Doutoranda da UEL analisa cuidado a vítimas de violência sexual em três municípios do Paraná
Doutoranda da UEL analisa cuidado a vítimas de violência sexual em três municípios do Paraná
Edyane Lima entrevistou 36 profissionais para traçar panorama aproximado de como equipes de cuidado atendem crianças vítimas de violência sexual.“A violência sexual contra crianças é um processo endêmico e geracional”. A frase da doutoranda Edyane Lima resume a realidade muitas vezes ofuscada pelo tabu que encobre um tema delicado, porém impregnado na sociedade. Edyane é formada em Serviço Social pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e atualmente desenvolve sua tese de doutorado na UEL, intitulada “O cuidado às crianças vítimas de violência sexual e de gênero em região de saúde do Estado do Paraná”, sob a orientação da professora Marselle Nobre de Carvalho, do Departamento de Saúde Coletiva (CCS).
Com passagens profissionais pelas áreas da Saúde e da Assistência Social, ela exerce atualmente cargo na área da Educação no município de Assis Chateaubriand, a aproximadamente 330 km de Londrina. Sua pesquisa de Doutorado tem como objetivo investigar como se dá o atendimento e o cuidado a vítimas de violência sexual em três municípios da região oeste do Paraná: Toledo, Palotina e Mercedes. Para isso, ela entrevistou 36 profissionais de diferentes ramos, mas todos com atuação junto a vítimas de violência sexual. Entre estes profissionais, estão conselheiros tutelares, enfermeiros, psicólogos e agentes comunitários de saúde.
A pesquisadora fundamentou sua observação em um documento de 2010, elaborado pelo Ministério da Saúde, intitulado “Linha de Cuidado às vítimas de violência sexual e suas famílias”. Este documento especifica as normas de como deve se dar o atendimento às vítimas de violência sexual, da notificação ao acompanhamento dos casos.
Edyane relata que as diretrizes contidas no documento passaram a ser seguidas de forma mais efetiva, nos municípios analisados, a partir de 2017, com a Lei da Escuta e de forma mais organizada a partir de 2020. A Lei da Escuta determina que todo município deve ter uma estrutura unificada para ouvir a criança ou adolescente vítima de violência sexual uma única vez, evitando desgastes e maiores desconfortos. Esta estrutura inclui uma equipe de profissionais preparados para dar o suporte necessário à vítima. “A Lei evita que a criança seja revitimizada e tenha que contar seu relato várias vezes”, define Edyane.
Entre as questões levantadas com os profissionais, está a concepção de cada um deles acerca da violência sexual e de gênero, além da concepção de cuidado e suas experiências, com foco em casos que eles já lidaram, e também sobre a eficácia de materiais informativos e de campanhas que tratam sobre o tema. “Durante o processo de entrevista, muitos profissionais se emocionaram e se indignaram. Um dado importante é que alguns deles também foram vítimas de violência sexual”, revela a pesquisadora.
Sobre isso, ela relata que sua intenção inicial era também conversar com vítimas e familiares de vítimas de violência sexual, porém não houve adesão. Mas, durante as entrevistas, Edyane encontrou entre seus interlocutores pessoas que passaram por episódios desta natureza durante a infância e hoje lidam de forma profissional com o atendimento a outras vítimas.
“Várias situações me chamaram a atenção, mas ver profissionais que viveram a violência sexual na infância reviverem esses momentos durante os atendimentos, e também reviverem ao me contar seus relatos profissionais, é muito impactante. Isso mexe muito com eles. É possível ver profissionais indignados e frustrados pela demora da Justiça”.
Edyane Lima, doutoranda em Saúde Coletiva (CCS).
Tendo em vista o tamanho dos municípios analisados, Edyane conta sobre sua percepção quanto às denúncias e acompanhamentos de casos. Em cidades maiores, o potencial de denúncias é maior, porém o acompanhamento é dificultado. Já em municípios menores, o medo da notificação e da denúncia está mais presente, porém, os acompanhamentos podem ser realizados de forma mais próxima e individualizada.
“Lei do Silêncio”
Como resultado de sua pesquisa, ainda em andamento, Edyane destaca as particularidades de cada região e a força ainda resistente da “Lei do Silêncio”, devido às implicações, inclusive de natureza psicológica, sobre as vítimas, que, muitas vezes, preferem se calar quando não amparadas por uma rede de cuidado adequada. “Para mim, fica evidente o quanto ainda temos que trabalhar para romper com a cultura do silêncio”.
A pesquisadora elenca a chamada “violência intergeracional” como determinante para que muitos casos não sejam denunciados. Nesse sentido, podem existir membros da família que também foram vítimas e, por isso, acabam por normalizar a violência e silenciar frente a casos próximos. “É um processo endêmico e geracional”, classifica.
Outro ponto observado é o despreparo profissional, sobretudo frente a variações digitais de violência sexual. Sobre isso, a pesquisadora destaca a existência de plataformas online que veiculam e até comercializam conteúdo sexual infantil, as quais os profissionais desconhecem. “A violência é um fenômeno histórico, mas agora vem ganhando requintes para os quais as políticas públicas não estão preparadas”, conta a pesquisadora.
Ela ressalta que em casos de violência sexual contra crianças, o agressor, na maior parte das vezes, é um familiar ou conhecido da vítima. Esta constatação se confirmou nos municípios analisados. Entre as formas mais eficazes de denúncia está a escola, local em que se dá um grande número de notificações espontâneas por parte de crianças vítimas de violência sexual. Já quanto à observação, os agentes comunitários de saúde conseguem identificar mais facilmente situações de suspeita de violência sexual.
Por fim, ela destaca que as crianças também são seres sexuados e que o tema não deve ser encarado como tabu. “Precisamos dialogar para que nenhuma criança tenha seus direitos violados, principalmente seu direito de viver de forma saudável e protegida”. A tese de Doutorado teve início em 2021, com a fundamentação teórica, e as entrevistas foram realizadas entre junho e dezembro de 2022. A pesquisadora conta que pretende concluir seu trabalho até o final deste ano.
*Estudante de Jornalismo na COM/UEL.