influenciadores digitais em relações de consumo
Pesquisa de Mestrado analisa responsabilidade civil de influenciadores digitais em relações de consumo
A relação de consumo que nasce nas redes sociais, destaca a pesquisadora, obedece a uma lógica diferente daquela incentivada por meio dos espaços publicitários nas mídias tradicionaisEm janeiro deste ano, a Justiça do Paraná reconheceu a existência de uma relação de consumo entre uma famosa influenciadora digital e uma seguidora, de modo que a decisão judicial, mantida em fevereiro pela 1ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), comunicou à sociedade uma mensagem clara sobre a responsabilidade de quem se utiliza de sua própria imagem nas redes sociais para vender produtos ou serviços, sejam próprios ou de terceiros. A responsabilização na esfera cível tem o objetivo de garantir o ressarcimento ao consumidor lesado e o pagamento de indenizações, visto que o produto que levava o nome da influenciadora – óculos de sol – nunca foi entregue à seguidora.
Antes mesmo da decisão judicial, o papel de influenciadores digitais enquanto novos integrantes da cadeia de consumo na sociedade capitalista já era alvo do interesse da advogada e egressa do Programa de Pós-Graduação em Direito Negocial da UEL, Maria Eduarda Gobbo Andrades, cuja dedicação ao tema resultou na defesa da sua dissertação de mestrado no último dia 6 de setembro, no Centro de Estudos Sociais Aplicados (CESA). A pesquisa foi orientada pela professora Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral, do Departamento de Direito Privado, coordenadora do projeto de pesquisa “Responsabilidade civil frente à multiplicidade de danos e de condutas lesivas na sociedade contemporânea”.
Influenciadores
O primeiro objetivo da sua dissertação, conta Maria Eduarda, envolve o desafio de definir a natureza dos influenciadores digitais diante de um arcabouço jurídico que se destina a olhar inicialmente à figura dos fornecedores. Essa definição atravessa uma discussão ainda mais ampla que permeia todas as relações comerciais e de trabalho hoje mediadas pelas plataformas digitais, cujo caminho para regulação no Brasil parece mais marcado por dúvidas do que por certezas. Neste sentido, a relação de consumo que nasce nas redes sociais, destaca Maria Eduarda, obedece a uma lógica diferente da que era incentivada por meio dos espaços publicitários nas mídias tradicionais.
“Antes, se uma pessoa se interessava por um produto, ela precisava ir até a loja, tinha um tempo para raciocinar sobre isso. Hoje, ela olha a publicidade no Instagram, arrasta para cima e consegue comprar o produto com dois cliques, pois o cartão de crédito já está cadastrado. Além disso, existe ali uma relação de confiança com o influenciador, porque é uma pessoa que está no mesmo ambiente que ela, compartilha a sua rotina, faz a indicação de um produto ou serviço e faz o consumidor acreditar naquilo. É um cenário diferente, por isso é tão emblemático esse tema”, destaca.
Seguidores
Já o segundo objetivo da pesquisa, mais amplo, foi proteger os princípios do direito negocial e, consequentemente, os consumidores levados a crer de boa-fé na veracidade da oferta em razão da reputação de determinadas celebridades das redes sociais. Para aprofundar este olhar, a elaboração da pesquisa ensejou uma revisão bibliográfica em obras brasileiras e do exterior e a consulta a casos julgados em bases de dados.
Agora mestre em Direito Negocial pela UEL, Maria Eduarda conta que o tema ainda não chegou às instâncias superiores do Poder Judiciário brasileiro, sendo discutido nos tribunais de justiça dos estados (2ª instância), como no caso citado no início da reportagem. Nesta situação, a 1ª Turma Recursal do TJPR considerou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que responsabiliza o fabricante ou prestador do serviço diante do não cumprimento ou entrega do produto ou serviço anunciado. No entanto, a influenciadora acabou sendo responsabilizada uma vez que emprestou seu nome em favor do sucesso da parceria comercial, considerada pelos magistrados como corresponsável pelos danos.
“O influenciador irá integrar a cadeia de consumo, por isso a responsabilidade vai ser objetiva e solidária com o fornecedor. É claro que há uma casuística, mas o que foi delimitado na pesquisa está relacionado à promessa que não se concretiza na realidade, e, ainda, casos de ofertas de produtos vendidos por lojas inexistentes, casos de fraudes”, explica a advogada.
Discussão
Questionada sobre quais países possuem legislações mais específicas, Maria Eduarda cita o caso da França, que já possui legislação específica tratando da figura dos influenciadores digitais com normas específicas para setores como casas de apostas, agências de investimentos em criptomoedas ou outros ativos de risco. No caso do Brasil, a questão motivou o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) a divulgar um guia de publicidade para influenciadores que os obriga a sinalizar conteúdos com os termos “publicidade” ou “conteúdo pago”.
Docente da UEL, Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral destaca a relevância da pesquisa devido ao vínculo de confiança formado na atual dinâmica social. “O consumidor acredita na palavra daquele influenciador e os seguidores, muitas vezes, não possuem ciência da realidade”, lamenta.
Ao lado dela, os professores de Direito João Victor Longhi (UENP) e Anderson de Azevedo (Unifil) fizeram parte da banca que avaliou a dissertação, cujo título é “A natureza jurídica dos influenciadores digitais e a consequente responsabilização civil nos casos em que a publicidade não corresponda ao que foi prometido pela celebridade”.

(*Assessor Especial na Coordenadoria de Comunicação Social).